2007/03/30

representatividades

O mês de Março tem sido fértil em notícias curiosas. Atente-se nas coincidências:
Presidente de câmara prossegue cruzada pela instalação de um museu Salazar em Sta. Comba Dão; movimento de extrema-direita concorre com lista em associação de estudantes; concurso televisivo consagra Salazar como o "maior" português da História; partido de extrema-direita coloca "outdoor" no Marquês de Pombal, com apelo racista contra os imigrantes. Enquanto as autoridades não vêem mal nenhum nestas singelas manifestações, os comentadores do costume dizem que não nos devemos preocupar: tudo não passará de um epifenómeno, sem qualquer representatividade. Fiquei muito mais descansado...

2007/03/29

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 4

Os verbos defectivos
Verbos defectivos são os que «não têm a conjugação completa consagrada pelo uso» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, página 443 da 17.ª edição).
Atentemos na pergunta do 2.º teste sobre este tema e na respectiva resposta:

«24. Qual a forma da primeira pessoa do singular do verbo «imergir» no presente do indicativo:
A. imerjo
B. não tem
C. imergo
D. imirjo

Resposta - B.
A resposta correcta é a B, não tem. Na 8ª edição da Nova Gramática do Português Contemporâneo, livro de referência segundo os regulamentos, a páginas 445, em «Verbos Defectivos», dá-se claramente como exemplo o verbo banir, e mais se afirma que pelo seu modelo se conjuga, entre outros, o verbo «imergir», que não possui, portanto, a 1ª pessoa do presente do indicativo.»

Tudo certo. Mas não inequívoco.
É que, se é certo que a gramática de referência estabelece que não existe a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo imergir, é também certo que o dicionário de verbos do Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, também ele de referência quanto à sinonímia, admite a forma "imirjo".
Teria ou não sido de bom-senso não incluir perguntas em que este tipo de contradição se verifica?

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 3

A flexão do infinitivo
O português é uma língua bastante complicada, porque tem regras e mais regras, a propósito de tudo e da nada.
Um dos assuntos mais controversos e sobre o qual não existem regras taxativas é o da flexão do infinitivo.
Para toda a malta perceber, tomemos por exemplo o verbo andar. O infinitivo impessoal não tem sujeito próprio e é o nome do verbo: andar. Quando tem sujeito próprio o infinitivo pode flexionar-se, isto é, variar consoante o sujeito: andar, andares, andar, andarmos, andardes, andarem.
Quanto à questão de se saber quando é que o infinitivo deve ou não ser flexionado, vale a pena citar a "conclusão" constante da gramática de referência do Campeonato ("Nova Gramática do Português Contemporâneo", de Celso Cunha e Lindley Cintra, página 487 da 17.ª edição):
«Como vemos, «a escolha da forma infinitiva depende de cogitarmos somente da acção ou do intuito ou necessidade de pormos em evidência o agente da acção» (Said Ali). No primeiro caso, preferiremos o INFINITIVO NÃO FLEXIONADO; no segundo, o FLEXIONADO.
Trata-se, pois, de um emprego selectivo, mais do terreno da estilística do que, propriamente, da gramática.»
Este reparo deveria pôr de sobreaviso quem elaborou os testes, pois são frequentes os casos em que são admissíveis tanto a forma flexionada como a não flexionada.
Evitar-se-iam contradições como a que acontece em relação ao 1.º texto do 2.º teste. Transcrevamos a parte do texto em questão (antes da correcção dos vocábulos aqui em análise):
«Consideravam discutível não merecerem castigo pelos crimes do passado, uma vez que estavam arrependidos. De qualquer forma, mesmo que fossem punidos, estavam decididos a nunca mais pervaricarem.»
Foi esta a correcção feita pela Comissão Técnico-Científica do Campeonato (CTC):
«Não merecer castigo em vez de não merecerem castigo. Porque o sujeito da oração infinitiva é o mesmo de «consideravam discutível», isto é, «eles». Quando assim acontece, o infinitivo é impessoal.
Prevaricarem em vez de pervaricarem.(do latim praevaricar), infringir uma norma estabelecida.»
Quer dizer, o merecerem passa a merecer, mas o prevaricarem não passa a prevaricar! Mas o que é facto, é que também neste segundo caso o sujeito da oração infinitiva é o mesmo de «estavam decididos», isto é, «eles», e aqui a CTC manteve o infinitivo flexionado, apenas emendando o erro de morfologia.
Fica bem evidente a contradição entre estas correcções. É capaz de haver duas facções na CTC. A primeira coloca mais a ênfase na acção e escolhe merecer em vez de merecerem; a segunda põe em evidência o agente da acção e escolhe prevaricarem em vez de prevaricar.

Esta questão, apesar de ter sido levantada no dia 16 deste mês, infelizmente ainda não mereceu resposta por parte da CTC.

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 2

Numa leitura não exaustiva do Regulamento do Campeonato Nacional da Língua Portuguesa encontrei os seguintes dislates:
«1. A correcção das provas que constituem o Campeonato Nacional da Língua Portuguesa serão divulgadas neste sítio web e far-se-á sobre o controlo da comissão Técnico Cientifica do Júri Nacional» (Art.º 10.º).Este período registava dois gravíssimos erros:Na primeira oração, falta de concordância entre o sujeito ("a correcção") e o predicado ("serão divulgadas"); por outro lado, em vez da preposição "sobre" deveria estar "sob". Além disso, Técnico-Científica escreve-se assim, com hífen. E não dava para entender por que razão a palavra "comissão" estava escrita com minúscula quando todos os outros vocábulos da expressão levavam maiúscula.
Também no art.º 9 (« 3. Para efeitos de aceitação dos testes qualificativos dos concorrentes apenas serão admitidos os testes distribuídos com o Expresso e o Jornal de Letras, não se aceitando quaisquer cópias ou fotocópias dos mesmos ou os testes disponibilizados neste sítio web, após registo.») a expressão "não se aceitando quaisquer cópias ou fotocópias dos mesmos" deveria estar entre parêntesis ou, no mínimo, entre vírgulas. Como está, parece que não se aceitam "os testes disponibilizados neste sítio web, após registo".

Alertados por carta que lhes enviei, eles lá emendaram os principais erros do art.º 10, tendo, no entanto, mantido Científica sem acento no i. No art.º 9.º nem tocaram.
Tal é o cuidado que os organizadores põem no uso da língua portuguesa.

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 1

Proponho-me escrever alguns posts acerca da minha participação no Campeonato Nacional da Língua Portuguesa.
Poderá interessar a quem, como eu, goste da língua portuguesa.
O primeiro teste passou-se sem problemas.
Quanto ao segundo já não posso dizer o mesmo.
Começo por fazer alguns reparos a propósito dos dois textos desse teste. São textos que vêm propositadamente com erros que os concorrentes devem corrigir.
O primeiro texto é sobre três salteadores. Diz, na sua parte final (versão com as correcções do júri):
«Consideravam discutível não merecer castigo pelos crimes do passado, uma vez que estavam arrependidos. De qualquer forma, mesmo que fossem punidos, estavam decididos a nunca mais prevaricarem.»
Faz algum sentido que os salteadores achem que merecem castigo por causa de estarem arrependidos? Aquele "não" subverte toda a lógica do discurso; o natural era que os salteadores considerassem discutível merecer castigo, já que "estavam arrependidos" e "decididos a nunca mais prevaricar", "mesmo que fossem punidos". Só faria sentido usar o tal "não", se na última oração estivesse "apesar de estarem arrependidos". O arrependimento poderá ser motivo de perdão ou redução de pena; nunca do contrário.
Mas isto não fica por aqui. Atentem neste naco do segundo texto:
«Era um homem de um vigor titânico e as pessoas ainda hoje vêem nele um verdadeiro rei da força.
Desde há anos que todos lembram a sua intenção de não aumentar os salários para incentivar o investimento empresarial. Antes de o conseguir, morreu, há um mês, de uma insurreição popular dirigida por anarco-sindicalistas.»
Esse fantástico "homem de valor titânico" só por ter morrido em vésperas de o conseguir, não cometeu a proeza de "não aumentar os salários para incentivar o investimento industrial". Se não tem morrido lá teria ele, com certeza, não aumentado os salários.
No mesmo texto há a seguinte passagem completamente desprovida de lógica:
«No cumprimento dos deveres do novo mandato, o herdeiro foi ratificado pelo fórum, pois que os seus membros, mesmo com dúvidas, não queriam originar um precedente eleitoral, e decretaram a dispensa de provas. O recém-eleito é que não achou graça, entendendo que estavam a discriminá-lo.»
Primeiro, havendo ratificação pelo fórum, só depois desta o "herdeiro" encetará o "cumprimento dos deveres do novo mandato"; antes não estará ainda mandatado.
Segundo, diz o texto que "o escolhido era quase perfeito"; mesmo assim os membros do fórum tinham "dúvidas" e só "decretaram a dispensa de provas" por não quererem "originar um precedente eleitoral".
Terceiro, como é que o recém-eleito poderia entender que o estavam a discriminar se os membros do fórum até "decretaram a dispensa de provas", atitude que, além de ser a habitual (a exigência de provas teria sido "um precedente eleitoral"), facilitava a sua escolha?

Num Campeonato sobre a Língua Portuguesa, valia a pena porem uns textos que não fossem tão inacreditavelmente mal escritos.