2016/04/22

Outras Guerras



A história conta-se em poucas palavras:
Durante a guerra colonial em África (1961-1974) milhares de jovens portugueses sairam do país, por recusarem fazê-la. Uns, como objectores de consciência; outros como refractários; outros, ainda, como desertores do próprio exército. Se eram mobilizados , só lhes restava uma alternativa: sair de Portugal. Foi o que fizeram, de acordo com as estimativas, cerca de 100.000 jovens, enquanto a guerra durou.
Anos mais tarde, já depois do 25 de Abril, muitos destes (ex)exilados voltaram a encontrar-se, agora para encontros informais de confraternização, dentro e fora do país. Alguns nunca regressaram a Portugal, mas os laços de amizade e a militância política, construídas nesses anos, não desvaneceram.
Mais recentemente, os contactos tornaram-se formais e, num desses encontros, surgiu a ideia de dar corpo a um objecto que reunisse as memórias e os testemunhos dos "anos da brasa" que, nessa época, agitavam a Europa.
Um "parto" difícil, dado o intervalo temporal decorrido e a memória de quem viveu esses anos. Com a ajuda de documentação pessoal e de centros de documentação vários (Coimbra e Paris), chegámos a um primeiro "draft", do que poderia ser um documento de consulta. Estávamos em 2014 e o mais difícil estava ainda para vir.
Foram pedidos mais contributos e, quando todas as "datas-limite" (para a entrega de materiais) tinham sido ultrapassadas, decidimos dar por concluído o corpo principal da obra. Dado que as histórias necessitavam de ser contextualizadas para memória futura, pedimos a dois "compagnons de route" que escrevessem o prefácio e o posfácio. Já lhe podíamos chamar um livro, nessa altura. Estávamos em 2015 e ainda faltavam coisas tão importantes como conseguir dinheiro e uma editora, arranjar apoios, patrocínios e a distribuição do produto final. Escolhida a gráfica, passámos à encomenda, que ficaria pronta na primeira semana de Março deste ano.
Hoje, o livro está editado e começou a ser divulgado nas redes sociais e orgãos de comunicação habituais. As reacções não se fizeram esperar. Boas, más e péssimas, como é usual nestas coisas.
Nada que nos surpreenda.
Não é fácil "desmontar" 300 anos de Inquisição e 50 de ditadura fascista. São séculos de ignorância, medo, repressão e exploração desenfreada, dentro e fora do pais. Estas coisas pagam-se. É esta "herança" que explica muitos dos traumas actuais, quer relativamente à ditadura, quer relativamente à guerra colonial e à deserção, como é o caso.
De um modo geral, os portugueses preferem não enfrentar os seus medos, recusando a catarse que podia fazê-los cidadãos maiores. Dito de outro modo, os portugueses sairam do fascismo, mas o fascismo "não saiu" dos portugueses.
Este livro, não sendo a primeira obra sobre a temática é, certamente, um dos poucos a abordar o tema do "exílio de resistência", uma faceta relativamente desconhecida de muitos que viviam e vivem em Portugal.
Agora, está à disposição dos interessados, sejam os "companheiros de estrada", espalhados pela Europa nos anos sessenta e setenta, sejam os curiosos e investigadores destas coisas que, a partir de agora, passarão a ter ao seu dispôr um instrumento mais para relançar uma discussão que continua por fazer. Outros materiais já existem (lembramos o excelente documentário "Guerra ou Paz" de Rui Simões) estando já anunciado um colóquio sobre a "Deserção na Guerra Colonial",  uma iniciativa conjunta do CES de Coimbra e a UN de Lisboa, que terá lugar no próximo mês de Outubro.
E portanto, move-se...