2023/04/03

Costa, o discurso de Calimero e a habitação

Na passada semana, o primeiro-ministro deu mais uma entrevista, agora por ocasião do 1º aniversário da tomada de posse do actual governo. Entre os diversos temas abordados, a habitação mereceu especial atenção, dada a crise no mercado de arrendamento e as medidas propostas pelo governo para combater a falta de casa nas principais cidades do país. 

Das várias medidas anunciadas, a limitação do número de licenças para AL (alojamento local) nos bairros de Lisboa e Porto (as cidades mais turísticas), assim como a obrigatoriedade dos senhorios colocarem as casas devolutas no mercado de arrendamento, foram as mais polémicas. Por outro lado, o governo espera poder construir centenas de novas casas ao longo da legislatura com as verbas do PRR, o que se afigura claramente insuficiente para as necessidades da população, nomeadamente os mais jovens que procuram casa e não têm meios de pagar as rendas exorbitantes pedidas por senhorios e fundos imobiliários abutres.

São muitos os factores que explicam a falta de casas nas principais cidades portuguesas (já que não faltam casas no interior). Desde logo a diminuição de novas construções (enquanto que, até à ultima década se construíam 800 000 casas a cada dez anos, na última década só se construiram 100 000); depois, o abandono de muitos prédios nos centros históricos, posteriormente adquiridos por fundos imobiliários que os transformaram em Alojamentos Locais com vista a rentabilizar imóveis para o turismo; finalmente, a nova Lei de Arrendamento, datada de 2012 (a famigerada "Lei Cristas") que veio liberalizar um sector que estava "congelado" há décadas. Como não se construiram casas em número suficiente, a procura tornou-se maior que a oferta e os donos dos prédios puderam especular com os preços. Actualmente, o valor do metro quadrado em Lisboa, está ao nível de cidades como Madrid ou Milão, com rendas médias de 900 euros nas principais cidades. Rendas incomportáveis para uma família portuguesa, já que os ordenados, em média, não ultrapassam os 1000 euros/mês.

De acordo com os números mais recentes, só em Lisboa e Porto, há 26 mil pedidos de casas municipais, enquanto as casas disponíveis são apenas 700! A grande Lisboa, a região mais afectada, concentra 70% das famílias em carência habitacional (in "Expresso" d.d. 24 de Março). 

Dramática, a situação da habitação, já que toda a gente percebe que, a curto prazo, não haverá uma solução estrutural para o problema. Seriam necessárias milhares de casas, como forma de baixar os preços no mercado de arrendamento. Ainda há dias, na televisão, Victor Reis (arquitecto especializado em urbanismo e reabilitação) dizia que as medidas, anunciadas pelo governo, não iam surtir efeito, pois não é com cinco mil ou dez mil casas que se resolve o problema. Eram necessárias cem mil, para haver efeito nos preços. Reis deu como exemplo a Suécia onde, nas décadas de setenta e oitenta, foram construídas 1 milhão de novas habitações, para resolver estruturalmente o problema de falta de casas. Obviamente que a Suécia é um país rico, mas esse é apenas um aspecto da questão. Na Suécia, como na maioria dos países desenvolvidos da Europa, pensa-se a longo prazo. Para além de ricos, os suecos são organizados. Por isso, também são ricos. Faz-se prevenção, em vez de reacção (o mal português). Quem pensa este país a 10 ou 15 anos? Ninguém.

Os principais partidos do poder (PS/PSD) estão mais interessados em agradar às suas clientelas do que em resolver os problemas reais da população. Os construtores civis (Mota-Engil, Teixeira Duarte, etc.) candidatam-se aos apoios para a construção e os governos contratam-nos, muitas vezes com ajustes directos. Como é sabido, a maior parte das obras públicas em Portugal "derrapam" (vá lá saber-se porquê...) sendo que uma percentagem dos custos reverte para as campanhas partidárias. A construção civil é, historicamente, o maior financiador dos partidos (em Portugal e não só...). É por isso que muitos governantes, quando deixam as suas funções, são convidados para as administrações das construtoras (ex: Ferreira do Amaral na Lusoponte, Jorge Coelho e Paulo Portas na Mota-Engil...). São as chamadas "portas giratórias". Trata-se de patrocinato (se me ajudares, eu protejo-te) ou, nas sábias palavras de Don Corleone: "I'll make you an offer that you can't refuse".

Foi contra este estado de coisas, que em diversas cidades do país, dezenas de milhares de pessoas (a maior parte jovens) desceram à rua, a exigir habitação a preços razoáveis, um direito consignado constitucionalmente. 

O mais ridículo disto tudo, foram, no entanto, as declarações de Moedas (um "tonto") que perante as manifestações em Lisboa, dizia aos jornalistas ser pela habitação, mas não concordar com manifestações ideológicas (como se ele não tivesse uma ideologia). Ainda hoje, num canal televisivo, outra comentadora afinava pelo mesmo diapasão, dizendo que a manifestação de Lisboa (durante a qual se verificaram algumas confrontações entre a polícia e os manifestantes), não era pela habitação, mas anti-capitalista (!?). Pois era. Não tinham percebido?