2017/11/16

Diz-me como comunicas, dir-te-ei...


A CP disponibliza um serviço crucial para o país. Mais: se o caminho de ferro tivesse sido, desde sempre, a opção número UM em matéria de transportes, estaríamos hoje, certamente, muito melhor no que respeita à factura dos combustíveis, aos índices de poluição, à sinistralidade rodoviária, etc., etc.. Digo eu...
Apesar das gritantes deficiências no que à oferta diz respeito, hei-de sempre preferir o comboio para as minhas deslocações no país.
Não se percebe, pois, não sendo o caminho de ferro uma solução privilegiada para a  política de transporte do País e sendo tão limitada a oferta actual, que o que existe não seja de primeiríssima qualidade.
Explico: se tivéssemos milhares de comboios a circular diariamente, uma oferta massiva a toda a hora, mais horários, mais movimento e mais linhas, poderia compreender algumas falhas de qualidade, atrasos, etc.. Sendo a oferta tão limitada, dificilmente encontro explicação para que não tenhamos um serviço de luxo, dentro deste leque magrinho de opções  que é o nosso. Pelo menos isso: pouco, mas então (muito) bom.
Uma das áreas em que a CP falha de forma lamentável é no modo como comunica com o público. Se os maquinistas, por exemplo, conduzissem o comboio com o mesmo profissionalismo com que nos comunicam o nome da próxima estação ou o cuidado que temos de ter com a distância entre o comboio e a plataforma, nunca chegávamos ao destino. Não têm de ter treino de locutores profissionais, mas têm de haver um mínimo (mínimo!) de critério nisto da comunicação com os utentes.
Mas há pior!
Nos altifalantes da estação de Aveiro, ouvia eu, há poucos minutos, a informação sobre um determinado comboio regional. que estaria a circular com não sei quantos minutos de atraso. "Pedimos a VOSSA compreensão", dizia a voz do robot, "para OS INCÓMODOS CAUSADOS"...
Imagino que os passageiros afectados pelo atraso compreendam, sem qualquer dificuldade, os incómodos que o atraso lhes provocou. Já me custa, a mim, compreender por que razão a CP não pede na sua mensagem, claramente, desculpa, como é seu dever, pelo incómodo por eles causado, e que sugira, desta forma enviesada, aos passageiros afectados, que tentem compreender, eles, a natureza do seu próprio incómodo.
Não existe um serviço de relações públicas que ponha ordem nisto, escrevendo guiões claros e correctos, que possam ser simplesmente lidos pelas seus funcionários e cumpram, sem ambiguidades os deveres da empresa? Seria muito complicado ter um redator competente, a escrever, em Português de lei, as mensagens que têm de transmitir aos seus utentes? Não seria oportuno aproveitar para regravar estas sacudidelas da água do capote e dar uma imagem séria da empresa?
É uma sugestão que aqui fica. Grátis.

PS- veja-se este caso, contrastante, passado no Japão, de um comboio que saiu 20s antes da hora marcada...

2017/11/13

Panteão




Razão, teve o "conde", ao recusar polidamente o convite de Paddy. Enviou-lhe um bilhetinho com a frase (hoje, imortal): "I never drink...wine". Respeitosamente, Dracula.

2017/11/11

Postais da Holanda (2)


Na curta estadia que nos levou à Holanda, e aproveitando uma ida à cidade de Haia, revisitámos um dos nossos museus favoritos naquele país, a Mauritshuis, situada na Plein 29, uma fervilhante praça pejada de esplanadas, mesmo junto ao Parlamento holandês.  
A Mauritshuis é, de há muito, um dos mais famosos museus de arte na Holanda. O Museu alberga o Gabinete Real de Pintura, constituido por 841 objectos, sendo a maior parte pinturas da Idade de Ouro da pintura holandesa.
As colecções contêm trabalhos de Johannes Vermeer, Rembrandt van Rijn, Jan Steen, Paulus Potter, Frans Halls, Jacob van Ruysdael, Hans Holbein, para além de muitos outros.
Originalmente, o edifício foi a residência do Conde John Maurice de Nassau. Actualmente é propriedade do governo da Holanda e está incluído nos 100 lugares de Herança Histórica Holandesa. Em 1822, a Mauritshuis abriu ao público para alojar o Gabinete Real de Pintura e o Gabinete Real de Raridades. Em 1875, o Museu tornar-se-ia disponível para pintura, tendo sido privatizado em 1995. Em 2007, o Museu anunciou o seu desejo de expandir e, em 2010, foi apresentado o "design" definitivo para as futuras instalações. A renovação iniciou-se em 2012, o que obrigou a um encerramento temporário do Museu, tendo ficado concluida em 2014. Durante a renovação, mais de 100 pinturas foram temporariamente transportadas para o GemeenteMuseum da cidade. Cerca de 50 outras pinturas, incluindo a famosa "Rapariga com o Brinco de Pérola" de Vermeer (provavelmente, a mais famosa peça do Museu), foram emprestadas para os Estados Unidos e Japão, onde estiveram expostas.
O Museu seria reaberto em 27 de Junho de 2014, ocupando agora uma área que quase duplica a original e que liga dois edifícios, através de uma galeria subterrânea, onde estão instaladas as bilheteira, vestiário, loja do Museu e outros apoios. Um elevador transparente liga os diversos andares, que podem ser visitados aleatoriamente, dado que estão ligados por uma escadaria central que atravessa todo o edifício. Graças ao mecenato, o Museu adquiriu recentemente 10 novas peças representativas do período clássico e contemporâneo, entre os quais devem ser destacados quadros de Rembrandt, Karel Appel e uma escultura de Picasso. Muitos destes quadros pertenciam a particulares e organismos vários que o estado holandês, numa meritória iniciativa,  adquiriu para enriquecer a colecção do Museu.
É difícil destacar as obras que mais admiramos e que sempre nos surpreendem a cada visita. Que mais pode ser dito sobre obras como "A lição de anatomia do Dr. Nicolaas Tulp" (Rembrandt), "Vista de Delft" (J. Vermeer), "The Young Bull" (Paulus Potter) "Laughing Boy" (Frans Halls) "Self-Portrait" (Rembrandt), "Night Scene" (Rubens) ou a "Rapariga do Brinco de Pérola" (Vermeer), para citar alguns dos mais famosos?
Uma revelação permanente, a Mauritshuis, na melhor tradição holandesa de museus e de pintura, ao qual regressamos sempre, com redobrado prazer.       

2017/11/07

Postais da Holanda (1)

Maria Esmeralda Mendes (1943-2009) era portuguesa e viveu na Holanda, para onde se exilou em 1971. Enfermeira de profissão, foi detida pela PIDE, após ter participado numa greve da classe, no hospital onde trabalhava. Devido às ameaças recebidas, decidiu sair do país, primeiro para Paris e, posteriormente, para Amsterdão, onde acabaria por radicar-se durante 38 anos. 
Durante a permanência na capital holandesa, a sua actividade inicial dividiu-se entre a enfermagem, que exerceu nos primeiros anos de residência e uma activa participação junto da comunidade de portugueses exilados, ao tempo organizados no Comité de Refugiados Portugueses na Holanda.
Após um acidente de trânsito, que a obriga a ficar em casa sem ocupação, redescobre uma antiga paixão pelo desenho e pela pintura, desenvolvida na Escola António Arroio, que chegou a frequentar.
Segue-se um período de grande produção, onde a par da pintura (naíve), desenha e escreve para publicações locais e para Portugal. A sua primeira exposição, tem lugar em 1983, por iniciativa de Vitor da Silva Tavares, editor da & Etc., que publicou igualmente o seu primeiro livro "Rigor Mortis".
Os anos oitenta, são os mais produtivos da sua curta, mas intensa carreira, com inúmeras exposições em galerias e museus na Holanda, Bélgica e Portugal, onde o seu trabalho começa a tornar-se reconhecido. É convidada a ilustrar diversas publicações holandesas e são dela todas as capas de uma série, dedicada a autores portugueses, da editora De Prom. Na mesma época, a prestigiada revista literária holandesa "Maatstaf", dedica-lhe um portofólio, onde sobressai um elogioso texto do escritor, radicado na Holanda, Rentes de Carvalho.
Estamos no início da década de noventa e as suas pinturas (maioritariamente sobre mulheres) tornam-se icónicas e são disputadas por coleccionadores dentro e fora do pais. De novo, a doença, impede o desenvolvimento natural da sua carreira, o que a obriga a reduzir a actividade, assim como o ritmo das exposições. Alarga o campo de interesses e criatividade a outras áreas, como a gravura e a escultura, que desenvolve, a par da pintura, do desenho e da escrita.
Os seus últimos anos, são parcialmente passados em Caminha (Alto Minho), onde se refugia por períodos cada vez mais longos. As suas pinturas reflectem, agora, temas ligados à natureza que a rodeia, iniciando uma nova fase na sua profícua actividade, sem que o traço e a cor percam a força e a coerência. É entrevistada por Maria António Fiadeiro para o JL, que com ela realiza um documentário televisivo e colabora com a escritora Luísa da Costa, para quem ilustra o livro "Os Magos".
Na área do teatro, colabora na feitura dos cenários da peça "Ensaio Geral" (Horovitz) levada à cena pela Companhia do Chiado, em finais dos anos noventa.
Todas estas informações e muitas outras, foram este ano publicadas em livro por Dirk Baartse, seu companheiro ao longo de 38 anos, autor do texto e da composição gráfica de "Maria Mendes, uma biografia", em edição bi-lingue, cuja tradução portuguesa esteve a cargo de Rui Mota.
O livro foi, recentemente, apresentado na Biblioteca do Complexo De Hallen, em Amsterdão, perante uma assistência maioritariamente composta por amigos holandeses e portugueses da pintora. A organização esteve mais uma vez a cargo da agência Q-Arts (Teresa Pinto) e contou igualmente com a presença do prof. Fernando Venâncio, que faria uma comunicação sobre "Autores e rivalidades na literatura portuguesa, ao longo da História", para além da projecção do filme "Sonhar não custa dinheiro", um docu-drama sobre mulheres portuguesas (e.o. Maria Mendes) na Holanda.
Uma sessão evocativa, que justificou a viagem a um passado recente, numa cidade onde tivemos o privilégio de conhecer e conviver com a homenageada. A memória, também se faz destas coisas.

 
 

2017/11/05

Dias Maus


De acordo com o advogado de defesa de um dos "seguranças" da discoteca "Urban Beach" (o nome é todo um programa), o seu cliente teve um "dia mau", o que explicará os pontapés que deu na cabeça do jovem atingido por três defensores da "ordem e tranquilidade" na praia urbana. De resto, e ainda segundo o mesmo advogado, trata-se de equimoses "sem grande importância": um olho negro, um lábio rachado, um dente partido, uma perna esfacelada, dores no corpo, três semanas de recuperação médica, tudo coisas fáceis de "sarar", como se depreende... 
O que é isto, comparado com as agressões sofridas por dois jovens em Coimbra, barbaramente espancados perante testemunhas e provas irrefutáveis, gravadas em vídeo, como aliás já tinham sido testemunhadas e gravadas as agressões da mais famosa "praia portuguesa"?  Certamente, um "dia mau" dos agressores, que continuam a monte, apesar da gravidade do acto (passível de uma pena por tentativa de homicídio até 25 anos) como foi sublinhado por todos especialistas ouvidos neste caso.
O mesmo, ainda que com outros contornos, se passou com aquela mulher que teve o azar de ser raptada pelo seu ex-companheiro e ser igualmente espancada pelo ex-marido, num caso de extrema violência doméstica, que um acordão anedótico equiparou a "punição bíblica".
Dias maus.
Imaginemos que todos nós - que temos maus dias - saíamos à rua e desatávamos aos pontapés nos primeiros cidadãos que encontramos para, dessa forma, libertarmos a frustração pelos dias menos bons, que a nossa pacata vida encerra?
Nem quero imaginar.
Pior do que tudo isto, em si já extremamente preocupante, é saber que estamos dependentes de agentes da justiça (advogados, magistrados, polícias...) que continuam a interpretar a lei e a sua aplicação de forma a garantir o máximo de protecção para os (confessados) agressores e o mínimo de garantias para o comum dos cidadãos.
Não por acaso, a violência gratuita (doméstica e no espaço público) tem vindo a aumentar na sociedade portuguesa, como se depreende dos inúmeros relatórios e provas (filmes) com que somos confrontados diariamente nas redes sociais. Certamente, uma consequência da proliferação dos "smartphones", que permitem em tempo real divulgar muita da violência que campeia nas escolas e não só.
O que todos estes casos parecem revelar, é a existência de um caldo cultural que, a banalizar-se, pode tornar-se um "modo de vida" (a banalidade do mal), cujas consequências são de todo imprevisíveis. Uma coisa é certa: onde falham as instituições (o estado) cresce a criminalidade. É dos livros.
Não faz sentido que um estabelecimento comercial (neste caso uma discoteca) tenha sido alvo de 38 queixas no último ano, por violência privada, a cargo de uma qualquer empresa de segurança (!?) que se comporta como um "estado dentro do estado", sem que nada tivesse acontecido.
Trinta e oito dias, são dias maus demais.  

2017/10/17

Quando ninguém é culpado, somos todos culpados...

Menos de quatro meses depois, daquela que já é considerada a maior tragédia do último século, o país viu-se, uma vez mais, confrontado com outra vaga de incêndios de proporções gigantescas. Quando escrevemos este texto, estavam contabilizados 41 vítimas mortais e mais de 70 feridos, entre os quais alguns em estado grave. Ou seja, em apenas dois dias de fogos florestais (17 de Junho e 15 de Outubro), morreram mais de 100 pessoas! Não estão aqui contabilizadas as perdas materiais (casas, alfaias, colheitas, animais) calculadas em qualquer coisa como 500 milhões de euros, para além da própria área florestal, da qual arderam 400.000 hectares, a maior área europeia este ano!
Uma catástrofe sem igual, que devia fazer pensar os gestores da coisa pública sobre as estratégias de prevenção e combate aos fogos, pensadas e aplicadas nas últimas décadas e que, ano após ano, continuam a falhar sistematicamente.
Algo está profundamente errado em tudo isto e não vale a pena lamentarmo-nos mais uma vez sobre esta calamidade, ou esperarmos por mais um relatório, para saber o que está mal e quais as origens do problema (são várias) ou os antídotos para solucionar (ainda que parcialmente) este problema.
O diagnóstico está feito e não são necessários mais pareceres e grupos de estudo para delinear uma estratégia nacional (a dez, vinte anos) que tenha a concordância dos sucessivos governos, pois se há causas nacionais, esta é uma delas.
Todos sabemos - e os técnicos repetiram-no esta semana -  que as causas profundas residem na desertificação do território (acelerado com a emigração e guerra colonial), na falta de ordenamento (de que toda a gente fala e ninguém quer saber), na falta de cadastro das florestas (não existe acima do Norte do Tejo) e no desaparecimento progressivo da agricultura de sobrevivência e do pastoreio (menos rebanhos, menos pastores), que foi trocada pela plantação desordenada de espécies exógenas (eucaliptos e pinheiro bravo) que ardem depressa e dão muito dinheiro a ganhar aos madeireiros e à industria de celulose. Acresce, que muitas autarquias não cumprem o obrigação da limpeza das matas e muitos habitantes, das zonas do interior, continuam a fazer queimadas, piqueniques e lançar foguetes em zonas proibidas, sem que alguém os proiba. Uma questão cultural, portanto.
Em Verões de extrema seca (como tem sido a maior parte, neste século) e com os pinhais sem vigilantes (acabaram com os guardas florestais e cantoneiros) não é para admirar que muitos fogos (90% são de origem humana) possam ser ateados, mesmo que sem dolo. Resta uma pequena percentagem (10%?) que comprovadamente foram actos de pirómanos e/ou terrorismo, a soldo de interesses vários (vinganças, económicos, políticos, etc.).
Ora, o que os fogos de domingo vieram demonstrar (mais de 500 ignições num só dia!) é que a prevenção falhou redondamente. Para além das causas naturais conhecidas (temperaturas excessivas para a época do ano, humidade relativa baixa e ventos ciclónicos) a verdade é que muitos dos dispositivos no terreno voltaram a claudicar na sua função mais importante: o aviso e a prevenção das populações. Falhou o famigerado SIRESP (mais de 500 milhões de custos), as famigeradas calhas onde passam as fibras ópticas que, supostamente, deviam estar enterradas para não derreter com o calor do fogo, a coordenação das equipas no terreno, os aviões e helicóperos em número insuficiente e "last but not least", o nível "Charlie" (alerta vermelho) que foi desactivado no dia 30 de Setembro, por ser considerado o último dia da "época de fogos" (!?).
É, por isso, incompreensível que, perante tanta inépcia e incompetência, o governo se limite agora a lamentar as mortes ocorridas e que use uma esfarrapada desculpa de um relatório, para não tomar, em tempo, medidas práticas de curto prazo.
Não, os fogos não podem ser todos controlados e não se pedem "milagres" aos governantes. Mas, pede-se, isso sim, a assumpção de responsabilidades que, neste caso, ninguém parece querer assumir. Uma melhor prevenção, não evita os fogos, mas limita a sua proliferação e diminui o risco implícito. Alguém tem de dar o "corpo às balas" e assumir responsabilidades por esta vergonha nacional. Quanto mais não seja, porque nem todos têm a mesma responsabilidade. Ora, como sabemos, quando ninguém é culpado, somos todos culpados. Já chega!   

2017/10/11

Indian Summer

Sobre a expressão "Verão Índio" reza a lenda que, as tribos norte-americanas, acreditavam que o sangue dos ursos mortos, depois de encharcar a terra, alimentava as raízes das árvores, cujas folhas se tornavam vermelhas nesta época do ano. Será esta a razão, pela qual as florestas ganham novas cores, quando se aproxima o fim de Setembro... Nunca saberemos se assim é, até porque os ursos rareiam, mas a imagem é bonita e não custa nada a acreditar.
Neste Verão prolongado, em que se transformou o Outono português, continuam os incêndios e as vítimas por afogamento, uma vez que os organismos, que deviam zelar pela segurança dos cidadãos, partem do princípio que as respectivas épocas (dos fogos e a balnear) terminaram no dia 21 de Setembro. Vá lá convencê-los do contrário...
Para já, o Outono promete ser quente, não só pelas condições climatéricas adversas, como pelos factos políticos que se adivinham.
1) O primeiro facto, decorre dos recentes resultados eleitorais, e tem a ver com a remodelação à  direita, que promete ser "animada". Depois da copiosa derrota de Passos Coelho, pouco mais restava ao ex-primeiro ministro (e ainda actual líder do PSD) do que retirar-se, enquanto espera por uma sinecura numa qualquer administração privada. Entretanto, no partido, começou a "contagem das espingardas", perfilando-se dois candidatos para o lugar: Rui Rio, ex-autarca do Porto e eterno candidato ao lugar de secretário-geral (associado a uma tendência mais social-democrata); e Pedro Santana Lopes, ex-autarca de Lisboa e ex-primeiro-ministro (associado a uma tendência mais liberal e populista). Teoricamente poderão aparecer mais candidatos, mas ninguém duvida que será entre estes dois representantes, do Partido fundado por Sá Carneiro, que irá disputar-se o lugar de secretário-geral. Quem ganhar, irá defrontar António Costa em 2019, ainda que ninguém acredite que o PSD-PPD possa voltar ao governo antes de 2023. Uma longa travessia do deserto, que poderá durar seis anos...
Já à esquerda, a quebra (inesperada) da CDU, em 10 das câmaras onde normalmente governava, veio pôr a nú uma divisão existente entre os apoiantes da "geringonça" e os seus adversários, que defendem um endurecimento das negociações e um regresso às greves, anunciadas em sectores vitais como a saúde, os transportes e a educação. Também nesta área, o Outono será certamente quente.
2) O segundo facto, prende-se com a situação na vizinha Espanha, onde o referendo catalão fez reacender demónios, que ciclicamente regressam, para lembrar que a dominação castelhana continua a não ser aceite por diversas regiões espanholas. Esta é uma situação recorrente, onde líderes nacionalistas e populistas, aproveitam para fortalecer as suas ambições pessoais. Estamos perante duas posições, aparentemente irrevogáveis, em que Puigdemont e Rajoy, deixaram de escutar-se e falam apenas para os seus seguidores. Um diálogo de surdos, durante o qual o rei espanhol, com o seu discurso inóquo e algo pífio, não contribuiu para uma solução mais duradoura e pacífica. O aparente recuo de Puigdemont, ao pronunciar a independência e a adiá-la na mesma sessão do Senado, só aparentemente foi uma derrota. Deu um passo atrás, que pode bem significar dois à frente, em futuro referendo e negociações. Para já, nada terminou e a independência da Catalunha continua na agenda.
3) Finalmente, a acusação do MP, hoje tornada conhecida, contra vinte e oito personalidades da nossa praça, entre os quais José Sócrates e Ricardo Salgado (os mais famosos) por crimes de corrupção activa e passiva, para além de lavagem de dinheiro e fuga ao fisco, num mega processo que se arrasta há 4 anos. Terminado o processo de instrução, segue-se agora uma nova fase, durante a qual os arguidos poderão requerer (ou não) a abertura do processo, após o que este seguirá para julgamento que se prevê longo e complexo. De acordo com os especialistas e dada a extensão deste caso (116 volumes com um total de 4000 páginas) e mais de 700 testemunhas arroladas, não será de esperar um julgamento na 1ª instância antes de finais de 2019, muito provavelmente só em 2020...    
Uma verdadeira "saga" que promete tornar-se uma novela, a acompanhar durante os próximos verões, com ou sem índios, desta vez. Os "ursos", como já adivinharam, serão os do costume...

2017/10/02

A noite das facas longas

Eleições: com seis freguesias por apurar (*) é possível concluir duas ou três coisas que se adivinhavam e que, hoje, são claras.
A primeira, diz respeito aos vencedores: desde logo o PS (159 câmaras conquistadas em 308, naquela que foi a maior vitória de sempre do partido) e Assunção Cristas (CDS) que, ao conquistar 4 dos lugares na câmara de Lisboa, não só ultrapassou o melhor resultado de Paulo Portas, como impediu uma maioria absoluta a Fernando Medina (PS).
A segunda, diz respeito aos vencidos: o PSD (98 câmaras conquistadas, naquele que foi o pior resultado do partido em eleições autárquicas) e a CDU que, ao perder 10 câmaras (algumas emblemáticas, como Almada, Barreiro e Beja), caíram para níveis impensáveis há poucos dias atrás.
A terceira, diz respeito aos partidos e movimentos sem grande expressão a nível autárquico: o BE, que elegeu um deputado em Lisboa, ainda que tenha falhado no Porto e em Salvaterra de Magos (duas apostas do partido) e diversos Movimentos de Cidadãos Independentes (17 lugares) que mantiveram a sua percentagem, numa tendência que pode vir a consolidar-se em futuros escrutínios.  
De assinalar, também, a alta abstenção (45%), ainda que as estatísticas nos digam que este ano houve menos 3% do que nas eleições anteriores.
Que concluir destes números?
Desde logo que o PS beneficiou dos bons indicadores do governo (levando por arrasto muita gente a votar "útil") enquanto que o PSD não soube capitalizar algum descontentamento e erros da governação (prevenção e vítimas de fogos, roubo de armamento em Tancos, etc.), apostando num discurso negativo e em candidatos perdedores, que não convenceram os seus eleitores.
Já Assunção Cristas, ao avançar em Lisboa quando os restantes candidatos ainda se encontravam no "bloco de partida", ganhou um "élan" que a sua candidata rival (Teresa Coelho) nunca conseguiria ultrapassar. Um erro de "casting", que poderá custar a "cabeça" a Passos Coelho, o principal culpado desta táctica suícida.
No PCP, as razões do debacle podem ser assacadas ao apoio do partido a este governo, o que dividiu os apoiantes entre "fundos" e "realos", numa contradição que se adivinha dificil de gerir no futuro. Que táctica escolherá Jerónimo de Sousa, a partir de agora? Continuação do apoio (ainda que condicionado) à "geringonça", ou confrontação directa com o governo, através de maiores exigências sindicais, procurando desse modo reconquistar na rua, o que perdeu nas urnas?
Para António Costa, reforçado a nível nacional com os melhores resultados em número de câmaras, freguesias e respectivas associações, o "caminho" nunca pareceu tão fácil. Poderá, agora, optar por continuar com a "geringonça", ou dissolvê-la, provocando uma "crise" que lhe permita antecipar eleições legislativas, com grandes probabilidades de ganhar a maioria absoluta, o que legitimaria o seu governo e dispensaria o apoio dos partidos à sua esquerda.
Uma última palavra para os dois candidatos "párias", que tiveram sorte diferente nas respectivas câmaras: desde logo Isaltino Morais, vencedor incontestado (Oeiras) que, em condições normais, nunca poderia ter-se apresentado a eleições; e André Ventura, um populista e racista "envergonhado" (Loures), que não foi além de um aumento pouco significativo de votos.
Em qualquer dos cenários, parece claro que, com os resultados de ontem, se encerrou um ciclo na política portuguesa. Um novo ciclo, começou hoje. Resta esperar pelas reacções nos principais partidos derrotados. Os "amoladores" de facas, têm um longo trabalho pela frente...

(*) números definitivos      

2017/10/01

Reflexões

Acabei de votar. Como habitualmente, na escola Alice Vieira, onde funciona a mesa de voto da minha freguesia (Águas Livres).  Hoje, como sempre em dias de votação, particularmente animada, com vendedores de "farturas" e de roupa de "marca", junto às portas da escola e da igreja em frente, donde saiam os fiéis da missa das onze, tradicionalmente a mais concorrida.
Lá dentro, a azáfama habitual, com as mesas de voto distribuidas pelas diversas salas dos edifícios que compõem a secção de voto onde, junto às urnas, os diligentes funcionários (muitos deles, conhecidos de anos anteriores) contribuiam para o bom andamento da votação.
De regresso a casa, cruzo-me com os diversos vendilhões, os da rua e os do templo, agora em animados grupos de convívio. Gostei do que vi. Resta aguardar pela noite e confirmar (ou não) uma boa participação eleitoral.
Ligo a televisão e ouço as notícias de Barcelona. Assisto, entre o surpreendido e horrorizado, que há 39 (trinta e nove!) feridos, alguns em estado grave, após confrontos com a polícia espanhola, que teria disparado balas de borracha, para impedir que os catalães pudessem votar em liberdade. Independentemente da opinião que possamos ter sobre o direito à independência da Catalunha, nada justifica tal violência, por parte de um poder centralizado que, apoiando-se em argumentos jurídicos, recusa o diálogo com os independentistas sobre um problema que é político.
Já tive mais certezas sobre uma Catalunha independente, mas nunca tive dúvidas sobre o direito à organização de um referendo, para ajuizar dos desejos do povo catalão. Se tivesse de escolher, apoiaria sempre esse direito, única forma de saber se a constituição actual é aceite pela maioria dos catalães. O mesmo, de resto, é válido para outras regiões europeias consideradas "problemáticas", como o País Basco ou, mais recentemente, a Escócia, que teve direito ao seu referendo.
Uma coisa é certa: se em Madrid pensam que é através da repressão que ganham os catalães para a sua causa, estão redondamente enganados: o mais provável é obterem o efeito contrário. Nada ficará como dantes, após o dia de hoje na Catalunha.
Nas eleições - escolha do povo - em liberdade, aplica-se o mesmo princípio dos clássicos: prognósticos só no fim. Aguardemos, pois, que o dia está para durar...

           

2017/09/29

Baratas Tontas


Este Verão, caiu-me, literalmente, o céu em cima da cabeça.
Passo a explicar: em meados de Julho fui surpreendido para diversas fendas no tecto da minha casa de banho. Alertado, pois já tinha sofrido duas infiltrações provenientes do andar superior, avisei a senhoria. Esta, deslocou-se a minha casa para observar "in loco" os estragos e prometeu uma visita rápida do "mestre de obras", com vista a solucionar o problema rapidamente.
O homem apareceu na mesma noite e foi peremptório na sua avaliação: não se preocupe que isto não cai tão depressa! Passo por cá amanhã e vamos tratar disso.
Nessa madrugada, fui acordado por um estrondo que abanou todo o prédio. O tecto tinha caído parcialmente, mostrando uma abertura onde cabia uma pessoa adulta...
Novo alerta para a senhoria, nova visita do "mestre de obras" e avaliação dos estragos. Foi necessário fazer um tecto falso e substituir a banheira e o autoclismo, entretanto entupidos com o lixo acumulado pelos detritos. Nova canalização e azulejos novos. Quatro dias depois, as obras estavam prontas.
As surpresas surgiram nos dias seguintes: com a mexida na canalização e o calor de Agosto, começaram a aparecer baratas na casa-de-banho, algo inexistente até à data.
Nova queixa para a senhoria, nova visita do "mestre de obras" e novas obras, agora direccionadas à canalização. Não diminuiram as baratas e manteve-se o problema do autoclismo, que não faz bem as descargas, devido à deficiente colocação do dito e à canalização adjacente.
Nova queixa e nova visita do "mestre de obras" com a colocação de uma bomba de água mais sofisticada para facilitar as descargas.
Entretanto, e depois de uma rápida pesquisa na Net, para procurar uma empresa de desbaratização, cheguei a algumas conclusões que partilho com os leitores: estão identificadas mais de 70 variedades de baratas, das quais as mais vulgares, em Portugal, são a barata americana (acastanhada com asas), a alemã (preta, tipo "pantser") e a oriental (castanha alongada). Para além destas espécimes, existem ainda a cubana (verde), a barata da madeira (pequena e esguia) e a australiana (aloirada). Enfim, um verdadeiro jardim zoológico, neste país à beira-mar plantado. Para minha surpresa, entre todas as empresas consultadas, nenhuma me soube indicar se havia espécimes portuguesas e qual o seu aspecto.
Da minha observação empírica e diversos encontros nocturnos com as visitantes que habitam no subsolo da casa, penso estar confrontado com a barata americana (algumas voam) e com a barata oriental (alongada).
Pesem as penosas lutas quase diárias, tenho saído sempre vencedor dos confrontos, o que me dá alguma satisfação. O pior é a reprodução que, de acordo com a literatura especializada, pode atingir milhões de óvulos num só ano...
Tomei duas decisões: contratar uma empresa especializada em desbaratização e contratar um profissional de canalização, para recomeçar as obras, agora a expensas próprias. Para o problema das "baratas portuguesas" ("mestres de obras" incluídos) não encontrei ainda solução. Será que existe?...
     

2017/08/03

Sinais Preocupantes

foto Raul Morgado
Algo está podre no reino da Dinamarca e os meses da "Silly Season" não explicam tudo.
Veja-se o caso dos fogos florestais: há décadas (pelo menos desde os anos sessenta do século passado) que a desertificação do interior português é um facto insofismável. O fenómeno tem vindo a aumentar exponencialmente e foi assinalado em dezenas de estudos e relatórios de "experts" das mais diferentes áreas: administração do território, engenheiros do ambiente, agrónomos, sivicultores, géografos, autarcas, economistas...
A desertificação é um dos problemas que está na origem deste flagelo cíclico, mas não é a única causa. Com o desaparecimento das populações (causado pela emigração em massa dos campos para o litoral e para o estrangeiro) nas décadas de sessenta e setenta, os campos deixaram de ser cultivados e o número de cabeças de gado (pastoreio) diminuiu igualmente. Com as terras abandonadas e sem agricultura/pastoreio, que as mantivesse produtivas, deixou de haver investimento nas zonas rurais, até porque as novas gerações (mais bem preparadas e a viverem em zonas urbanas) não voltaram para as suas localidades de origem, muito menos para os trabalhos agrícolas.
Os que mantêm casas, ou construíram de raiz novas casas, vivem muitas vezes no estrangeiro e só voltam em férias. Os que restam, estão cada vez mais velhos para poderem tratar das parcelas que ainda possuem.
Com a adesão de Portugal à (então) CEE, os terrenos agrícolas (até aí maioritariamente constituidos por uma agricultura de subsistência) foram abandonados (a troco de compensações monetárias) ou reconvertidos em culturas intensivas, que exigiram outro tipo de investimento e productividade. Ficaram as propriedades mais produtivas e diminuiu ainda mais a população agrícola. Sem outros meios de sobrevivência, muitos dos pequenos agricultores dedicaram-se à plantação de eucaliptos, por ser mais rentável e de fácil manutenção.
Acresce, que muitas dessas terras, para além dos eucaliptos, não possuem mais nada e o mato, em seu redor, cresce sem ser tratado. Não existem carreiros entre as árvores e, quando existem, estão muitas vezes cobertos de arvoredo, dado que ninguém trata deles. Porque são privados (97% do total florestado) o estado não pode obrigar os donos a fazê-lo, pois não possui um cadastro de terras actualizado. De resto, não existe cadastro de terras a Norte do Tejo!
Junte-se a isto tudo, a proverbial "falta de meios" humanos e materiais, de que todos os responsáveis se queixam, e começamos a ter uma ideia da situação a que chegámos.
Obviamente, que o calor e as médias de temperatura (a aumentar gradualmente) contribuem para este desastre anunciado. Aqui, a mão humana vale de pouco. Ou melhor, pode valer muito, se houver um consenso internacional que a isso obrigue.
Resta, contudo, uma questão central: se sabemos isto tudo, e os diagnósticos estão feitos, porque é que os gestores da coisa pública (governo, partidos, especialistas) não conseguem chegar a um consenso minímo para atacar este problema estrutural, que afecta não só uma das nossas maiores fontes de riqueza (a floresta), mas todo o país, a começar pelos seus cidadãos?
Outra questão, é a dos famigerados roubos de armas (em Tancos e não só) que regularmente têm lugar e sobre os quais, para além das medidas mais óbvias, pouco ou nada se sabe e, quando se sabe algo, as respostas são tão evasivas e ridículas (veja-se o caso do responsável do SIS que soube do roubo pela comunicação social!) que não sabemos se rir se chorar.
Finalmente, que este "post" já vai longo: ontem despenhou-se uma avioneta na praia de S. João da Caparica quando tentava aterrar na areia (!?). Morreram duas pessoas (entre as quais uma criança de oito anos) que estavam na praia. Podiam ter morrido dezenas. Nos minutos que antecederam o acidente, o piloto comunicou com a torre de comando (Tires) anunciando a pane, enquanto pedia autorização para aterrar...na praia! Ia a cerca de 300 pés (500 metros) que é, de acordo com os "experts", a altura média daquele "corredor" de voo, para não colidir com os aviões de carreira que voam mais alto...Mas passam todos os dias, por ali, dezenas de avionetas. Há anos! Por cima de uma praia, para mais cheia (às 4 horas da tarde) em pleno mês de Agosto. Mas, então, o avião não podia voar por cima do mar, ou o "corredor" é assim tão estreito que as avionetas de treino só podem passar por cima das praias? E o piloto, não podia ter tentado a amaragem no oceano? É a opinião de muitos "experts", de resto. Podia morrer? Claro que podia. E, então? Já nem comento o texto da "pivot" da SICn que, no fim da notícia, dizia que "a avioneta estava intacta e só tinha uma asa partida" (!?). Só tinha uma asa partida? Mas esta gente ensandeceu?
Nem tudo se pode evitar, certamente. Mas, não podemos prever estas e outras coisas, bem mais graves, e estabelecer regras mínimas que reduzam a possibilidade de existirem tais acidentes? Ou isto é tudo "inevitável"? Ou somos todos irresponsáveis, ainda que uns mais que outros, como é óbvio? Não quero acreditar que sejamos assim tão maus.     

2017/07/11

Likes e tiragens


A página do Facebook chamada Truques da Imprensa Portuguesa (TIP) é paragem obrigatória e a sua leitura é sempre um exercício feito com enorme prazer. 
É um verdadeiro serviço público este que nos é prestado.
O acervo do TIP deveria ser leitura recomendada para qualquer estudante de comunicação e referência para todos os actuais jornalistas.
Um subdirector do Público decidiu publicar na sua página do FB a identidade dos administradores do TIP, nunca divulgada por razões que agora se percebem.  Fá-lo em termos reveladores, usando uma linguagem pidesca, que faz lembrar um período que a criatura, quase de certeza, não viveu, mas cujos métodos então empregues parece ter herdado, revelando nesta "denúncia" saber servir-se deles na perfeição.
Significativo é o facto de a página do TIP no Facebook ter seguramente mais seguidores que a tiragem do Público. E significativo é também o facto de, no post onde é feita a "denúncia",  ter sido colocado um esclarecimento (feito em termos bastante dignos e correctos, que contrasta fortemente com a linguagem trauliteira usada pela "denunciante") de um dos administradores do TIP, que tem 5 vezes (pelos menos tinha há umas horas...) mais likes que a própria "denúncia".
O Público — que eu deixei de ler e, posteriormente, de seguir no FB há muito — e os restantes monos da imprensa portuguesa, não se devem admirar quando vêem fugir-lhes público. Devem antes perguntar-se, com toda a humildade, por que razão páginas como  Truques da Imprensa Portuguesa interessam tantos seguidores.
Por que diabo tanta gente quer descobrir os truques da imprensa portuguesa? Por que será...?

2017/07/10

Do Estado de Graça à Lei de Murphy

Escrevemos, há menos de dois meses, que o nosso primeiro-ministro tinha "estrelinha de campeão". A razão era simples: no primeiro ano sob a sua liderança, os sucessos do governo, a nível politico, social e económico (tanto nacional, como internacional) eram inquestionáveis. Relembro: reembolso total ou parcial de salários, pensões e subsídios, cortados entre 2011 e 2015; recuperação das 35 horas semanais; recuperação de 4 feriados nacionais; controlo do "déficit", abaixo das exigências da União Europeia (2,1%); crescimento económico acima da média europeia (2%); redução da taxa de desemprego (9,8%); aumento das exportações (17%); saldo primário positivo (1,8); o melhor ano de sempre do turismo; pagamento antecipado de juros ao FMI, no valor de 1000 milhões de euros, etc... Como se esta "performance" não fosse, já de si, impressionante, Portugal viu o seu candidato (António Guterres) ser eleito secretário-geral da ONU; a equipa de futebol sagrar-se campeã da Europa; um intérprete português ganhar, pela primeira vez, um concurso da Eurovisão e, "last but not least", o país foi visitado pelo Papa, o que não sendo um feito directamente ligado a este governo, contribuiu para a visibilidade e notoriedade de um país reconhecido por ser um dos mais pacíficos e tolerantes do Mundo. Portugal está "in" e do estrangeiro só vinham elogios. Ou seja, o governo do PS, encontrava-se num verdadeiro "estado de graça", confirmado por todas as projecções eleitorais, que lhe dão mais de 40% nas intenções de voto. Perto da maioria absoluta, portanto...
O sucesso foi de tal ordem, que até o circunspecto Schauble, teve de reconhecer os méritos da política financeira do governo, ao comparar o ministro Mário Centeno ao "Ronaldo das Finanças"!
Ora, diz-nos a sabedoria popular, que da mesma forma que "não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe", o contrário não é menos verdadeiro. Era quase inevitável que, mais cedo ou mais tarde, esta sucessão de bons indicadores, fosse ensombrada por outros, menos positivos e, eventualmente, tão funestos, que poderiam fazer esquecer todo o resto.
Se tivéssemos de classificar os acontecimentos das últimas três semanas, provavelmente teríamos de apelidá-las de "mensis horribilis", tal a sucessão de factos negativos com que o país (todos nós) foi confrontado de uma só vez.
Registámos: incêndio de proporções gigantescas na zona de Pedrogão-Grande (64 mortos, 200 feridos, 500 habitações e mais de 100 empresas destruídas, 50.000 hectares ardidos - metade da área ardida em 2016), para além das perdas de material diverso, carros, gado, rebanhos e criação, pertencentes às vítimas. O maior furto de armamento em Portugal, à guarda num dos paióis da base de Tancos; demissão compulsiva dos 5 comandantes responsáveis pelos paióis; duas demissões de generais, em protesto contra a medida aplicada aos seus camaradas da base. Três demissões, de outros tantos secretários de estado, por terem aceitado bilhetes da patrocinadora da selecção nacional de futebol para assistirem aos jogos de Portugal em França; fraude e invalidação da prova final de exame de português deste ano, etc. Como se tudo isto não bastasse, António Costa iria de férias em pleno rescaldo do incêndio e estava ausente, aquando do roubo em Tancos.
"Quando as coisas têm de correr mal, tudo pode correr pior", deve ter pensado o primeiro-ministro. E se é verdade que ainda falta apurar muito do que se passou (as comissões de inquérito já foram constituidas e estão a trabalhar), não é menos verdade que, mais do que apontar culpas, há que apontar responsabilidades. Obviamente que a ministra do MAI não poderá ser "culpada" pelo "downburst" ou pelo raio que rachou o eucalipto e incendiou a pradaria, mas é certamente responsável pela coordenação do ministério que supostamente zela pela protecção civil e pelas forças no terreno, assim como dos contratos ruinosos que pagam sistemas inoperantes! Da mesma forma, que o ministro de defesa, não tem de saber quando são feitas rondas aos paióis e se existem buracos na rede da Base de Tancos, mas tem de dotar as forças militares de meios e pessoas que sejam responsáveis pela política seguida.
Ora o que todos estes factos - ainda que não tenham ligação entre si - vieram demonstrar, é a deficiente preparação e coordenação de múltiplos serviços e meios ao dispôr, que agora se acusam mutuamente, num passar culpas verdadeiramente deplorável.
Restam duas observações:
A primeira, diz respeito aos partidos da oposição (PSD/CDS), que não têm qualquer moral para criticar o actual governo, depois dos cortes e do regime de austeridade imposto durante os anos da "Troika", que vieram debilitar todo um sistema de protecção e defesa, já de si pouco funcional. É verdadeiramente extraordinário, que os maiores arautos do neoliberalismo, defensores de "menos estado, melhor estado", venham agora hipocritamente exigir mais responsabilidade ao estado, que eles foram os primeiros a desmantelar.
A segunda, diz respeito aos compromissos com o pagamento da dívida, nalguns casos superados pelo governo (PS) que, indubitavelmente, limitam a capacidade de investimento do estado, em serviços públicos tão essenciais como a protecção e a segurança, mas também a saúde, a educação ou a justiça, para citar três pilares do estado social. Também este governo parece estar "obcecado" pelo "déficit". Ora, como sabemos, o óptimo pode ser inimigo do bom. Querer, à viva força, diminuir o "déficit" para além do exigido (3%), como o fez o governo, pode agradar a Bruxelas e fazer de Portugal "o bom aluno da UE", mas não ajuda a combater melhor os fogos em Portugal.
Como bem observou um comentador da nossa praça, não podemos querer "ter sol na eira e chuva no nabal": ou pagamos a dívida, ou mantemos o estado social a funcionar. É assim.
Já sabemos o que quer a Troika. Resta saber o que quer o governo.
Esperemos que os recentes e tristes episódios, tenham sido um "turning point" na política de prevenção e planeamento dos gestores da coisa pública. De todos os governos. Para pior, já basta assim...

 

            

2017/07/02

Taxi Driver (13)

Foto Think Market

Estação de Metro de São Sebastião da Pedreira, 6 da tarde.
Longas filas de passageiros, muitos deles turistas, tentando entrar nas plataformas.
Do lado interior das cancelas, dois seguranças do metro esbracejam e gritam, tentando impôr alguma ordem no caos: "a linha azul, não funciona, só a linha vermelha, a linha azul não funciona...".
Desisto dos meus propósitos e volto a subir em direcção à rua. Em frente ao El Corte Inglês, vejo dois táxis com passageiros dentro. Dirijo-me para um deles. No passeio, uma senhora espera a sua vez. Não me responde e continua a falar ao telemóvel. O motorista olha-me e faz sinal. Posso entrar.
"Para onde?", pergunta-me
- Para a Buraca, sff...
"Quer ir por onde? Voltamos para trás, ou vou direito ao Monsanto?"
- Pode ir pelo Monsanto, já que está virado para esse lado...
"Isto hoje está um caos".
- Talvez tenha a ver com o Metro. A linha "azul" não funciona e os passageiros estão a ser mandados para trás...
"Então, deve ser por isso. Viu aquela "gaja" de verde, que estava à sua frente?"
- Vi, e até lhe perguntei se ia apanhar o táxi.
"Pois ia...mas queria entrar com um passageiro cá dentro. Eu disse-lhe para esperar e ela foi apanhar o táxi de trás. Era o que faltava! No meu táxi, só entram as pessoas que eu quero..."
- Faz muito bem. De facto, os táxis já tiveram melhores dias...
"A culpa é destes gajos que fazem as leis. São os "Ubers", são os "tuc-tucs", isto é cada um por si e Deus por nós todos"...
- Mas, então não estava para sair uma lei sobre os carros "Uber"?
"Pois estava e está. Há quanto tempo? Pelo menos, desde Outubro passado. Era para ter ficado pronta em Dezembro e estamos em Junho...está a perceber a coisa?"
- O laxismo português, no seu melhor...
"Isto é tudo uma "tanga". Estão todos feitos uns com os outros e ninguém desata o nó. Contratam gajos estudantes com 18 anos, que querem ganhar umas coroas à noite, pagam-lhe à corrida, com recibos verdes, sem seguros nem nada e, quando não precisam deles, "despacham-nos". Eu também posso guiar os carros da "Uber". Fui lá responder ao anúncio: tenho 40 anos de experiência, todos os seguros em dia, pago 3000euros por ano (só do seguro de passageiros), 60 horas de curso de dois em dois anos, fora as revisões do carro, contabilidade organizada, impostos, mais as "alcavalas" do costume...se me dessem 2000euros limpos por mês, com contrato, estava interessado".
- E?...
"Sabe o que o gajo me respondeu? Isso não ganhamos nós aqui...depende tudo dos clientes e dos percursos. Há dias em que muitos dos nossos carros, nem sequer saem..."
- Não falou dos impostos?
"Quais impostos? Mas, você acredita que aqueles "manfios" pagam impostos? Vai tudo para a Holanda, que lá pagam menos. Aos motoristas (os putos de 18 anos) pagam à corrida e a recibo verde. Nem 5 euros liquídos por hora! Não há seguros para ninguém, nem táximetros! Eu, se for apanhado pela fiscalização, podem sempre controlar as corridas que fiz e quanto entrou em caixa. A máquina, não mente. Aqueles gajos, não. O dinheiro passa pelo cartão de crédito e é debitado à cabeça. Grande negócio!"
- Pois é. Há países, como a Dinamarca, onde a "Uber" já foi proibida.
"E fazem eles muito bem. Só cá, neste país de "tansos", é que autorizamos tudo. Uma bandalheira."   
- Se fosse só nos táxis...os transportes públicos, estão uma desgraça. O Metro, então, nem se fala...
"Pois não. Sabe porquê? Porque não têm dinheiro para mandar arranjar as composições e têm de tirar peças das carruagens paradas. Só andam com metade da frota. Por isso faltam combóios!".
- Sim, já li isso. São os próprios directores dos serviços que o dizem.
"Claro. Olhe para os combóios. É a mesma coisa. E os barcos para a outra banda. Só uma parte dos barcos é que está operacional. O resto, está encostado, à espera de reparações e manutenção".
- Com este aumento do turismo, não sei como vai ser...
"Como vai ser? À "portuguesa", como queria que fosse? Olhe para os "tuc-tucs". Sabe quantos são"?
- Sei lá, para aí uns trezentos...
"Quatrocentos e cinquenta!"
- Já?
"Sim, sim. E não têm horários, nem táximetros, levam o preço que querem, podem andar com motores a gasolina a poluir o ambiente, é uma "balda".
- Mas, a Câmara de Lisboa criou uma lei para ordenar os "tuc-tucs"...
"Pois criou. Leis não faltam. Somos o país das leis. Mas, alguém cumpre alguma coisa?"
- Estou de acordo, leis não faltam. Um país onde impera o laxismo.
"E depois, não sabem nada. Nem ruas, nem nada. Como é que hão-de saber? Há dias chegou-se um gajo da "Uber" ao pé de mim e perguntou-me onde ficava a Rua das Titias...eu sei onde fica. Perguntei-lhe se ele tinha GPS. Disse-me que sim, mas o GPS não indicava a rua. É uma rua pequena, ao pé do edifício da RTP, só com duas vivendas de um marquês qualquer...eu disse-lhe: se o GPS não indica, nunca mais vais dar com a rua".
- Pois, também nunca ouvi falar de tal rua...
"E sabe onde fica a Travessa das Bolachas? Pois é, ninguém sabe. Mas, nós, os motoristas de táxi, temos de saber. É a diferença. São muitos anos a "virar frangos", caro amigo"...
- Nada como um bom profissional.
"Bom, chegámos. Desculpe lá o desabafo. Também é preciso. Agora, vou direito a casa, que a "patroa" está lá com o petisco à espera".
- Boa noite.

2017/06/29

More sheep than in Australia

Sábado de madrugada, após uma noite de fados na Mouraria.
Dirigimo-nos, eu e a minha hóspede de nacionalidade holandesa, para a Rua do Bem Formoso, também conhecida pela artéria mais multicultural de Lisboa, àquela hora já com poucas lojas de serviço abertas. A ideia era comprar uma garrafa de água, coisa aparentemente simples. Não conseguimos à primeira e tivemos de atravessar a Bem Formoso no sentido ascendente, até ao Largo do Intendente, que continuava animado. Após os "sightseeings" da praxe (no caso a instalação da Joana de Vasconcelos e a fábrica da viúva Lamego) lá conseguimos comprar a desejada garrafa a preço multicultural...Regressamos, agora através da Almirante Reis, à procura de um táxi. A minha amiga, queixa-se de uma dor na perna, entretanto desmesuradamente inchada e optamos por procurar uma farmácia para medir a tensão. Tudo fechado. De farmácias abertas, nem sinal.
Já na praça Martim Moniz, o almejado táxi. Entramos e enquanto relato ao taxista a dificuldade de encontrar uma farmácia aberta, este diz-nos que àquela hora só na farmácia em S. Mamede, a única que está aberta 24horas por dia. Para lá nos dirigimos. A porta estava fechada, mas o letreiro dizia "aberta". Após umas campainhadas, apareceu o farmacêutico. Fala através do intercomunicador e recusa-se a abrir a porta (!?). Teremos de ir a outra farmácia, diz-nos. Há uma à entrada do largo do Rato. Também aberta 24horas sobre 24horas.
Dirigimo-nos ao Rato. De facto, a farmácia exibia o letreiro "aberta", mas estava fechada. Mesma cena. O farmacêutico recusa-se a abrir a porta, invocando medidas de "segurança", enquanto aponta para uma câmara de televisão postada estrategicamente por cima da sua cabeça. Julgo estar num filme de ficção científica. Dirijo-me ao homem e explico-lhe que ele só tem de medir a tensão à minha amiga. O farmacêutico olha-me com ar aparvalhado e diz-nos não saber mexer no aparelho de medir a tensão que é novo (!?). Aconselha-nos a ir às urgências do hospital S. José, pois pode ser um problema cardiovascular...Volto ao táxi e peço ao motorista para inverter a marcha. Teríamos de ir às urgências. Passava da uma da madrugada, quando demos entrada no hospital de S. José.   
Nas urgências, o ambiente habitual de um sábado à noite: muitas gente jovem, alguns comas alcoólicos e um jovem esmurrado. Àparte isso, três ou quatro casais, aparentemente em sofrimento controlado. O jovem que nos atendeu, falava inglês e foi solicito e prático. Depois de fazer fotocópias dos documentos da minha amiga, chama-lhe a atenção para o facto do cartão de seguros internacional dela, se encontrar caducado desde 2011...Ups, ela nunca tinha reparado nisso! "No problem", sossegou-a o funcionário. Como se tratava de serviço público, ela só pagaria 18euros pela consulta e, depois, quando chegasse à Holanda, tinha de pedir um cartão novo e enviar-lhe rapidamente uma fotocópia, para ele substituir a fotocópia deste, por uma actualizada. De outra forma, teria de pagar 180euros...
Dirigimos-nos depois para o gabinete de triagem onde, após ouvirem a história clínica, lhe deram uma pulseira de cor-verde. Restava esperar...
Eram 7horas da manhã, quando saímos do hospital de São José. Nos intervalos, a minha amiga, foi vista duas vezes, a primeira por uma médica de clínica geral que lhe fez um exame sumário e, mais tarde, por um médico ciurgião cardiovascular, que sugeriu o seu envio para outra unidade hospitalar dentro do complexo do S. José, para ser sujeita a um teste intravenoso. Foi levada numa ambulância, enquanto eu fiquei à espera. Uma hora mais tarde, voltava com um relatório e uma receita passada pelo médico. Teria de mostrar o relatório ao médico de família, quando voltasse à Holanda e seguir a medicação. Aparentemente, tudo em ordem.    
Voltámos à recepção, onde o jovem que nos tinha atendido, continuava de turno. A minha amiga entrega-lhe o relatório do médico e pergunta quanto deve. O funcionário, abre o seu melhor sorriso, enquanto imprime um recibo e diz: "18euro".
"That cheap"? Pergunta admirada a minha amiga.
"Yes. More sheep than in Australia"!...
 

2017/06/13

Morreu o Alípio

O CÍRCULO FECHOU-SE *
(Com um abraço grande para o grande Alípio)

Pediram-me um texto para o Alípio.
Não que seja difícil escrevê-lo. A dificuldade reside em escrever algo que não tenha sido ainda escrito. Por outras palavras, se já tudo foi dito, que poderei eu dizer de novo?
Recuo no tempo e "procuro" nas minhas memórias o dia em que o "conheci".
Se bem me lembro, teria sido em Janeiro de 1976, ano em que José Afonso foi à Holanda cantar, a convite do Festival Contracultura, uma manifestação organizada por diversos movimentos ligados às artes performativas.
Nesse dia, José Afonso, acompanhado pelo inseparável Fanhais, subiu ao palco e, entre diversas canções, dedicou uma a alguém que, à época, ainda se encontrava preso no Brasil. Chamava-se Alípio de Freitas, era português e estava preso por lutar contra a ditadura militar que governava aquele país.
Alguns meses depois, quando passava férias em Portugal, saiu o álbum "Com as minhas tamanquinhas", que me apressei a comprar. Lá estava a mesma canção que o Zeca tinha interpretado em Utrecht. Por alguma razão, que não sei explicar (estas coisas são sempre subjectivas) sempre foi uma das minhas preferidas do álbum e aquela que escutava mais vezes. Lembro-me também de algumas conversas com o Zeca, em posteriores visitas do cantor à Holanda, sobre esta personagem que, lá longe, continuava preso e de quem só ouvia falar através da canção.
Anos mais tarde, tornei-me assinante do semanário "O Jornal", que passei a receber pelo correio. Lembro-me, agora muito bem, das crónicas brasileiras do Alípio, entretanto homem livre e que, à época, era correspondente do jornal.
Passariam muitos anos (mais de uma década) até me convidarem para uma função em Portugal, no CIDAC, onde permaneceria dez meses. Foi aí que encontrei o Alípio de "carne e osso", que era visita frequente do Centro de Documentação. Foram meses de são convívio, entre almoços e jornadas de Educação para o Desenvolvimento, a "especialidade" da casa.
Em 1996, voltei definitivamente a Portugal e reiniciei a minha colaboração com a Associação José Afonso, onde viria a reencontrar o Alípio. Primeiro, em encontros informais; mais tarde, nos corpos sociais da Associação, da qual o Alípio foi presidente entre 2006 e 2009. Muitas foram as conversas, daqueles anos, no percurso entre Lisboa e Setúbal, onde a AJA tem a sua sede. Penso ter sido nessas viagens quinzenais que nos conhecemos melhor.
Entretanto, a AJA fortaleceu-se e alargou a sua influência a outras regiões do país.
Com a criação do núcleo de Lisboa e posterior abertura de uma sede em 2012, voltaria a reencontrar o Alípio, agora frequente animador e participante activo das nossas sessões. Sempre igual ao que sempre foi. Ou seja, criando desassossego e com inquebrável vontade de lutar. E já lá vão 40 anos. Faz sentido. Porque é que havia de ser diferente?

* Este texto, foi originalmente publicado na colectânea "Alípio de Freitas - Palavras de Amigos", editado pela Pangeia (2017), por ocasião do 88º aniversário de Alípio de Freitas.
       

2017/05/16

"Estrelinha" de campeão


Depois de um fim-de-semana verdadeiramente alucinante, Costa bem pode ir a Fátima de novo, agora para pôr uma velinha pelos sucessos alcançados. Juntar no mesmo dia (reparem na data!), o Papa e a canonização dos pastorinhos em Fátima, a conquista do "tetra" pelo clube de que é adepto e a vitória de Portugal no festival da Eurovisão, não acontece todos os dias. Logo no ano do centenário das "aparições". Se isto não é "milagre", não sei o que seja...
Como se todas estas coisas não bastassem, veio agora, o Relatório das Finanças Públicas, demonstrar que a economia portuguesa cresceu 2.8% no primeiro trimestre deste ano, por comparação com o período homólogo do ano passado. Um dos maiores crescimento da zona Euro.
Como todos sabemos, estas coisas não acontecem por acaso. Há muito trabalhinho por detrás (especialmente em Fátima...), mas que o homem tem "sorte", isso parece inegável. Ainda por cima, este crescimento económico, surge após a revelação (cá está...), de outros dados positivos relativos ao bom desempenho da economia: "deficit" abaixo dos mínimos exigidos pela União Europeia (2%), saldo primário positivo (1,8%), aumento de exportações (17%), desemprego a baixar (10%) e o melhor ano de turismo de sempre. É obra.
Claro que todas estas coisas, se não forem estruturais (o chamado crescimento sustentável) não resolvem a difícil situação em que Portugal se encontra. Podemos estar em face de números conjunturais, sabendo que o investimento ainda é débil e que, sem este, não haverá crescimento económico e criação de emprego. Daí as reticências das famigeradas agências de "rating" que parecem não acreditar em milagres. Acresce que o recente "boom" turístico  é, em grande parte, provocado pela instabilidade existente em países como a Síria, a Turquia ou o Egipto, o que traz a Portugal muitos turistas que fogem das zonas de guerra, à procura de paz e estabilidade. Como o clima é bom, os preços são acessíveis e a hospitalidade é algo inato aos portugueses, estão reunidas as condições para as coisas correrem bem.
Falta a dívida (130% do PIB), que não pára de crescer, ainda que haja países na zona Euro, bem mais ricos do que Portugal (França e Itália, por exemplo) em que os números são preocupantes. De resto, e para quem não saiba, a França, há dez anos consecutivos que não cumpre as metas do "deficit" que tem ficado sempre acima dos 3%! Porquê? Ora bem, como diria Juncker, "parce que, la France, ces't la France!". Perceberam? Exactamente: critérios diferentes para situações semelhantes. Um querido, o Juncker...
Já o Costa, não sendo um "querido", conseguiu o chamado "milagre dos peixes": Reposição de salários e pensões, crescimento da economia e diminuição do "deficit". É o que se chama "três em um". Os deuses, só podem estar loucos! Perante tais evidências, apenas nos resta concluir com aquela máxima futebolística que nunca falha: não há campeões sem estrelinha...

2017/05/08

França: a vitória do liberalismo e a derrota do fascismo


Sem surpresa, Emmanuel Macron, o candidato liberal pró-europeu, ganhou à candidata xenófoba e nacionalista, Marine Le Pen. Os números não enganam (66,1% contra 33,9%) ainda que todas as sondagens apontassem nessa direcção, muito antes da segunda volta. Ou seja, os franceses votantes (75%) nunca tiveram muitas dúvidas nas suas escolhas.
Ao contrário de muitas opiniões democratas, que receavam uma repetição do fenómeno Trump na Europa (com nefastas consequências para o projecto europeu), teriam sido precisamente as "gaffes" de Trump que serviram de vacina nestas eleições. Outra questão, que não deve ser escamoteada, é a consciência política do francês médio, quando comparada com a politização na sociedade americana e, finalmente, o modelo das eleições francesas a "duas voltas", o que permite um melhor sistema de "pesos e contrapesos" nas escolhas políticas. Nada de novo na frente ocidental, desta vez.
A meio de um ciclo de escolhas, que podem ser determinantes para o futuro da Europa e do Mundo Ocidental no seu todo, o balanço é, para já, o seguinte:
Duas eleições negativas (no sentido regressivo do termo) com o "Brexit" britânico e a escolha do imprevisível Trump; e duas eleições, onde ganhou o "mal menor" (na Holanda e em França) com escolhas sempre discutíveis, mas que, no curto prazo, podem assegurar maior democracia e afastar os representantes do fascismo (Wilders e Marine Le Pen) do poder.
Já da Polónia e da Hungria, onde as políticas autoritárias e xenófobas ganham terreno, continuam a  não vir boas notícias; enquanto da Austria, pese o aumento da influência da extrema-direita, tivemos a boa notícia da vitória do candidato presidencial, um veterano democrata e ecologista. Algo é algo.
Restam dois países-chave nesta equação, a Alemanha (que vai a votos no Outono) e a Itália, que pode ir a votos, caso o impasse político, originado pela demissão do primeiro-ministro depois de um referendo falhado, não seja resolvido a contento.
Resumindo e concluíndo: a vitória de Macron pode ter tirado um peso da consciência dos franceses e europeus que receavam um regresso às ideias nacionalistas e xenófobas mais retógradas (Marine é uma fascista assumida, como o debate com Macron confirmou), mas o "ovo da serpente" foi chocado e existe. Dentro de cinco semanas, terão lugar as eleições legislativas francesas e, depois da implosão dos partidos do centro (socialistas e republicanos), restam apenas a Frente Nacional (o maior partido em votos) os "insubmissos" de Mélechon  e os apoiantes do "En Marche!" de Macron. É pouco, como forças partidárias organizadas. Resta esperar que a esquerda francesa tenha aprendido com o susto e saiba extrair daqui as lições para o próximo acto eleitoral. De Macron, e da eventual "co-habitação" que venha a surgir após as eleições de Junho, ainda é cedo para extrair conclusões. Para já é o que temos. Podia ter sido pior.    

2017/04/25

O Fascismo é a ignorância (para quem não sabe...)

Jovem emigrante português, em Champigny, anos 60.


Há dias, na SIC-Notícias:

Rapaz francês, formado em direito, 23 anos, entrevistado.

"- É francês?
- Sim, a minha mãe é imigrante portuguesa e, aqui em França, conheceu o meu pai, um imigrante espanhol, eu já nasci cá...
- Em quem vai votar?
- Na Maria Le Pen.
- Porquê?
- Porque ela é contra a imigração e eu acho muito bem, porque nós não queremos cá imigrantes".

(fim de citação)

2017/03/25

Dijsselbloem (et pour cause...)


Comemoram-se, hoje, 60 anos do Tratado de Roma, que daria origem ao Mercado Comum Europeu, posteriormente apelidado de União Europeia.
Um projecto idealizado pelos franceses Jean Monnet (Economista) e Robert Schuman (Ministro), apoiado pelo chanceler alemão Adenauer, considerados os "pais fundadores" da actual Europa.
Com todos os seus avanços e recuos, o projecto europeu - criado no pós-guerra, para evitar futuros conflitos no continente - teve desde logo um mérito: o de conseguir manter a paz durante sessenta anos. Outros avanços significativos foram, entretanto, conquistados, bastando lembrar a abolição de fronteiras entre os estados, a livre circulação dos cidadãos, a criação de uma moeda única (o Euro), para além do "estado social" mais desenvolvido e protector de todo o Mundo Ocidental.
É este modelo que, nos últimos anos, vem sendo posto em causa, não só por muitas das forças partidárias que representam os estados-membros da União, como por uma grande parte das populações, as quais não se revêem em muitas das políticas e burocracia das diversas instituições (Comissão, Conselho, Parlamento) que constituem a União Europeia.
As críticas têm, muitas delas, fundamento e sessenta anos passados sobre o "sonho" de uma Europa unida, são visíveis as "fendas" verificadas no edifício da UE, com o aparecimento de movimentos e partidos que, mais do que a união e a solidariedade, procuram a divisão e o regresso ao estado-nação que esteve na origem dos dois maiores conflitos do século passado na Europa.
O caso mais recente e paradigmático, deste sentimento anti-europeu, foi o "Brexit" (do qual as "ondas de choque" estão longe de ter terminado), ainda que outros países do Reino  (Escócia e Irlanda do Norte) possam seguir o caminho inverso. Já a França (de Le Pen), advoga a saída da Europa, enquanto a Hungria e Polónia, defendem modelos autoritários de sociedade em tudo contrárias ao espírito da Europa democrática. No meio, um bloco nórdico, que perfilha o modelo alemão e um bloco mediterrânico, onde se ensaiam novos modelos fora do jugo monetarista germânico.
Paralelamente (et pour cause) novos problemas internacionais, trouxeram para a Europa outros desafios (crise da banca internacional, guerras no Médio-Oriente, refugiados e terrorismo) que agravaram as condições e a percepção das populações, sobre a necessidade de mudar o paradigma actual, única forma de ultrapassar o impasse existente reconhecido pela maior parte dos seus intervenientes. Basicamente, parecem existir dois modelos: o de continuar como se nada se passasse (esperar para ver) com a esperança que tudo se resolva; e o de "não há alternativa", segundo o qual os países devem seguir mecanicamente os Tratados, mesmo quando a realidade desmente os modelos aplicados.
Estão, neste segundo grupo, os países do chamado núcleo alemão (Alemanha, Austria, Finlândia e Holanda) que estiveram na origem da criação da "moeda única", cuja paridade, sendo igual no valor facial, é desigual nas economias reais. Ou seja, o valor facial do Euro, não corresponde ao valor real das economias que adoptaram a moeda única.
Esta desigualdade foi-se acentuando ao longo dos anos, entre economias que exportam os seus produtos de valor acrescentado (os países nórdicos) por preços valorizados; e as economias que produzem "commodities" de baixo-valor (países do Sul) com os consequentes desequilibrios das respectivas balanças comerciais. Esta desigualdade, que poderia ser resolvida através de um Banco Europeu, caso este pudesse "emprestar" directamente dinheiro a estados em vez de bancos, não acontece na União Europeia actual (pois esta não é uma Federação de Estados, como os EUA ou a Russia). Da mesma forma, teria de existir um sistema fiscal comum, que não permitisse a existência de "offshores" legais, como na Irlanda, na Holanda ou no Luxemburgo, onde são praticadas taxas de juros abaixo da média europeia e para onde são deslocados os lucros das multinacionais que, dessa forma, fogem aos impostos, penalizando as economias nacionais. É o caso da Holanda, onde 19 das maiores 20 empresas portuguesas cotadas em bolsa, têm as suas sedes fiscais.
Tudo isto é sabido pela Alemanha (o principal beneficiário desta desigualdade), assim como pelos países credores (França, Holanda, Finlândia, etc.) que possuem excesso de liquidez e preferem emprestar a juros acima da média, mesmo sabendo que nunca receberão as totalidades das dívidas soberanas (que vão sendo renegociadas) e continuam a acumular lucros chorudos, através dos juros pornográficos exigidos.
Ora o senhor Dijsselbloem, que sendo parvo não é burro (coisas diferentes), veio esta semana lembrar os "países dos Sul" (curioso epíteto) que devem pagar as dívidas, em vez de "beber copos e andar com mulheres" (!?). Um "lapso freudiano", certamente, que nem sequer é original, pois o primeiro-ministro holandês (Rutte) tinha dito precisamente o mesmo numa cimeira europeia o ano passado, como bem nos lembrou hoje um conhecido canal televisivo. Ou seja, determinados políticos europeus, já nem sequer disfarçam, mas dizem as maiores alarvidades, esquecendo-se que a Europa idealizada faz hoje sessenta anos (quando a maior parte deles não tinha sequer nascido) teve, nos seus primórdios, estadistas com a grandeza suficiente para idealizarem um projecto onde os países e as pessoas eram o mais importante. Um projecto comum, numa casa comum, onde a solidariedade fosse o factor determinante. Aparentemente, nesta Era de monetarismo neoliberal, a economia passou a ser mais importante que as pessoas. Daí, a situação actual, onde a austeridade tem sido comum à maior parte dos países da União, confrontados com uma crise que é, ela própria, resultado do modelo da globalização desregulada. Acontece que a História não terminou e as pessoas têm memória, como se viu nas recentes eleições holandesas, onde os partidos da coligação governamental, da qual fazem parte os liberais de Rutte e os sociais-democratas de Dijsselbloem, foram penalizados com uma derrota sem precedentes (37 lugares perdidos no total!). Razão: cortes no valor de 135 mil milhões de euros nos últimos seis anos de governação, que afectaram principalmente os sectores da saúde, o apoio a idosos, a educação e o emprego jovem (50% dos holandeses entre os 20 e 30 anos não conseguem arranjar emprego, ou têm empregos temporários), para além da cultura (mil milhões de cortes em 5 anos). É verdade, que a economia holandesa apresenta resultados satisfatórios, quando comparada com a de outros países da União: 2,3% de crescimento económico, pouco desemprego (5%) e mais casas vendidas. Mas, estes, são números macro, que não reflectem as expectativas da população, que viu o seu poder de compra diminuir de 87% para 72% nos últimos trinta anos, contrariamente ao lucro das empresas e multinacionais, cujos lucros duplicaram e passaram a ser investidos em países de mão-de-obra barata ou depositados em "offshores" um pouco por todo o Mundo. Ou seja, as desigualdades, dentro da sociedade holandesa, aumentaram, como de resto na maior parte dos países e dentro da União, hoje cada vez mais uma Europa a "duas velocidades".
No entanto, os comentários xenófobos e racistas de Dijssebloem, não têm apenas a ver com "vinho e mulheres do Sul". Devem também ser vistos à luz da sua perda de influência no governo holandês, donde está de saída e da necessidade da aprovação do seu verdadeiro patrão (o ministro alemão Schauble) de cuja opinião necessita para continuar presidente do Eurogrupo. Por alguma razão, as suas polémicas opiniões foram dadas a um jornal alemão. Representam a mesma arrogância ariana, que, no passado, quis dividir os povos em "superiores" e "inferiores" e uma ideologia (neoliberal) que não suporta a ideia da existência de governos, que ousem ensaiar um modelo diferente da cartilha imposta pelo "diktat" de Berlim. Um triste, o Jeroen.

 

2017/03/16

Holanda: da vitória dos liberais à derrota dos populistas


Na Holanda, o partido VVD (direita liberal) venceu as eleições, perdendo deputados (tem agora 31); enquanto o partido PVV (extrema-direita populista) perdeu, ganhando deputados (tem agora 19).
À esquerda, o grande perdedor foi o PvDA (trabalhista), com apenas 9 deputados eleitos; enquanto o partido Groenlinks (Verdes) viu quatriplicar os seus representantes (de 4 para 16) podendo ser considerado o grande vencedor da noite.
Bons resultados, foram igualmente obtidos pelo CDA (democrata-cristão) que tem agora 19 deputados e pelo D'66 (centristas liberais) que obteve 19 lugares. Ambos poderão fazer parte do próximo governo, que necessita de um apoio mínimo de 76 deputados no Parlamento.
Tudo aponta para um longo período de formação governamental, uma vez que, tradicionalmente, não há maiorias absolutas na Holanda e o partido vencedor necessitar agora de 4 ou mais partidos para obter a maioria necessária.
Resumindo: a Holanda irá provavelmente conhecer um governo mais à direita, já que coligação entre os liberais (VVD) e os sociais-democratas (PvDA) deixará de funcionar, devido à estrondosa derrota dos sociais-democratas (perderam 29 lugares). Quanto às hipóteses de Wilders vir a governar, nunca se pôs, uma vez que o "cordão sanitário" criado contra o seu partido, impedia à partida qualquer acordo.
Resta acrescentar que a vitória dos liberais (e da direita em geral) é também uma consequência da recuperação de alguns temas da direita xenófoba e islamofóbica do PVV, como a luta contra a criminalidade atribuida à comunidade muçulmana e aos últimos acontecimentos de Roterdão, quando o primeiro-ministro foi lesto a proibir um comício turco, o que lhe valeu ganhar uma popularidade que estava a perder nas sondagens. A derrocada do PvDA era esperada e deve ser lida como uma penalização dos seus eleitores pelas políticas de austeridade levadas a cabo pelo governo cessante (do qual fazia parte), nomeadamente nos sectores da saúde, no apoio aos idosos, na educação e no emprego jovem. Também aqui, a colagem dos sociais-democratas às políticas neoliberais da direita, não deu frutos e por isso quase desapareceram (efeito Pasok).
Para alguns imigrantes na Holanda (entre os quais um conhecido escritor) que votaram em Wilders por acreditarem estar a votar contra o sistema, uma má notícia: ainda não foi desta que o fascismo passou.        

2017/03/12

Eleições holandesas: teste ao populismo



No ano de todas as eleições, a Europa terá o seu primeiro grande teste de 2017 na Holanda, onde, no dia 15 de Março, haverá eleições legislativas.  
Depois dos resultados, algo surpreendentes, do "Brexit" e da vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas, as atenções viram-se agora para a Europa que conhecerá, este ano, três actos eleitorais considerados determinantes para o futuro europeu: na Holanda, em França e na Alemanha, todos países fundadores da União.   
No fundo, trata-se de saber se os resultados do Reino Unido e dos EUA, ainda que por razões diferentes, confirmam (ou não) uma tendência internacional que muitos apelidam de populismo, neste caso de direita.
Pesem as especificidades de cada país e os temas dominantes das respectivas campanhas eleitorais, existem traços comuns possíveis de identificar: desde logo, o apelo ao proteccionismo económico em resposta à liberalização dos mercados (que conduziu ao aumento das desigualdades, fruto de desinvestimento nas sociedades ocidentais e da deslocação do capital para países de mão-de-obra barata) com o consequente aumento do desemprego interno (é o caso dos EUA); depois, o apelo ao nacionalismo, como resposta ao crescente centralismo e burocracia do "diktat" de Bruxelas, em cujos métodos grande parte dos países membros não se revêem (são os casos do UK, França e da Holanda); finalmente, o medo do terrorismo islâmico, potenciado pelas recentes vagas de refugiados de países muçulmanos em guerra (como é o caso na UK, França, Holanda e Alemanha).
Não é, pois, de admirar, que em todos estes países, tenham surgido políticos de verbo fácil e discurso demagógico que "cavalgam a onda" da insatisfação (e ignorância) de uma parte significativa das populações, desiludidas por anos de promessas e há muito desconfiadas das "elites" que os governam, a quem acusam de as terem descartado.
Em tempos de incerteza social e competividade no mercado de trabalho (ao qual, muitos destes deserdados da riqueza nacional já não voltam, por serem preteridos por estrangeiros e pela globalização actual) fácil é arranjar "bodes expiatórios", agora que os refugiados chegados à Europa recebem auxílio e são mais um factor da pressão social existente. Juntem-se os atentados dos últimos anos em França, na Bélgica e na Alemanha, todos eles perpretados por residentes nesses países (ainda que com nacionalidade europeia) e temos assim reunidos os elementos para uma "tempestade perfeita". Líderes como Farage no Reino Unido, Le Pen em França ou Wilders na Holanda, são apenas três exemplos desta corrente nacionalista e proteccionista, anti-União e islamofóbica, que ganhou espaço na arena política. Todos eles usam os estrangeiros como moeda de troca, acusando os seus governos de os acolher e proteger, em detrimento dos nacionais, assim como todos eles agitam o espantalho do terrorismo islâmico, como prova última dos perigos inerentes à entrada de mais muçulmanos no espaço europeu.
O discurso xenófobo não se limita, de resto, aos países citados, mas a outros países membros da União Europeia, como a Hungria e a Polónia, onde governos de direita já alteraram as constituições e construiram muros para evitar a entrada de refugiados, numa clara subversão dos valores democráticos e humanistas que deviam prevalecer na Europa. Resta acrescentar, que o actual fenómeno nacionalista e populista na Europa, também foi sendo alimentado por politicas erráticas e pressupostos falsos, dos quais não podem ser excluídos os partidos e governos sociais-democratas que, nas últimas duas décadas, vêem pactuando com as políticas de compromisso que contribuiram para a despolitização e exclusão crescente de grande parte das populações nestes países.
A três dias das eleições holandesas, as possibilidades do partido PVV (extrema-direita, islamofóbica) ser o partido mais votado, são praticamente as mesmas do VVD (liberais de direita, actualmente no governo) que, até este fim-de-semana, tinha uma ligeira vantagem nas intenções de voto. Os grandes penalizados, serão os partidos da esquerda, o PvDA (Partido Trabalhista) e o SP (Socialistas), assim como o D'66 (centristas). O CDA (Democrata-Cristão), ainda que bem posicionado, deve ficar fora do pódio vencedor. Resta acrescentar, que o PvDA e o CDA, partidos que historicamente têm feito parte da governação, foram os "construtores" do Estado Social na Holanda, hoje parcialmente desmantelado pela austeridade e pelos cortes orçamentais dos últimos anos, o que pode explicar muito da insatisfação na sociedade holandesa. Neste contexto, o partido GROENLINKS (Esquerda Verde) uma coligação formada nos anos '90 pelo Partido Comunista, pelo Partido Pacifista e pelo Partido Reformador, a subir exponencialmente nas sondagens, pode tornar-se um dos partidos mais votados nestas eleições, com grande probabilidade de entrar no próximo governo. Uma coisa, parece certa: independentemente de ser (ou não) o mais votado, o partido de Wilders - que este fim-de-semana pode ter ganho novo alento devido aos incidentes entre a comunidade turca e a polícia holandesa de Roterdão - não deverá entrar para o governo. Os restantes partidos já declararam não querer governar com este partido xenófobo e islamofóbico. Dada a composição do actual parlamento (150 lugares) que pode vir a eleger 14 bancadas partidárias, é de esperar um longo período de formação governamental, cujo gabinete poderá ser composto por 4 ou mais partidos.
Na próxima quarta-feira, saberemos mais.

2017/03/01

Trumpalhadas (2)

De Donald Trump, tudo se espera.
O primeiro discurso, no Congresso, não foi, por isso, particularmente surpreendente.
Para quem tem acompanhado as primeiras semanas do seu mandato, as questões centrais, já anunciadas no dia da tomada de posse, voltaram a ser referidas, ainda que usando uma terminologia mais suave.
Relembremos as principais, que parecem constituir o cerne das políticas que pretende aplicar:
1) A guerra aos média. Para Trump, os jornalistas não são de confiar. Principalmente a CNN, o NYT ou o Washington Post. Já a Fox News, é de elogiar (por alguma razão é a estação televisiva preferida do presidente). O recente boicote aos principais orgãos de informação no "briefing" da Casa Branca foi apenas o culminar de uma guerra que dura há cinco semanas. Um clássico, usado por todos os aspirantes a ditadores e que, num país como os EUA, lhe pode sair caro.
2) O fim da ordem comercial liberal. Trump quer acabar com os tratados internacionais existentes (TTP) e reabrir a negociação da NAFTA, de forma a isolar países com quem os EUA têm acordos e um "deficit" na balança comercial. A ideia é relançar a economia americana a partir de dentro (America First), multando as multinacionais que operam no estrangeiro, com novas taxas alfandegárias e outras penalizações. Uma política proteccionista, que implica um maior investimento estatal, como não se via desde Roosevelt. Para um liberal, aplicar medidas Keynesianas, é uma novidade.
3) A crise com o México. O projecto da construção do muro mantém-se, assim como a perseguição aos ilegais (11 milhões) dos quais grande parte serão mexicanos que trabalham na agricultura, na restauração e nos serviços domiciliários. Sem esta mão-de-obra estrutural, que mantém as grandes propriedades e culturas agrícolas na Califórnia e estados do Sul, não se vê quem possa fazer os trabalhos que os americanos legais não querem fazer.
4) O fecho das fronteiras a muçulmanos. A ideia mantém-se, ainda que as primeiras medidas tenham causado caos nos aeroportos, críticas internas e externas e a sua primeira derrota judicial. Os refugiados serão as primeiras vítimas, mas não só: parte das empresas sediadas em Sillicon Valley, que dependem do "know-how" imigrante, já vieram protestar. Não vai ser fácil.
5) Os inimigos dentro do estado. Trump dispara contra tudo e todos: os tribunais, as secretas e os funcionários, acusando-os de o comprometerem perante a Russia. Os despedimentos prosseguem e dentro em pouco só restarão fiéis a Bannon. Já vimos este filme noutros países e latitudes, nomeadamente em ditaduras.
6) Diplomacia. Trump não pratica a diplomacia. Não sabe o que isso é. As gaffes sucedem-se e o "bullying" é constante. Com Merkel, com o primeiro-ministo australiano, com o primeiro-ministro japonês e inclusive com o Reino Unido, onde circula uma petição (2 milhões de assinaturas) para impedir a sua ida ao Parlamento inglês.
7) Conflito de interesses. Continuam por explicar as suas ligações ao império empresarial que controla e quem fica a dirigir as as suas empresas, agora que é presidente e não pode acumular funções. A família?
8) A conexão russa. A demissão de Michael Flynn, a primeira do seu gabinete, pode indiciar outro tipo de relações e eventuais chantagens sobre o seu governo por parte da Russia. As revelações podem ser comprometedoras.
9) O regresso ao discurso da campanha. É notória a sua dificuldade em lidar com a opinião pública. Mesmo entre os conservadores, como Bush Jr. e McCain, não parece haver consenso. Quem votou nele ainda o apoia, mas por quanto tempo?
10) A governação impulsiva. Tudo em Trump o torna pouco fiável. As suas ameaças, mais não representam do que reacções escapistas perante a realidade do poder. Não conquistou mais adeptos e arranjou mais inimigos. Resta saber, qual a próxima fuga.
No discurso de hoje, anunciou um aumento de 9% (54 mil milhões de dólares) no maior Orçamento de Estado para a Defesa da história dos Estados Unidos! Os cortes serão feitos na saúde (o Obamacare só dá "despesa"), no meio-ambiente e nos apoios internacionais. O regresso às cavernas. Só falta uma guerra para incrementar a industria militar.
Voltaram as mentiras e as meias-verdades: sobre o perigo do terrorismo trazido pelos refugiados (todos os atentados terroristas praticados nos Estados Unidos, desde o ano 2000, foram praticados por americanos ou residentes no país!); a proibição de imigrantes vindos de países que apoiam o terrorismo (Líbia, Sudão, Síria, Iraque, Irão, Iémen ou Somália) é selectiva e não abrange o Egipto e a Arábia Saudita (donde vieram todos os atacantes do 11/9 e com quem os EUA mantém negócios altamente lucrativos); O aumento da violência e dos assaltos nas cidades americanas (o que é uma meia-verdade, é derivada da crise de 2008 e já está a diminuir, o que Trump nunca refere); o desemprego nas industrias tradicionais (construção civil, siderurgias, indústria automóvel) é factual, mas não pelas causas apontadas (governo de Obama) e sim devido à automatização e a factores externos como a entrada da China na OMC, etc...
Enfim, a lista é longa e não faltarão oportunidades para aumentá-la. Trump confirmou tudo o que se conhecia dele antes de ser eleito. A mentira é, nele, compulsiva. Parafraseando John Stewart, numa breve e brilhante aparição televisiva esta semana: "never believe a man who after every sentence says: believe me!".