2019/10/03

Eleições: até ao lavar dos cestos...

A campanha eleitoral entrou na recta final.
Ainda que poucas surpresas sejam esperadas nestes últimos dias, não deixam de espantar os resultados da mais recente sondagem, feita pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da UCP para o Público/RTP onde, pela primeira vez, o PSD surge com uma votação acima dos 30% e o PS com uma votação abaixo dos 40% o que, a verificar-se, inviabilizará a maioria absoluta desejada pelos socialistas.
Dada a relativa fiabilidade das sondagens da Cesop, é de admitir que, no próximo domingo, não fiquemos muito longe destes resultados. Ainda segundo a mesma sondagem, os restantes partidos do hemiciclo (BE, CDU, CDS e PAN) terão, sensivelmente, a mesma percentagem de votos, com excepção do PAN que, tudo indica, será o único partido a crescer. A dúvida reside, agora, nos pequenos partidos, dos quais dois (Iniciativa Liberal e Livre) podem eleger o seu primeiro deputado, dada a dispersão de votos nos círculos de maior densidade populacional.
Porque é que o PSD, que chegou a ter percentagens de 20% nas sondagens, surge nesta última projecção como o partido que mais aumenta a sua votação?
Dois acontecimentos, podem ajudar a explicar este "súbito" aumento nas intenções de voto dos sociais-democratas: os debates televisivos, onde a prestação de Rui Rio foi francamente melhor do que vinha fazendo nos comícios; e a entrada do "caso Tancos" na campanha, por via da acusação do MP, tornada pública na passada semana.
As boas prestações de Rio (nos debates com Costa) e as acusações do MP contra membros do governo PS (no caso de Tancos) parecem ter dado novo alento e "cartuchos" à oposição que, depois de uma campanha morna, viu aqui a sua última oportunidade para tentar inverter a situação. Essa foi, de resto, a razão porque Rio alterou o seu discurso de não-ingerência em casos de justiça e exigiu uma reunião urgente da Comissão Parlamentar de Líderes, com vista a discutir o "caso Tancos", antes das eleições (!?). Como era de esperar, a sugestão não colheu junto do presidente da Assembleia, que agendou a discussão para a semana a seguir às eleições.    
Dadas as circunstâncias, não é certo que a tendência, apontada em todas as sondagens (vitória dos partidos de esquerda e derrota dos partidos de direita) se altere nos últimos dias. Duas coisas, no entanto, o PSD parece ter conseguido: fugir a uma derrota clamorosa e dessa forma poupar Rui Rio a uma resignação precoce, num partido em clara crise de identidade, onde a direita tradicional e a direita neoliberal, têm dificuldade em cohabitar; e impedir que o PS alcance uma maioria absoluta, o que poderá abrir espaço a negociações futuras, entre os dois maiores partidos.
Perante este cenário, resta saber qual será a posição do PS, após a mais que provável vitória sem maioria absoluta. Três hipóteses: governar em minoria, estabelecendo acordos pontuais no Parlamento com outras forças políticas; governar em coligação com o partido mais votado à sua esquerda (BE); governar em coligação com mais partidos, numa reedição da "geringonça", ainda que com outros pressupostos. Curiosamente, ou talvez não, a maioria dos entrevistados pela Cesop (37%) declarou-se favorável à reedição de uma coligação com um ou mais partidos à esquerda do PS (Geringonça 2). Percebe-se: depois dos 4 anos de austeridade (2011-2015) devido às medidas aplicadas pela coligação de direita (PSD/CDS), a maioria dos votantes não quer regressar aos "anos de chumbo" da Troika. Com todas as suas condicionantes, avanços e recuos, os anos do governo PS, apoiados pelo BE e pela CDU (2015-2019), foram indubitavelmente melhores para a maioria da população, em termos de direitos sociais, poder de compra e avanços significativos em áreas tão importantes como as reformas e pensões, o emprego, os manuais escolares gratuitos ou os passes sociais...
Uma última palavra para os debates durante a campanha, onde a economia e as finanças, continuaram a ser os temas dominantes.  Como bem assinalou Raquel Varela ("Público" de 30 de Setembro), desde a dívida pública ao turismo, há temas que nenhum político discute. Mas, há mais: a questão climática, a dívida "odiosa" (parte substancial da dívida soberana portuguesa), a banca portuguesa, as ruinosas PPPs, a TAP, o CTT, as dívidas impagáveis do Metro, as consequências do turismo "low cost" nas cidades, a crise habitacional em Lisboa e no Porto, o racismo e o populismo crescentes. Esperemos que o futuro governo ouse fazê-lo e, mais importante, que tome medidas concretas, com vista a abolir de vez com a miséria insuportável de mais de 20% da população portuguesa, obrigada a viver com um rendimento médio de 482euros mensais.
Porque até ao "lavar dos cestos é vindima", reservamos os nossos prognósticos para o fim, na certeza de que só votando podemos influenciar o jogo...