2010/04/23

A agenda de Soares

Em entrevista, a passar hoje numa rádio nacional, o venerando Mário Soares aborda algumas das questões em debate na sociedade portuguesa. Entre as inúmeras pérolas escutadas, algumas são mesmo preciosas. Por exemplo, aquela onde ele diz que se fosse primeiro-ministro nunca iria a uma Comissão de Inquérito (com o argumento de que o prestígio do cargo deve ser defendido). Ou, outra, onde concorda que Manuel Alegre faz parte da família socialista (ainda que diga coisas muitas duras sobre o PS) e que, nas próximas eleições, ele votará naquele que considerar o melhor candidato...
"En passant", não deixa de considerar que este PS é o melhor garante do regime democrático (!?), de elogiar Passos Coelho (pela sua inteligência) e lá voltou a dizer que a Europa não tem líderes. Também reconheceu que a sociedade portuguesa tem cada vez mais desigualdades (porque será?) e que o futuro da sociedade só pode ser o socialismo...
Há muito tempo que Soares não é para levar a sério e, como os iogurtes, também já passou o seu prazo de validade. Acontece que estas figuras, que alguns apelidam de "pais da democracia", crêem poder continuar a influenciar "ad eternum" o curso dos acontecimentos e a comportarem-se como se o país fosse uma coutada pessoal.
Soares não se lembrou de Bill Clinton ou Tony Blair, chefes de governos de democracias consolidadas que, ainda não há muito tempo, tiveram de responder em Comissões de Inquérito Parlamentares nos respectivos países.
Sobre Alegre (goste-se ou não do político) foi um dos poucos membros do PS que ousou criticar a política neo-liberal de Sócrates e, nesse sentido, estar à esquerda da actual direcção do PS. Isto para não falar do estafado argumento de que não há líderes europeus como no seu tempo...
Percebe-se o incómodo: Soares sempre gostou de estar no centro das atenções e nunca perdoou as humilhantes derrotas para a Presidência do Parlamento Europeu ou, mais recentemente, a das últimas eleições presidenciais. Desde então, tudo tem feito para evitar que o PS apoie a candidatura daquele que o derrotou de forma inequívoca.
O seu comportamento revela, afinal, aquilo que sempre foi: um "egotripper", para quem o país está subordinado aos interesses do partido que fundou, enquanto mantém uma agenda paralela de influências, através das quais procura destabilizar as opiniões daqueles que o afrontam.
O "pai da democracia" tornou-se um personagem patético.

Da justiça na República da Pera Rocha

Ironicamente, no mesmo dia em que a Assembleia da República discutia as propostas-lei do combate à corrupção apresentadas pelos partidos à esquerda do hemiciclo, um juíz do Tribunal da Relação de Lisboa ilibava Domingos Névoa da tentativa de corrupção sobre um vereador da Câmara de Lisboa. Lembremos que Névoa, presidente da BragaParques, foi apanhado em pleno acto de corrupção activa pelo advogado Ricardo Sá Fernandes, a quem ofereceu 200.000euros para que o irmão deste (José Sá Fernandes) deixasse de interferir no negócio dos terrenos da Feira Popular.
Este acórdão, que não é passível de recurso, abre um precedente gravíssimo na já de si débil credibilidade da justiça portuguesa e confirma o que sempre se soube: Portugal é um país de corruptos e a justiça é cumplice desta bagunça geral.
Moral desta (triste) história: tivesse Sá Fernandes aceite os duzentos mil euros e nada disto se sabia. Estão a ver como a vida pode ser fácil? Deixem-se corromper que o crime compensa, é a mensagem.

2010/04/22

O "Brunch" (2)

Rui Pedro Soares, o "boy" do PS na administração da PT e do Taguspark, implicado na tentativa de compra da TVI pela PT, recusou-se hoje a prestar depoimentos na Comissão de Inquérito da AR criada para averiguar este caso.
Ao recusar testemunhar - refugiando-se na argumentação genérica do silêncio ao qual disse ter direito - perante uma Comissão com a qual se dispôs a colaborar, Pedro Soares incorre num processo por desobediência civil e a ser condenado por essa atitude. Isto sem saber sequer quais as perguntas a que iria ter de responder na Comissão.
Pior, este procedimento abre um precedente grave e põe em risco trabalhos futuros desta ou qualquer outra Comissão de Inquérito criada para efeitos similares.
Vergonhosa, foi igualmente a posição dos representantes do PS em todo este processo, ao recusarem condenar a atitude de Pedro Soares e a absterem-se na votação final que aprovou uma condenação e nova chamada ao Parlamento do ex-administrador do Taguspark. Sai mais um "brunch" matinal para a mesa do canto!

2010/04/21

"As alterações climáticas não são a causa, mas o efeito do sistema capitalista"

Decorre até amanhã, em Cochabamba, na Bolívia, a "Conferência Mundial dos Povos sobre as Alterações Climatéricas e os Direitos da Mãe Terra". Cochabamba é o local daquilo que foi designado como a primeira "rebelião do século XXI", a chamada "Guerra da Água", contra a privatização do sistema público de fornecimento de água da cidade.
Passados 10 anos é este o local onde 15 000 pessoas de 120 países, entre "aqueles que já sofrem com o aquecimento global", se reunem para "expressarem as suas opiniões" e "dar aos pobres e ao Sul a oportunidade de responder às conversações falhadas que tiveram lugar em Copenhaga", onde, como se lê no programa da conferência, "as nações erradamente consideradas 'desenvolvidas' demonstraram a sua enorme irresponsabilidade e a sua real falta de compromisso para lidar com o problema (das alterações climáticas)."
A conferência vai incluir debates sobre a "dívida ecológica" dos países do Norte, e serão apresentadas propostas para a criação de um tribunal de justiça climático e para a realização de um referendo mundial sobre estratégias de preservação do planeta.
O facto de os povos do Sul tomarem nas suas mãos esta iniciativa parece suscitar reacções nervosas por parte de alguns responsáveis, certamente porque o programa define, sem "rodriguinhos" de linguagem, como causas das alterações  ambientais, não um "problema ambiental, tecnológico ou mesmo financeiro, mas antes o modelo de vida, o modelo ocidental, e a ambição e cobiça capitalista."
Os olhos estão pois postos em Cochabamba.

(Foto: infelizmente desconheço a sua origem.)

O "Brunch"

A fim de dissipar quaisquer dúvidas relativamente às suas declarações, o advogado (ou será jurista?) Paulo Penedos dizia hoje na Comissão de Inquérito, onde foi chamado a depôr, que só responderia àquilo que o seu sigilo profissional permitisse. Declarações que, de resto, já tinha proferido aquando da sua passagem pela Comissão de Ética há dois meses atrás.
Perante tal desconchavo, alguém lhe chamou a atenção para o facto de, nesta Comissão, ele encontrar-se sob juramento e ter de responder a todas as questões, mesmo que isso implicasse haver audições à porta fechada.
Resposta do jurista (ou será advogado?) Penedos: "não estou aqui para responder a ameaças veladas".
Ora, como muito bem lembrou um deputado presente, a Comissão de Inquérito - criada para averiguar da tentativa de compra da TVI pela PT, com conhecimento do governo - está mandatada pelo Parlamento para averiguar esta questão e dispõe de meios legais para fazê-lo. Mais, os deputados ali presentes, são os representantes escolhidos pela Assembleia da República e, nesse sentido, uma recusa de esclarecimentos será interpretada como uma recusa de colaboração no inquérito e poderá ter consequências disciplinares. Ou seja, citando ainda o mesmo deputado, esta Comissão não foi propriamente criada para fazer um qualquer "brunch" matinal.
Nem mais.

2010/04/19

O Estado de Negação

Simon Johnson, ex-economista-chefe do FMI e autor do polémico artigo do NYT, onde comparava a economia de Portugal à da Argentina de 2001, foi esta semana entrevistado pelo "Jornal de Negócios" para repetir o aviso e afirmar que o "governo português está em estado de negação".
Não tardou a resposta pela voz do Secretário de Estado do Orçamento (Emanuel dos Santos), a considerar as declarações do americano sem fundamento e acusando-o de desconhecer os mecanismos do Euro. Segundo Santos, a nossa situação financeira é muito diferente da da Grécia e, caso não estivéssemos no Euro, estaríamos provavelmente como a Islândia...
Acontece que a Grécia, estando no Euro, não deixou de entrar em falência técnica, enquanto a Islândia (ainda que na bancarrota) não faz parte do Euro. Estaria o Secretário de Estado a referir-se aos efeitos do vulcão?
Também não é preciso ser americano para fazer um diagnóstico negro sobre o estado da nossa economia: Medina Carreira, de há anos a esta parte e, mais recentemente, economistas como Silva Lopes, João Salgueiro, Nogueira Leite ou João Duque, afinam pelo mesmo diapasão.
Já sobre o estado de negação é uma característica portuguesa e não é monopólio dos governantes (mentirosos por definição). O estado de negação (ou a não-inscripção) também foi dissecado por José Gil e, ao que conste, este não é economista e muito menos do FMI...