2008/11/06

Missile, anyone...?

No exacto dia em que Obama festejava a sua inequívoca vitória, surge uma visão fugaz do que vai ser o futuro real. A dupla Putin-Medvedev --um adversário mais duro de roer do que foi a dupla McCain-Palin-- anuncia, sem cerimónias, a instalação de mísseis em Kalininegrado, bem junto à fronteira polaca.
Terá sido decerto o "telegrama de felicitações" mais expressivo que Obama recebeu...
Tudo isto parece tirado de um filme antigo, baseado num qualquer livro de John Le Carré. Mas, não nos iludamos, esta novela é real.
A Rússia parece apostada em seguir a doutrina Bush, mas com um Bush a sério, agora que o ainda inquilino da Casa Branca se prepara para voltar a casa, fechando as malas e metendo o Scottish Terrier na carrinha. Já noutras ocasiões tivemos ocasião de assistir a ensaios desta peça e observar o desempenho russo...
Vamos ver como é que o Presidente Obama irá lidar com esta matéria. A Rússia, mesmo com a sua rendição aos encantos do capitalismo, parece totalmente insensível (tanto no plano cultural, como no económico) aos apelos ao ressurgimento do "American dream" do novo presidente e mostra-se apostada em baralhar as contas dos que acreditam num futuro mais calmo.
Vejamos se os russos não estão persuadidos do mesmo que Obama e os seus seguidores: "yes we can!"

2008/11/05

Obama

Ainda que a eleição de Barak Obama não tivesse constituido propriamente uma surpresa - afinal, todas as projecções lhe eram favoráveis - o modo como obteve esta vitória (estavam contados pouco mais de metade dos votos) é, em si, um facto histórico.
O Mundo está perante um acontecimento impar na história da nação mais poderosa do Mundo onde, pela primeira vez, um cidadão negro chega à "Casa Branca" em Washington.
Os números não enganam: com 338 grandes eleitores escolhidos (53%) contra 163 de McCain (47%), quando ainda decorre o escrutínio na Costa Oeste americana, os 270 lugares necessários para a sua eleição foram amplamente ultrapassados.
Esta é a vitória de uma candidatura que, desde o início, teve a oposição de parte significativa do próprio partido onde, entre outros, se reviam os apoiantes de Hillary. Essa foi, de resto, a sua prova de fogo e é nas "primárias" democratas que devemos procurar a explicação desta imparável dinâmica que terminaria já madrugada alta em Chicago.
Muitos foram (e são) aqueles que acusaram Obama de ter pouca experiência, ser vago nas intenções e ter um discurso redondo que diz tudo e o seu contrário. É provável. Conceitos como "change", "hope" e "yes, we can" não chegam para mudar a América, muito menos o Mundo. Mas, como dizia alguém esta semana a um observador da realidade americana, "tudo isso pode ser verdade, mas só o saberemos se ele for eleito. Primeiro temos de elegê-lo e depois podemos julgá-lo". Haja esperança.

2008/11/03

Magia Sevilhana

Não sei se Sevilha tem mais encanto na hora da despedida, mas a última WOMEX ali realizada será, certamente, lembrada como a feira onde esteve presente a maior representação portuguesa de sempre e a edição onde Camané foi responsável por um dos concertos mais apreciados do certame.
Seleccionado por um juri internacional, que reuniu em Berlim no passado mês de Maio, a actuação do fadista português não era de todo isenta de riscos. Desde logo, porque não possui o carisma das "divas" que o antecederam e, depois, porque em apenas 40 minutos, muita coisa pode correr mal. Juntem-se os nomes sonantes que tinham precedido o cantor português no palco do Teatro Lope de Vega, desde o Flamenco Miguel Poveda (Espanha) ao mago do cimbalon Kalman Balogh (Hungria), passando pelos fabulosos "La Filleta" (Córsega) ou o projecto Mike Marshal + Vasen (USA/Suécia) e pode imaginar-se a tarefa. Mas o "principe" do fado saiu-se bem e as pessoas que, pouco a pouco, foram enchendo a sala do prestigioso teatro, acabaram por ficar rendidas à intensidade da arte transmitida por Camané. Uma emoção que, no dia seguinte, ainda era comentada pelos delegados na Feira, surpreendidos por verem um homem cantar o fado melhor que muitas mulheres...
Depois, a WOMEX propriamente dita. No mais importante certame de "WorldMusic" estiveram presentes 2800 delegados que, durante quatro dias, circularam por entre os dois pavilhões do Centro de Exposições FIBES, onde em permanência estavam 320 "stands" (record absoluto) representando 650 companhias de produtores, agentes, empresários, editores e artistas. De Portugal, destaque para a Associação MUSICA PT, uma organização "chapéu-de-chuva" que congrega já 17 empresas e 5 associados individuais, naquela que foi a maior e mais bem sucedida apresentação lusa na história da feira.
Sábado à noite, foi dia de saída ao "tablao" mais famoso da cidade, "Los Gallos", para apreciar a arte de Choni, uma das muitas bailadoras da dança Flamenca presente em Sevilha. E como se dança bem em "Los Gallos"!
No último dia (ontem) tempo ainda para assistir à entrega dos prémios WOMEX 2008, desta vez autorgados à Academia Sibelius da Helsinquia (Finlândia) pelo seu trabalho em prol da música tradicional e ao grupo Muzsikás (Hungria) pelos seus 35 anos de carreira. Não faltou o concerto final, a provar que os embaixadores magiares estão para durar e que o legado de Bela Bartok continua a ser uma fonte inesgotável. Prémios merecidíssimos, pois, que relevam da força da (boa) tradição musical, em tempos conturbados na industria discográfica internacional.
Em 2009 a feira muda-se para Copenhagen, por um período de três anos. Logo agora, que estávamos a habituar-nos à Andaluzia e às suas "sevilhanas"...

2008/11/02

Episódios da democracia II

Ricardo Pais vai abandonar o TNSJ. O balanço que faz da política governamental na área da cultura é arrasador. Retenho em particular a sua afirmação de que "o governo conseguiu estar à altura de Carlos Fragateiro na maneira como o exonerou." Está consubstanciado nesta frase tudo o que o governo Sócrates tem feito nesta matéria e o que se pode esperar daqui para a frente.
Subscrevo totalmente as apreciações que Ricardo Pais faz.
Não me espantaria que o PM viesse admitir que a política do governo para a área da cultura tem grandes lacunas, que é o primeiro a reconhecê-lo, mas que o país está a braços com as prioridades há muito definidas, que o governo está a fazer o possível no quadro de restrições em que vivemos, os portugueses compreendem-no, etc e tal. O orçamento projectado para a cultura é que já deixou uma marca que não vai sair nem com lavagem a quente.
No meio disto tudo ficará interrompido um trabalho sem paralelo, levado a cabo por Ricardo Pais à frente do TNSJ.

Episódios da democracia I

Não deixa de ser surpreendente verificar que em 2008, 34 anos depois de Abril, volte a haver movimentações da tropa. É também revelador da qualidade da nossa democracia.
A tropa foi, e pretende manter-se, uma das poucas instituições portuguesas que sempre funcionou num quadro de padrões de exigência pouco habitual no país. Por razões várias, à instituição militar não se podem apontar, de um modo geral, os defeitos e vícios de que a generalidade da sociedade portuguesa e das suas instituições padecem e de que todos nos queixamos "no civil".
Contudo, há nas queixas dos militares ressonâncias mais profundas. Eles sabem-no e nós também. E sabe-o o governo. Estas queixas não são de hoje, é justo admiti-lo, mas é significativo que estas movimentações ocorram agora e que seja neste preciso momento que o seu tom de voz sobe.
Não me espantaria que o PM viesse dar toda a razão aos militares, afirmando que é o primeiro a reconhecer a bondade das suas queixas. Não me espantaria também que contrapusesse, como gosta de fazer para baralhar o esquema, o quadro de restrições em que o país vive e a conjuntura difícil que todos os portugueses conhecem, para manter tudo na mesma.
É certo que hoje vivemos em democracia e a ansiedade dos militares tem um outro carácter, menos "underground", se quiserem. E também é certo que o papel dos militares na sociedade portuguesa está muito mais claramente enquadrado e definido. Mas, também não é menos certo que, como diz o general Loureiro dos Santos, os militares "sentem uma certa injustiça relativamente a outras pessoas do serviço público (...) que não correm os riscos que eles correm, nem têm a restrição de direitos que eles têm" e queixam-se de "ignorância e de incompetência no tratamento dos seus assuntos."
O que tem piada é que, para além dos militares, também os outros servidores públicos se queixam do mesmo. E o que tem ainda mais piada é que a sociedade portuguesa, no geral, manifesta exactamente as mesmas razões de queixa.
Já não me lembro bem, mas acho que foi uma situação assim que desembocou no 25 de Abril e gerou depois uma coisa chamada unidade Povo-MFA...