2021/01/16

Confinamento Suave (here we go again...)

Portugal está, desde ontem, mais uma vez "confinado". Um confinamento esperado, já que a maioria dos países europeus, da vizinha Espanha à longínqua Suécia, seguem o mesmo padrão de comportamento.

É natural. De acordo com a ciência médica, só será atingida a "imunidade de grupo", quando 70% do grupo-alvo estiver infectado (ou vacinado). Um longo caminho a percorrer, portanto.

Aquando da primeira "vaga" de contágios no Ocidente (Março do ano passado), alguns países tentaram adquirir essa imunidade, através da chamada "imunidade do rebanho" (herd's immunity). É o caso da Suécia, durante muitos meses considerada a "nação-modelo" que todos invejavam, ou a Holanda e o Reino Unido e, no outro lado do Atlântico, os EUA e o Brasil. Entre "intelligent lockdown" e negativismo anti-científico, os respectivos governos tentaram tudo para conciliar o inconciliável: saúde e economia. Ainda que toda a gente "ache" que a saúde é mais importante, a verdade é que sem economia (para as pessoas) não há saúde e vice-versa. Uma "pescadinha de rabo na boca". Portugal, nesses primeiros meses, esteve relativamente bem, com poucos infectados e poucas mortes. A explicação para o "milagre português" (como chegou a ser apelidado pela imprensa internacional), prende-se essencialmente com o relativo isolamento do país (fora dos circuitos internacionais), fim-da-época turística e desertificação do interior, o que dificultou uma rápida propagação do vírus. O célere encerramento das escolas e a proibição de eventos desportivos e culturais, contribuíram para o bom desempenho do sistema de saúde, que nunca atingiu o estado de sobrecarga de outros países como a Itália, a Espanha, a França, ou a Bélgica, neste período.   

Entretanto, e logo nessa fase, a Europa foi avisada pela China (onde o vírus foi detectado pela primeira vez) que, a esta 1ª vaga, se seguiria uma segunda, quiçá mais mortífera. Esta 2ª vaga, surgiria no Outono, quando as temperaturas baixassem no Hemisfério Norte e as populações, mais vulneráveis, fossem atingidas pela pandemia. 

E que fez a maioria dos países, Portugal inclusive?  Relaxaram, após 3 meses de "stress pós-traumático", provocado pelo confinamento obrigatório. Foram (também fui) de férias, pensando que o sol e o mar "limpavam" tudo. No intervalo, baixaram as defesas e não se prepararam devidamente (a prevenção, lá está) para a anunciada 2ª vaga. 

Como previsto, a 2ª vaga chegou em fins de Setembro, ainda que tenha abrandado ligeiramente em Novembro. Perante tal resultado ("achatamento" da curva), os governantes portugueses exultaram, optando por manter o confinamento, mas só até ao Natal. Nessa quadra, as famílias poderiam reunir-se de novo, em pequenos núcleos para comer o bacalhau e o bolo-rei do costume, pois o Natal é uma tradição e a "tradição ainda é o que era"...

Não é preciso ser bruxo, para adivinhar o que se seguiu. Quinze dias depois das festas e dos jantares familiares, o número de infectados disparou exponencialmente. Portugal passou de 3000 infectados, em finais de Novembro, para 10 600 em 16 de Janeiro (a maior taxa de incidência mundial!) e já é o quarto país em número de mortos (por milhão de habitantes). Consequentemente, o número de mortos também aumentou e já ultrapassa os 160 diários, uma das maiores percentagens europeias. Os serviços hospitalares estão à beira da ruptura, casos dos hospitais públicos da região de Lisboa, Torres Vedras, Évora, Santarém, Coimbra, Porto, Braga, Viana do Castelo, enquanto na morgue de Lisboa, os cadáveres se amontoam. Um cenário dantesco, que nos remete para a Itália e a Espanha, dos primeiros meses da pandemia. 

É neste quadro, que o governo, apesar das promessas anteriormente feitas de que não haveria um confinamento igual ao de 2020, se viu obrigado a decretar um novo estado de excepção. Desta vez, por 30 dias. Chamou-lhe "suave", como o cigarro de boa memória, para não assustar o pessoal. Em comparação com 2020 (quando 70% das pessoas chegaram a estar confinadas), nestes primeiros dias do ano novo, apenas 39% das pessoas ficaram em casa (dados da DGS). 

A boa notícia, é que as primeiros carregamentos de vacinas (da Pfizer) já começaram a chegar. Na primeira quinzena deste ano, foram vacinadas 100 000 pessoas (1% da população). A manter-se esta média, no fim do ano haverá 2,4 milhões de portugueses vacinados (25% da população). Ou seja, um terço dos 70% necessários para atingir a tal imunidade de grupo...Até lá, o "rebanho" tuge e não muge. Por comparação, Israel já vacinou cerca de 2,5 milhões da sua população e espera, em três meses, ter toda a população (9 milhões) vacinada. Toda a população, à excepção dos palestinianos (!?), acrescente-se... Também o Reino Unido já vacinou 2 milhões de cidadãos e tem uma das maiores percentagens de vacinados no mesmo período de tempo.

Porque parte do comércio se manterá aberto (há 52 excepções à regra) e ninguém percebe os critérios adoptados, o pessoal continua a sair e a consumir nos centros comerciais, pois sem consumo não há economia e sem esta...

Pior: os critérios são tão "suaves" que, em comparação com Espanha, onde me obrigaram a fazer um teste PCR quando cheguei ao aeroporto de Sevilha (e ameaçaram-me de multa, por não ter feito um teste 72h. antes),  ninguém me controlou quando voltei a Lisboa. Nem a mim, nem a nenhum passageiro. Somos uns "bacanos"...

Não há de ser nada, é a "consigne".