2016/09/20

O país da classe mérdia


Desde o passado fim-de-semana, que a "nação" discute acaloradamente uma intervenção da deputada Mariana Mortágua, sobre a tributação de património, cujo valor ultrapasse a média dos valores considerados para efeitos de IMI. De acordo com Mortágua, que falou em nome do seu partido, o património acima de meio-milhão de euros (por exemplo, uma casa ou uma propriedade),  deveria pagar uma sobre-taxa, como forma de obter uma receita contributiva que permita uma maior equidade na distribuição da riqueza. Nas palavras da deputada do Bloco, o governo "não devia ter vergonha de ir buscar dinheiro a quem acumula dinheiro" ou, por outras palavras, "devia ter a coragem de taxar mais os mais ricos, que são aqueles que podem pagar mais".
Trata-se de uma proposta do BE, pois nem Mortágua faz parte do governo, nem o governo apresentou o Orçamento de Estado para 2017, o que só deve acontecer lá para meados de Outubro.
Entretanto, as reacções (de direita) não se fizeram esperar. Argumentam que uma taxa suplementar irá afastar o investimento no imobiliário, prejudicando a classe média (o extrato social que mais casas compra) e que o Bloco passou a ditar a agenda política do PS...
É sempre comovente ouvirmos as queixas dos (supostos) defensores de uma classe média, que pode pagar uma casa no valor de meio-milhão de euros, quando sabemos que o ordenado médio nacional ronda os 850euros mensais e a maior parte dos portugueses proprietários, tem uma hipoteca bancária cuja duração média é de 20 anos e mais...
Independentemente da justiça da medida, esta nem sequer é novidade, pois o anterior governo (PSD/CDS) tinha proposto uma fasquia de um milhão para a taxa sobre património o que, nas palavras do PCP, poderia ser uma boa base para começar a discussão.
Temos, assim,  uma proposta, que ainda não foi discutida (e muito menos "fechada") e uma reacção desproporcionada da oposição que vê, em todas as medidas de correção fiscal, um "assalto" aos mais ricos.
Curiosamente, foi hoje tornado público, o estudo "Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal", da responsabilidade do economista Carlos Farinha Rodrigues, patrocinado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que compreende os anos entre 2009-2014.
O estudo revela que foram os mais pobres os mais afectados pelas políticas económicas seguidas durante a crise económica. Nesse período, um terço dos portugueses encontrou-se em situação de pobreza pelo menos durante um ano. Dos 32,6% dos portugueses que entraram numa situação de pobreza, 12,6% mantiveram-se assim durante um ano, enquanto 8,2% aí permaneceram durante todo o período considerado. "Entre os indivíduos que eram pobres em 2012, 24,5% encontrava-se pela primeira vez nessa situação, o que confirma de algum modo a teoria de que a presente crise empurrou para situações de pobreza indivíduos e famílias que antes pareciam estar imunes a esta situação".    
Feitas as contas, o número de portugueses pobres aumentou, entre 2009 e 2014, para 2,02 milhões de pessoas (20% da população), ou seja mais 116 mil pessoas do que em 2009. Em 2014, 8% de todos os trabalhadores, por conta de outrem, viviam abaixo do limiar de pobreza (422euros). Os grupos mais atingidos foram os mais jovens, os licenciados e os mais pobres entre os mais pobres. Entre os que têm o ensino superior, a perda de rendimento foi de 20%, enquanto a redução de quem tem o 6º ano ou menos foi de 13%. Os 10% mais pobres perderam 25% do seu rendimento, ao passo que os 10% mais ricos perderam 13%.  No conjunto, entre 2009 e 2014, os rendimentos dos portugueses tiveram uma quebra de 12% (116euros por mês). Os trabalhadores que entraram em 2012 viram a sua remuneração baixar 11% em relação aos que sairam em 2011. Em 2009 um em cada cinco trabalhadores  por conta de outrem recebia por menos de 700 euros, em 2014 já era quase um cada três (http://www.portugaldesigual.ffms.pt).
Pois bem: após 5 anos de perda constante de poder de compra e um empobrecimento generalizado da maior parte da população (devido ao plano de austeridade preconizado pela Troika e executado com todo o zelo pela coligação de direita PSD/CDS), os responsáveis por este descalabro social e moral, querem continuar com a "receita", taxando os rendimentos e poupando os detentores de património. Mais, acusam a deputada do BE (e por extensão, o governo) de querer taxar a classe-média (!?) a mais "sacrificada" da sociedade portuguesa. Como se a "classe média" pudesse pagar uma moradia de 500.000euros, valor que um trabalhador (com um ordenado médio de 850euros) nunca poupará em toda a sua vida activa!
Haja pachorra para tanta cretinice.