2011/02/16

A justiça da moda

É uma notícia de ontem. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) condenou, em última instância, uma família a pagar à CP 10 000 euros por um acidente ocorrido com um seu familiar em 1991 (!).
Troquemos isto por miúdos. Um homem manobrava uma escavadora que transportava uma pesada pá junto a uma linha de caminho de ferro na zona da Azambuja. A pá caiu na linha, enquanto o comboio se aproximava e o homem tentou libertar a linha e evitar um acidente grave. Conseguiu fazê-lo mas perdeu a vida neste "acto heróico" que podia ter tido "consequências terríveis", segundo o acórdão do STJ. A CP, indiferente à heroicidade, que evitou certamente consequências bem mais gravosas para si, move uma acção à família pelos prejuízos que, alegadamente, o acidente provocou.
Há uma quantas perguntas que me surgem no espírito.
Primeiramente, não sei quais são as condições financeiras desta família, mas pergunto-me o que leva uma empresa como a CP, uma E.P.E. que vive da caridade pública e acumula prejuízos de gestão verdadeiramente inacreditáveis, a virar-se assim contra esta família? Que significado financeiro teve e tem esta decisão?
Em segundo lugar, há algo que me deixa verdadeiramente perplexo. Independentemente de no plano meramente técnico a sentença poder ser correcta, haverá justiça na condenação de uma família por um acto cometido por um seu membro, que, por acaso, até perdeu a vida nesse acto e evitou com isso uma tragédia maior, conforme reconhece o próprio STJ? Não tiveram castigo suficiente? Não haverá clemência, direito a "perdão"? Não deveria a sociedade reconhecer o exemplo, a dádiva e reparar a perda, em vez de condenar implicitamente o acto? A Justiça leva vinte anos para decidir isto?
O que está o STJ a dizer aos cidadãos com esta sentença?
Finalmente, estamos manifestamente perante um caso de aplicação da dura lex. Se e quando a CP prevaricar, vamos ter uma aplicação equivalente desta dura lex? Ou o peso corporativo fará desequilibrar o prato da balança?

2011/02/15

O dedo e a lua

Anda o país em "polvorosa" por causa de uma canção dos "Deolinda" e da moção de censura anunciada pelo Bloco de Esquerda. Não está em causa a "correcção política" de qualquer das intervenções, uma mais artística, outra mais política, ambas discutíveis na forma, mas interessantes no conteúdo. Independentemente do que cada um possa pensar da estética de intervenção dos Deolinda, ou da oportunidade da moção anunciada, uma coisa é certa: o desemprego é galopante, os falsos recibos verdes são uma prática comum e os novos desempregados têm a melhor formação das últimas gerações. Só licenciados são 50.000! Um maná para os empregadores que podem contratar estagiários e tarefeiros ao preço da "uva mijona". Esta é que é a realidade.
Logo, algo está errado neste modelo de desenvolvimento e não é culpa da crise actual (que tem as costas largas!), muito menos dos Deolinda ou do BE, quando todos os anos saem milhares de jovens das universidades, muitos deles com mestrados e doutoramentos, aos quais nada mais resta do que emigrar para outro país. Também não nos parece uma inevitabilidade que tal aconteça, pois há muito tempo que as "cassandras da desgraça" vêm alertando para uma estratégia (!?) suicida do mau aproveitamento da nossa melhor matéria, os recursos humanos.
Como sempre, os jornais fazem "manchete" do que não interessa e os papalvos lêem os títulos e acreditam. Cada um acredita no que quer. Até nas notícias que não interessam. Como diz o provérbio chinês, "olha para a Lua e não para o dedo que para ela aponta".

2011/02/13

Um retrato perturbante do País

Depois de Augusta Martinho, a senhora que apareceu mumificada ao fim de 9 anos de encarceramento na sua casa da Rinchoa, há um novo caso de um idoso que, suspeita-se , terá permanecido morto na sua casa em Cantanhede durante três meses.
Um país em falência, cujos velhos morrem sozinhos em casa e aí permanecem sem ninguém parecer dar por isso. Um país em falência cujos novos se ausentam, para ir buscar novamente na emigração a sua salvação económica. Esta ausência, para tratar da vida, talvez explique aliás a dificuldade, que pelos vistos se está a tornar regra, em dar conta da morte dos velhos nos sarcófagos da Rinchoa ou de Cantanhede.
São muitos os que se mostram escandalizados com tudo isto. Não talvez o suficiente, contudo.
A verdade é que falta deitar seriamente mãos à obra e criar as condições necessárias para atacar as causas remotas desta morte solitária dos velhos e desta nova morte longínqua para que empurrámos os novos.


PS- E vão três!