2009/08/28

De uma lado chove, do outro troveja

Depois de um período de expectativa cuidadosamente montado, o programa eleitoral do PSD foi ontem finalmente conhecido. Seguiu-se-lhe uma dissecação, quase até à exaustão, por parte de analistas e responsáveis políticos. Faltou-lhes a todos referir um pormenor: não se trata um programa eleitoral, mas de um produto de simples marketing político.
De forma simplificada pode-se dizer que à posição, por parte do governo PS, de eleger o investimento público como motor da recuperação, o PSD propõe que esse papel seja assumido pela iniciativa privada. É isto em termos simples. Estamos perante uma manobra que visa criar no eleitorado a ideia de que o PSD tem uma "alternativa" à política do PS. Com isto o PSD aparece como um partido diferente do PS e aparece... com uma alternativa!
Ora, em primeiro lugar, PS e PSD são face de uma mesma moeda. Má moeda, para usar uma expressão cara ao PR, o joker deste jogo. Podem ser alternativa um ao outro, mas não são alternativa relativamente ao que verdadeiramente importa à Nação. Talvez por serem faces da mesma moeda se fale de forma tão despudorada de "bloco central"...
Em segundo lugar, a "alternativa" do investimento privado só nos pode dar vontade de rir. Nem os privados estão em posição de cumprir o papel de que o estado actual da economia carece, nem a sua folha de serviços nos revela nada de bom. O que se trama no silêncio dos gabinetes dos privados tresanda a sinistro. Os portugueses não podem esperar nada do sector privado.
Em suma, não poderíamos esperar nada de bom debaixo do primado da iniciativa privada.
O mesmo, porém, se pode dizer infelizmente da "alternativa" contrária. Da iniciativa pública também nada podemos esperar de bom. Os programas são medíocres e os executantes são pateticamente maus. O oportunismo e a corrupção são males maiores para a erradicação dos quais não vemos nem vontade, nem mecanismos adequados. Do poder público só podemos esperar o pior. O que se trama nos gabinetes públicos a sinistro tresanda. Os portugueses não podem esperar nada do sector público.
De resto, uma solução séria para os problemas do país neste momento tem de incluir um pouco de tudo. Apresentar programas ao eleitorado na base do "either, or" é uma completa mistificação só compreensível no contexto da mesquinha luta partidária que se trava em Portugal. Ninguém minimamente sério pode dizer que a solução passa exclusivamente pelo investimento público ou pelo privado. Qualquer proposta deste tipo (e é nessa lógica que tanto o PS como o PSD embarcaram!) é um insulto à inteligência de todos nós.
Neste contexto, a "luta" entre PSD e PS só nos pode causar uma de duas reacções: nojo ou vontade de rir.
Resta-nos a possibilidade de fortalecer significativamente os partidos de fora da área do poder e forçar a criação de outras alternativas para a governação do país que os incluam forçosamente, mas isso será objecto de futuras reflexões quando for possível.

2009/08/27

O Homem do Golf

Exactamente, de hoje a um mês, haverá eleições. A acreditar nas pitonisas que, diariamente, povoam os principais orgãos informativos e cuja única notícia parece ser manter a "silly season" actual, o país corre o risco de ficar "ingovernável" a 27 de Setembro. Este prognóstico é baseado em projecções que mostram os principais partidos do poder em queda, enquanto os partidos à sua esquerda mantêm um crescimento sustentado. Se as sondagens não falharem desta vez, teremos o PS e o PSD com votações bem abaixo dos 40% e o PCP e o BE com votações à volta dos 10%, o que inviabilizará qualquer governo de maioria absoluta. A alternativa, poderá ser um governo minoritário que, dificilmente, tem hipóteses de chegar ao fim da legislatura. Que fazer, pois, perante tal "catástrofe"?
A solução vem hoje escarrapachada no semanário "I", pela boca de João de Deus Pinheiro: "tem de se fazer uma coligação um bocadinho como fazem os holandeses. Os holandeses demoram normalmente um mês a fazer um governo de coligação. Porque negoceiam as medidas mais contenciosas. Em Portugal temos pouco essa tradição".
É verdade. Eu próprio vivi trinta anos na Holanda e não me lembro de ter visto um governo maioritário de um só partido. Mais, as coligações demoram longos meses a constituir-se. Um verdadeiro ritual que passa pelo convite da rainha a um "informador" para convidar o partido mais votado e conseguir consensos. Quando se atinge esta fase, o informador retira-se e entra em cena um "formador" que reune os partidos (podem ser dois, três ou mais) os quais discutem exaustivamente todos os pontos de um programa comum. Quando chegam a acordo, o "formador" volta à rainha com a proposta e esta nomeia o governo na base de um programa consensual. Por exemplo, actualmente, a coligação governamental holandesa é composta pelo partido cristão-democrata (CDA) pelo partido trabalhista (PvDA) e por uma pequeno partido cristão-reformador (PR). É possível, sim, mas é bom perceber que estamos a falar de um país de longa tradição democrática, com mais de um século de parlamentarismo e onde a monarquia tem um função institucional simbólica. Um país, onde a ética não é uma palavra vã e a política não é atravessada pela promiscuidade entre a política e outros poderes, como em Portugal.
O que Deus Pinheiro propõe mais não é do que a reedição do famigerado "bloco central" ao qual ele próprio pertenceu. Percebe-se, o homem já não está em idade de chatisses e nada melhor para o "sistema" do que manter os interesses em família, neste caso as "familias" do PS e do PSD que governam e se governam há mais de trinta anos em alternância. Bem diferente do modelo holandês, como se percebe, pois na Holanda não são sempre os mesmos partidos a formar governo. Um homem distraído, o Pinheiro. Se bem me lembro, não é a primeira vez. Ficou famosa a sua "gaffe", no dia em que rebentou a 1ª guerra do Golfo e ele foi o único comissário europeu a faltar à reunião de emergência em Bruxelas, por estar a jogar "golf". O incidente valeu-lhe um fabuloso "cartoon" na imprensa internacional, onde se via um funcionário entrar no "green" para alertá-lo da guerra em curso: "Golf War! Golf War!", gritava o rapaz. Ao que Pinheiro, impassível enquanto dava uma tacada, perguntava, "Golf, what golf?".