2012/12/27

“Olhar a lua e não o dedo que a ela aponta”

Artur Baptista da Silva é, por este dias, o homem mais célebre de Portugal. Não é caso para menos. Depois de uma conferência no Grémio Literário, que lhe valeu um convite de Nicolau Santos para participar no programa “Expresso da Meia-Noite”, apareceu e “arrasou” a concorrência. As suas opiniões, sobre as consequências do modelo de intervenção internacional na crise dos países da Europa do Sul, nomeadamente em Portugal, assim como a sua critica ao papel da Alemanha, só pode surpreender quem não ande atento e informado. Afinal, o que disse de substancial Baptista da Silva, que não se soubesse?
Disse que o “resgate”, a que Portugal está sujeito, é de 78 mil milhões de euros, dos quais 34 mil milhões são juros a pagar às três identidades da Troika (FMI, Banco Central Europeia e Comissão Europeia) a taxas que chegam a atingir 5% a 10 anos e mais de 4% em média.
Que a dívida actual (120% do PIB) começou muito antes da crise internacional de 2008, pois, quando entrámos no Euro, já a dívida pública era de 60%. do PIB.
Que parte substancial, dessa dívida original, foi criada ao longo dos diversos programas europeus, que obrigavam Portugal a endividar-se para poder receber apoios da UE. Sem dinheiro para participar, Portugal não podia concorrer aos subsídios, por isso tinha de pedir emprestado para se modernizar.
Que os juros exigidos aos países intervencionados são imorais, pois enquanto a países, como a Grécia e Portugal, são cobradas taxas de juro de 4%, os bancos dos países credores obtém esses mesmos empréstimos, do BCE, a 1%. e emprestam-no a taxas agiotas. Deu, inclusive, o exemplo do Hypo Bank, em Munique, (o segundo maior banco alemão de empréstimos) que, ameaçado de falência, foi resgatado pelo Deutsche Bank em Outubro de 2008 e, posteriormente, nacionalizado em 2009. De acordo com a informação de Baptista da Silva, o Hypo teria pedido um empréstimo de 175 mil milhões de euros ao BCE, para colmatar o “buraco” existente. Dado que a intervenção só custou 120 mil milhões, teriam sobrado 55 mil milhões. Para onde foi este dinheiro? Como não podia voltar ao BCE, ficou no Banco. Ou seja, o Hypo Bank ganhou 55 mil milhões de euros que pôde utilizar em novos empréstimos a taxas valorizadas! Um escândalo, segundo Baptista da Silva, de que ninguém fala. Dessa forma, os bancos alemães enriquecem, enquanto os países do Sul da Europa estão cada vez mais pobres. Mas, Baptista da Silva disse mais: disse por exemplo, que o Memorando com a Troika deve ser renegociado, pois as condições impostas a Portugal e a outros países com programas de intervenção semelhantes, só podem dar maus resultados: mais impostos, menos salários, reformas e subsídios, mais desemprego e mais recessão, aumentando assim o ciclo da pobreza e a dependência cada vez maior dos bancos agiotas. É este o modelo seguido para a Europa do Sul e está a falhar.
Bom, depois disto, não é de admirar que o homem tivesse sido citado em tudo o que era sitio. Não pelo que disse, mas pela exposição e frontalidade com que o fez, ainda por cima perante audiências especializadas que não conseguiram contradizê-lo. Ou seja, o “aldrabão Silva” limitou-se a dizer que o “rei vai nu” e ninguém o criticou por isso, mas pela sua audácia em fazê-lo, especialmente não sendo reconhecido pelos pares.
Está por provar que a acusação ao Deutsche Bank é falsa (fomos verificar e a Wikipedia confirma a operação de 2009, na qual o governo alemão suportou a intervenção com 102 mil milhões de euros). Ninguém o desmentiu. Quanto às restantes opiniões estão dispersas por dezenas de artigos de opinião e trabalhos de reputados cientistas sociais, que dizem exactamente o mesmo que Silva.
Como nos lembra o provérbio japonês: “Devemos olhar a lua e não o dedo que para ela aponta”.

2012/12/23

O Mundo, tal como o conhecemos, está a acabar

Lisboa, quatro e meia da tarde. À saída da estação do Rossio cruzo-me com uma mulher de idade, bem vestida, que me interpela. “Se eu disponho de um momento?”, pergunta-me... Respondo-lhe afirmativamente e ela, puxando-me para o lado, mostra-me um saco de plástico com duas ou três camisas: “Se eu quero comprar uma?”... Não sei que responder e digo-lhe que não necessito de camisas. Puxa-me pelo braço e desfaz-se em lágrimas. Não tem dinheiro, tem uma pequena reforma e o marido está num lar que ela tem de pagar. Não sabe como há-de sobreviver e tem de pagar todas as despesas. Insiste que eu lhe compre a camisa. Após segunda recusa, confessa que nunca pensou ter de fazer tal coisa e está desesperada. “Onde é que vamos parar? O que é que nos está a acontecer?”
Tento consolá-la e digo algumas palavras de circunstância, sem estar muito certo do que se estava a passar. Estabelece-se um curto dialogo. Enquanto falamos, noto-lhe o desespero estampado na cara. Chora convulsivamente. Consigo acalmá-la e ela, já mais conformada, tenta vender-me a camisa pela última vez. Há dignidade na sua pobreza e sinto-me culpado de algo para que não contribui. Despedimo-nos e ela agradece-me, desejando-me boa sorte. À distancia, olho uma última vez para trás e vejo-a entrar na estação à procura de alguém a quem consiga vender a peça de roupa. Provavelmente do seu marido, que não a pode usar...
Não posso deixar de pensar na profecia Maya. O Mundo não acabou ontem, é verdade, mas, para demasiados portugueses, o mundo a que estavam habituados deixou de existir.
A avaliar pelas previsões mais optimistas, tudo será pior em 2013.
Recentemente, o líder do partido grego Syriza, a propósito da situação de intervenção a que estão sujeitos os dois países, dizia que “o Portugal de amanhã, será a Grécia de hoje”. Referia-se à situação de extrema pobreza para a qual foram atirados milhares de gregos nos últimos anos. Uma miséria extrema, que atingiu a classe média, hoje obrigada a procurar comida nos contendores de lixo em Atenas. A degradação humana, na Europa que construiu o estado social.
Algo de terrível nos está a acontecer e a paralisia é má conselheira. Quando se perde a dignidade, não há camisa que cubra a nossa vergonha. É essa a maior miséria.