Mimi Smith, “Bang Bang” (1990)
Boa tarde.
- Para a Buraca, sff.
Depois ajuda-me, que eu ando há pouco tempo com o táxi e não conheço bem aquela zona.
- Não há problema, eu indico.
Mas, a Buraca é fora de Lisboa, não é?
- Sim, era um bairro que pertencia a Oeiras, no tempo da ditadura. Depois do 25 de Abril, passou a fazer parte do concelho da Amadora.
O senhor falou aí em ditadura, mas esta democracia já existia antes do 25 de Abril.
- Nunca dei por isso, ainda que não vivesse cá na altura. De qualquer forma, a guerra colonial continuava e essa foi, de resto, a razão principal para o derrube do regime.
Qualquer pessoa que perceba alguma coisa de política, sabe que o Marcelo Caetano queria fazer de Portugal uma democracia avançada, como na Suíça, sem parlamento e com referendos. Só que não o deixaram.
- Pois não, os "ultras" do regime queriam continuar com a guerra. Ainda durou 5 anos (a guerra e o regime). Só que os "ultra", acabariam derrotados pelos oficiais do MFA, que queriam acabar com a guerra colonial. Por isso, fizeram o 25 de Abril.
Isso das colónias, foi uma grande "tanga". Saíram de lá os portugueses e quem é que lá ficou? Eu não andei na guerra nessa altura, mas conheço bem aqueles países. Na Guiné, em Angola, traficam drogas e diamantes e ninguém controla. Pediam-nos para fazer escoltas e levar uns certos sujeitos ao aeroporto. Claro que eu não controlava nada. Sabia eu bem o que ia naquelas malas...
- Sim, a Guiné é um "estado falhado", infelizmente.
Só a Guiné? E Angola e Moçambique? Eu treinei batalhões da ONU e oferecemos os nossos préstimos a Moçambique, para combater em Cabo Delgado. O governo moçambicano não aceitou. Não confiavam nos portugueses, pois diziam que eram racistas e só lá iam para roubar diamantes. Sabe quem é que lá está agora? O Grupo Wagner.
- Não sabia, mas sabia dos atentados do Daesh em Cabo Delgado. Nunca percebi porque é que não aceitaram o apoio dos portugueses.
Nós somos considerados dos melhores soldados do Mundo em luta de guerrilha. Foi assim na Bósnia, no Kosovo e no Afeganistão. Eu estive lá e as populações gostavam de nós. Entrávamos nas povoações e fazíamos amigos em ambos os sectores. Criávamos um círculo onde protegíamos as populações de ataques exteriores e íamos alargando o círculo à medida que entravam mais pessoas. Funcionava sempre a até fomos condecorados por isso. Nunca perdemos um homem, à excepção do Afeganistão, onde perdemos dois.
- Sim, os soldados portugueses, que incorporaram as forças da ONU, têm sido sempre elogiados.
Claro. E perdemos 2 soldados, porque o major responsável pelas tropas no Afeganistão era um homem de secretaria e não tinha prática do terreno. Eu próprio fui dado como morto! Calcule o senhor, a minha mulher e a minha sogra estavam a ver televisão e, antes mesmo de falarem comigo, já anunciavam no telejornal que havia dois soldados portugueses mortos. A minha sogra, até desmaiou!
- Imagino...
Isto é uma coisa que nunca mais esquecerei. Quando elas telefonaram e me contaram o que aconteceu, fui ao quartel pedir explicações. Ia tão desesperado, que se encontrasse o tal major, dava-lhe um tiro! Estas coisas nunca se esquecem...
- Sempre é melhor estar na vida civil.
Não sei. Anda tudo com medo de usar armas. Mas ter armas não quer dizer que tenhamos de usá-las.
- É verdade, mas na América, morreram ontem 18 pessoas e ficaram feridas 60... Nos EUA, as armas podem ser compradas por qualquer adolescente.
Também na Noruega e no Canadá, os pais ensinam os filhos a atirar aos veados, porque dizem que isso faz deles homens. Na América, não se entende: os miúdos podem guiar aos 16 e são maiores de idade aos 18. Mas, podem treinar tiro aos 10, desde que acompanhados pelos pais.
- Como explica isso?
Como explico? Porque os americanos são estúpidos. Comportam-se como nos filmes. Não vê aquelas séries americanas? Os polícias, assim que detêm uma pessoa suspeita, começam logo a disparar. Eu falava com americanos no Afeganistão e dizia-lhes:" então vocês disparam primeiro, sem saber se as pessoas são inocentes? Tem que se presumir que são inocentes e só depois actuar". Respondiam-me que, às vezes, os detidos tinham movimentos suspeitos e era preciso neutralizá-los. Eu também tenho aqui armas no carro e nunca as utilizo.
- Já percebi. Bem, chegámos. Boa noite.