2010/06/19

Fuso Luso 6


A 64º de latitude, estou nos limites da "ocidentalidade" a norte. Se continuasse a percorrer este meridiano em que me encontro, desse o pequeno passo que falta para ultrapassar a latitude 90º e me desviasse uns 70º para a minha direita, iria com toda esta facilidade e por uma via muito mais curta (se os navegadores soubessem...) tombar no outro lado, num outro norte, situado nas mesmas latitudes da ocidentalidade, mas com diferenças maiores do que a simples diferença entre o dia e a noite. Deste lado de cá não percebemos que há ali  uma vantagem ancestral. É aquele lado que primeiro vê o dia nascer. Eles sabem isso, sabem  a vantagem que têm e demonstam uma paciência sábia perante a nossa impaciência atrevida.
Ainda assim, apesar de percorrermos outras longitudes, continuamos a falar de norte. Se continuarmos, porém, a progredir ao longo deste mesmo meridiano em que me encontro (se os navegadores soubessem...), à queda do norte ocidental num norte oriental juntar-se-ia o trambolhão no sul. Onde nos vamos estatelar todos a sério!
Nestas latitudes remotas onde me encontro percebe-se melhor o quanto a ocidentalidade vive auto-convencida e alheada destas verdades meridianas.
Quando acordar arrisca-se a ser tratada com o mesmo respeito que Johan Ludvig Runeberg --o poeta nacional da Finlândia, representado na estátua da foto-- merece à gaivota nela pousada.
Não foi Gandhi que disse, a propósito da "civilização ocidental", que achava que seria uma boa ideia...?
E Portugal? Como vai lidando com todos estes problemas? Na região do fuso luso, esta dança dos quadrantes vai sendo tratada com a costumeira "astrolábia" dos dirigentes políticos, navegadores de águas chocas, desconhecedores do regime dos ventos, da força das marés e das regras da mareação actual. A marujada, por seu turno, opta pela arte da navegação solitária, já que ninguém a consegue mobilizar para um rumo comum. E como navegar é (continua a ser) preciso, toca de levantar ferro.

2010/06/18

José Saramago (1922-2010)

"A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu"

(em "As Intermitências da Morte", 2005)

2010/06/16

Fuso luso 5

É impossível não ficar esmagado pela paisagem vista aqui da montanha de Koli. Uma paisagem que é enjoativa de linda. São onze da noite e o sol brilha. Esmagado pela paisagem (não me esmagam facilmente!), baralhado pelo sol da meia noite e pela estafa da viagem, ainda tento perceber a verdadeira natureza destes finlandeses, as linhas que separam a Nokia da total e generalizada incompetência dos funcionários do aeroporto, a fronteira entre o acolhimento quente e jovial e os silêncios gélidos e prolongados (quem não ficaria silencioso e gelado perante a imensidão desta beleza?), a divisória entre a internet que jorra generosamente à borla por todo o lado e a televisão cobrada nos quartos do hotel a preços exorbitantes.
Sibelius passou por Koli e inspirado certamente, como eu fiquei, por uns retemperantes 6º C ao meio dia a meio de Junho, escreveu a sua 4ª sinfonia.
Não sei se vou conseguir arranjar tempo para escrever a minha quarta sinfonia, porque ainda me falta escrever as primeiras três, mas que estou inspirado lá isso estou.