2014/05/10

MERDRE SUR CALDAS, o peido invisível


O Pacheco, Luís, andou aos caracóis nas Caldas, para comer, quer dizer, comia caracóis - passou no Lisbonense, Hotel, umas férias sem factura nem dívida, errância libertinada, à solta, um dia de fartura e pontapé no cu, em epílogo.
Os caracóis fazem boca para a cerveja, mas os caracóis era o que o Pacheco dava às crias depois de sair do ninho e caçar onde caracolassem, nas estepes caldenso-gaieirenses, matagal de bermas da estrada.
O Pacheco cervejaria? Quer dizer, tudo vale se a alma não é pequena e a sede aumenta e tal. À falta de tinto era sabido que era desportista, embarcava na distância entre o tinto e a canha, o fino, a imperial, o príncipe, o que queiram. Tinha mais que bom feitio, estômago. Se há crise não conheceu outra dívida que não fosse a vida. Era um tipo que, mesmo leninista - a foice no caixão mais o martelo por paixão ao Lenine (clicando vem o brasileiro das cantigas) - era sem medida, inclassificável tanto quanto inarrumável. Não se pode dizer o mesmo de muitos, precavidos e estrategos da sua própria táctica existencial, carreiristas ou mesmo casados por conveniência, como nos negócios reais - de realeza.
Ora ocorreu-me e não é uma ignição (os incêndios são mais para o verão) que a Merdre que ele, Pacheco, aplica a Caldas é do Jarry. Merdre diz Ubu. O Pacheco sonhou-se Rei dos Caracóis, contando com os próprios ossos em paisagem, a ver se eram os que sobravam por estar em pé e se neles os caracóis fariam ninho.
Sei que nada justifica o que colateral é essencial, o que é dizer que a vida de qualquer outro merece uma atenção total - muitos, egocentrados, sem abandonar o útero que os tem para sempre, por preguiça em renda e oportunismo matricial, não percebem: acham que são eles o centro e que todos lhes devem o que eles não cessam de roubar, inadvertidamente, claro, até são boa gente.
Não me move nenhum tipo de idolatria pelo Pacheco, não se pode seguir um pulha mesmo que este faça o pleno dos afectos e tenha graça para esbanjar, mais que qualquer marketing indutor, daqueles que convertem a qualquer moda por razões de troca sócio-estatutária - fazes a madeixa, a tatuagem, pões os saltos muito mais altos, mesmo coturnos.
Outra coisa é a literatura e mesmo o talento (que será? Vem da moeda?), talvez, talento dioptrióptico, espesso filtro de vidro antes de encontrar o real, o que permite ir mais ao fundo que ir à superfície, coisa mais de panorâmicas.
Só agora topei que a porra da Merdre era dupla, a ubuesca e a olfactiva. Em Caldas Sur Merdre, capital do caralho de louça, cheira a merda, quer dizer, a Merdre e não estamos a falar da sua gente institucional, cujo cheiro é certamente indiferencial, mesmo o anal chEira a burocracia comum, institucional global, a reunião, a aconchego sob tecto, a inauguração mecenática parola com BCP ou outra narcotraficância branqueadora.
O camarada Pacheco, bisexual de um só cartão partidário, seu multibanco fora os democratas mais moderado-existenciais, percebeu a ambiguidade da coisa: entre a sulfurosa e olfactiva força da terrenidade subterrânea e a sofisticação termal, perdida na memória, só uma palavra era possível, MERDRE. O francês, o R que canta, dá ao vernáculo luso um toque que faz o glamour do sítio e das gentes. Na verdade é como diz o Carlos B : podemos descuidar-nos que ninguém sabe quem foi. Assim o prevaricador prevarica em paz, a emissão peidal é dos censos e coisa de estatística. Fadada, para a coisa ser perfeita, a plataforma electrónica e análise swotttt. What é que vocês pensam?

2014/05/08

O insustentável peso do medo


Bem sei, o medo combate-se. Mas o combate é muito difícil quando, como anedoticamente ilustrado neste vídeo, o opositor tem a faca e o queijo na mão. Então só pensas em sobreviver, na esperança de que a situação seja transitória, e engoles todos os sapos possíveis: aceitas um ordenado de merda, trabalhas as horas e os dias que o patrão mandar, obedeces a ordens absurdas sem ripostar, aturas as maiores faltas de respeito. Em breve usarás métodos de que não te sabias capaz porque és obrigado a competir com os teus colegas de trabalho e porque eles também os usam, justificas-te perante o grilo da tua consciência. Além disso, apesar de o emprego ser merdoso, sabes que estão lá fora a formar o salto mais uma data de outros desesperados. Isto não é ficção.
Escrevi que o medo segue dentro de momentos. De facto, depois do 25 de Abril, não foi preciso esperar muito para o medo regressar aos nossos corações. Ou melhor, nunca de lá saiu. Num ensaio que para mim funciona como referência, Portugal, Hoje – O Medo de Existir, o filósofo José Gil defende que mantemos em nós um atavismo que nos leva à “não inscrição”; somos nós quem não se consegue inscrever num clube que nos aceita como sócios. Mais depressa acreditamos que um dia um qualquer D. Sebastião sairá da neblina para nos vir resolver os problemas. Porque temos inscrito nos nossos seres esse medo, mesmo os jovens que nunca tiveram a experiência de viver sob um regime repressivo. Porque estas coisas passam de geração em geração, sem que os próprios por vezes tenham consciência disso.




2014/05/06

Limpinhos, limpinhos...

Sem surpresa, o governo anunciou em Bruxelas a saída "limpa" do programa de austeridade, a que Portugal esteve submetido nos últimos três anos. Uma operação mediática, que começara na véspera diante das câmaras de televisão em "prime-time" e que terminou ontem, com alguma "pompa e circunstância", apoiada pelas declarações dos inefáveis Durão Barroso e Jeroen Dijsselbloem, personagens tutelares do programa de "salvação" imposto a Portugal. Já anteriormente, a Troika tinha-se (auto)congratulado pelos resultados obtidos (todos "bons", a avaliar pelos balancetes publicados trimestralmente nos jornais de referência) pelo que não havia surpresas nestas conclusões. Estivéssemos nós em Hollywood e não faltaria o "happy end" dos filmes "cor-de-rosa" a que nos habituaram no passado. "All well that ends well", como diria Shakespeare, para continuar na língua do dramaturgo maior. Do que nos queixamos nós, afinal, perguntava ontem um desiludido deputado da maioria parlamentar? De facto, após tantos sacrifícios, não se compreende que os cidadãos deste país não estejam agradecidos a quem, em seu nome, pediu "ajuda" aos sempre beneméritos organismos bancários que nos "protegem".
Acontece que esta era uma produção "manhosa", arquitectada e produzida por estagiários medíocres de um país há muito desacreditado nas praças financeiras internacionais. Ora, como sabemos, da era dos omnipresentes "mercados" e das agências de notação,  contam muito pouco as intenções e conta muito o peso real da economia. Tivéssemos nós a importância de Espanha ou Itália e outro "galo cantaria". Mas, não temos, e agora é tarde.
Para já, os principais indicadores são, salvo raras excepções (fim da recessão e aumento de exportações) todos negativos. O "déficit" continua acima dos 4%; a dívida pública aumentou para 130%; o desemprego é o terceiro maior da zona Euro (15% da população activa e 35% entre os jovens); mais de 350 000 desempregados, sem qualquer espécie de subsídio; mais 200 000 emigrantes nos últimos dois anos; cortes brutais nos ordenados e pensões de reforma; 20% da população a viver abaixo do limiar da pobreza; 25% de crianças sub-alimentadas; mais de 3000 "sem-abrigo" nas principais cidades do país; dezenas de milhares de empresas falidas e a consequente perda do poder de compra de famílias inteiras, que ficaram sem casa e outros bens pessoais confiscados pelo fisco; aumento dos Bancos Alimentares em todo o país; menos e piores serviços públicos, como escolas, hospitais, polícia e lojas do cidadão, e.o.
Enfim, a lista é longa e visível a olho nu. Porque, no meio deste "tsunami" social, poucos são os que ousam ter filhos, a pirâmide demográfica inverteu-se nos últimos anos e, actualmente, são já mais os que morrem do que os que nascem. Ou seja, o país está mais velho e há cada vez menos gente a descontar para manter o actual estado social. Uma tendência que, a não ser invertida, conduzirá inevitavelmente à diminuição da população (prevista, de resto, para a próxima década) e à desertificação acelerada do país. Sem uma população jovem qualificada e sem uma productividade significativa, o crescimento económico ficará sempre aquém do necessário, o que implicará mais ajuda externa, logo maior dependência económica do estrangeiro. Um programa para vinte anos...
É o que se chama uma "limpeza geral". Não é, pois, de admirar, que os nossos governantes andem tão impantes em Bruxelas. Ninguém os poderá acusar de não sermos limpos.

2014/05/04

YES GIRL OU DA FIDELIDADE CANINA E INSTITUCIO-ANAL

A Cão deputa. Em Lisboa. Na terra não deputa, demanda ansiosamente deputar fora dela mentindo nela o que for necessário para parecer que deputa o que se supõe se depute longe dela – deputam cada vez menos por lá e traficam cada vez mais com o próprio lugar mas também praticam todo o tipo de serviços necessários à seita partidária, de alto abaixo da escala. E particularmente o que for útil ao chefe imediato e ao chefe de topo. 
Com a verdade polida ao momento e algum hálito mastigado fora, mesmo fumado no fumo alheio se necessário, aparece bem montada em qualquer sela: a sua utilidade vem de um saber escuteiro, das catequeses e do ranço que tempera o seu servilismo arrivista, o sorriso gravado na pele como máscara, o hálito polido nos dentes saídos com a graxa das simpatias circunstanciais. 
O que é renda serviçal a mantém à tona. Se for necessária mentira e lucro, tudo bem, pois a quem por cima se mantém o que convém é o que por cima o mantém feito em baixo e com as baixezas traficadas por quem é capaz delas. Ela, Cão, desmanda, não manda, morde apenas no subalterno e morde com os dentes tortos ou os novos-ricos, investidos, principalmente na canela mais sincera que da dentada se não livra pois o que for verdade não tem caminho nela. A Cão detesta a verdade. É crítico o que na canela tem a sua marca de unha partidária arreganhada e não quer pagar o que dizem que deve não devendo – quem afinal vive acima das possibilidades mais que aqueles que foram donos das possibilidades desde que a tal Europa as trocou pela descaracterização lucrativa nacional? Que país é este tal em que assim se deputa a identidade? Nem o das tais três sílabas de plástico, pois esse apesar de tudo silabava e este só grunha.
Pouco manda ela, a Cão, afinal apenas é num quintal. Sua a casota que aí impera, grande casota com vistas para dentro da horta público-privada, querida e regada com a clandestina coisa pecaminosa que é capital secreto, porventura a ver se o que é geneticamente seco se humidifica milagrosamente no final de cada mês. 
É entretanto no quintal da frente que o penteado acontece: é evento em souplesse de sedosa publicidade silenciosa, só de estar na foto. No detrás se faz o desmancho ou o arranjo. O penteado queque é óbvio na frente, com o cabelo que há, a mise em work em progresso é no detrás, os rolos em cascata-croquete delirando na sobre tola sem miolo. 
E quem na Cão se põe? O Cão dela. No momento em que quer ladrar mais acima no estatuto ladra-lhe vociferante para cima de modo canino-masoquista. O Cão cuja cilindrada fede também a nabos vindos daquela frase de um tal Vicente que diz “assim que bafejais logo me cheirais a nabos”. 
Que bicho tem inimigo que não seja de humana ordem aprendido? Cão gosta de gato e gato de rato, o contrário é induzido – fome é outra coisa - e deputado de filha deputar. Deputado aplaude quando a batuta chefe lhe bate no bestunto. Quer dizer, se mandam ladrar ladra e não bate palmas. Mas há quem nem boca abra na magna assembleia quatro anos dados. Deputar calado colhe. Deputa com quem o calado? Deputa com ninguém, mas consigo, por certo. E consigo prossegue caninamente o que o umbigo inidentificável lhe dita – que pequeno burguês diz eu que seja identificável mais que ser o que tudo possa ser dizendo eu e sempre a dar à anca? Que lhe dita o umbigo? Dita-lhe que bingo: sigo caninamente o cimo e quando o cimo anda perdido melhor é andar na sombra e desacontecer – o deputado nem sempre é performativo. Com aos que sei Cão como ela, ou ele, são muitos. Deputa com não sei quantos que com certeza deputam e são de deputar disso, calados ou acontecidos. Serão? São e com que habilitação que seja? São de assim condizer com o nada ser mais que rebanho e nem diploma tenham mais que o cartão partidário. Saber? O quê? Para quê? Melhor é calar e abrir a boca para sim dizer o que convier ao que de cima ditarem. Lá vir opinar isso é outra coisa e é no quintal detrás. É colar bem no ouvido de quem traficar.