2017/02/10

Trumpalhadas

Donald Trump. Era inevitável. Não passa um dia em que não ouçamos falar dele.
Como notava alguém, num recente debate televisivo sobre a actualidade, finalmente voltámos a falar de política! De facto, não há dia em que não sejamos interpelados pelas decisões e atitudes do recentemente eleito presidente dos EUA, ainda que nem sempre pelas melhores razões. Não está em causa o facto das decisões de um presidente americano influenciarem directa ou indirectamente a maior parte da população do globo: essa tem sido uma constante da política externa americana no último século e já vamos estando habituados à sua presença. O que está em causa, é o tipo de decisões tomadas e a forma como estas são postas em prática. Digamos, para usar uma linguagem diplomática que, ao actual homem da Casa Branca, falta algo essencial para exercer o cargo que ocupa, afinal o do homem mais poderoso do Mundo. Não é coisa pouca.
(foto AP)
Philip Roth, consagrado escritor americano, escreveu nos dias que se seguiram à tomada de posse de Trump, não se lembrar de um presidente tão limitado nas suas capacidades cognitivas e com tão reduzido léxico, incluindo Nixon e George Bush Jr., os piores da lista. De acordo com o recente nomeado para o Nobel de Literatura, Trump não utilizaria mais do 77 palavras...
Piadas à parte, a verdade é que o seu discurso de posse foi de uma pobreza extrema (de resto, escrito por Bannon, o homem forte da campanha) e a sua forma de comunicação preferida, os "twitters", são disso a prova. Um presidente do país mais poderoso do Mundo, que opina sobre todas as questões da política interna e externa e reage às críticas através de mensagens que não ultrapassam os 140 caracteres, a maior parte destas com ameaças veladas e "soundbites" destituidos de qualquer nexo ou profundidade, é uma novidade em política e nada nos faz crer que seja boa.
Uma das interpretações avançadas para este comportamento atípico, residirá no seu perfil psicológico, caracterizado como narcisista-obsessivo, que explicará a necessidade constante de receber atenção e a dificuldade notória de funcionar numa equipa (dado que sempre foi o "patrão" de empresas, onde as ordens não se discutem e são para cumprir). Muitos telespectadores lembrar-se-ão ainda do "talk-show" que dirigiu durante anos, onde os concorrentes eram despedidos, após cada eliminatória, com a frase "you're fired!", que o celebrizou. No fundo, a personificação do "boss" tradicional, para quem os lucros da empresa são sempre mais importantes do que os nela trabalham. Não é difícil imaginar tal personagem em reuniões e a tomar decisões com os seus principais conselheiros, ainda que estes tivessem sido escolhidos a dedo e sejam, por por definição, mais cultos e informados (bem mais perigosos) do que o presidente. De resto, não está sequer afastada a hipótese de Trump vir a ser substituido antes do fim da legislatura, seja por razões pessoais, seja por conveniência do "sistema" (partido republicano, Wall Street, corporações várias, industria de armamento) que, nesta fase de destruturação e reordenamento do capitalismo global iniciada em 2008, o estejam a utilizar como "testa de ferro".
Uma coisa é certa: ninguém acreditou que ele se candidataria à presidência e ele candidatou-se. Quando o fez, pouca gente acreditou que poderia ganhar as primárias e ganhou. Mais tarde, quando isso aconteceu, todas as sondagens davam a vitória a Hillary e poucas apostariam na sua vitória. No entanto, acabaria por ganhar as eleições. Com menos votos, é certo, mas vencedor na maioria dos estados representados no colégio eleitoral que o nomeou. Um vencedor incontestável, ainda que contestado.
E agora?
Independentemente dos rótulos encontrados (populista, demagogo, nacionalista, proteccionista, fascista de tipo novo), Trump e o trumpismo vieram para ficar. Para os americanos, que não se revêem nas suas políticas, um verdadeiro "nightmare", que ainda só agora começou. Será na América, de resto, que irá travar-se o maior e mais decisivo combate contra este representante de um sistema financeiro que não olhará a meios para impôr as suas leis. Um presidente que defende o mercado livre, mas que, simultaneamente, defende o "proteccionismo"; que impede a imigração legal, mas necessita de imigrantes qualificados nas áreas da inovação e tecnologia (sem as quais não há desenvolvimento); que quer levantar barreiras alfandegárias, mas necessita de fazer negócios com o México, a Alemanha, o Japão, a Russia ou a China (que detém 45% da dívida pública americana); que quer recuperar as industrias tradicionais, sem ter em conta que os automóveis, as minas e o aço, são mais baratos noutras paragens. Quer "tornar a América grande de novo", mas não sabe bem como. A menos que...a menos que, caso falhem todas estas medidas, esteja em preparação algo de mais terrível, como o que foi experimentado pela maior potência europeia do século passado, quando escolheu a guerra para superar a crise. Não o devemos menosprezar.