2013/01/11

Portugal em 3D

Conta-se que, quando tiveram lugar as primeiras projecções públicas de cinema, os espectadores fugiam quando viam a imagem de um comboio aproximar-se no ecrã, em "direcção" à plateia. A pouco e pouco a habituação apagou o efeito de surpresa. Com o 3D dos anos 50 procurou-se de novo chocar o espectador. Hoje esta tecnologia, muito mais apurada, permite um efeito ainda mais realista.
Apesar das reacções, as imagens produzidas com a velha tecnologia não passavam de ilusão, mas também o era o 3D dos anos 50 e o poderoso 3D de hoje também não é a realidade. Em qualquer dos casos ilusão é o efeito que se pretende criar. Os Na'vi, de facto, não existem...
Com uma simples câmara movida a corda ou com um sofisticado sistema de objectivas duplas, digital, a filmar em alta resolução, o objectivo é sempre o mesmo: produzir um universo virtual que leve o espectador a criar a ilusão de que está mesmo lá dentro e lhe permite povoá-lo com as ficções que o autor induz.
Em Portugal vivemos neste momento em plena era 3D. O governo e os restantes agentes do poder (todos os agentes das diversas formas de poder!) não precisaram sequer de distribuir óculos especiais à população. Tenta-se fazer os Portugueses comer por bom um universo totalmente artificial, criado com perícia e eficácia é certo, mas que não deixa por isso de ser o que é: uma enorme, uma monumental pantominice.
Repare-se, por exemplo, nisto. Aqui há dias foi dito (e não foi desmentido por ninguém!) que o "negócio do resgate" a Portugal permitiu um rendimento de 57% aos investidores. Uma personalidade qualquer alemã (já não me lembro se do governo ou do BCE) chegou mesmo a confessar que a própria Alemanha tinha lucrado bastante com o tal "resgate". As notícias correram os blogs, as páginas do Facebook e foram "tweetadas" até à exaustão. Quando digo "negócio do resgate" refiro-me àquilo que Passos Coelho e o ministro Gaspar classificaram como uma inevitabilidade, o tal "custe o que custar" que obrigou Portugal inteiro a vergar-se à sua lógica e à sua tirania, provocando uma das maiores catástrofes sociais de que há memória em Portugal.
O negócio foi correndo de vento em popa, mas agora, a malta agita-se... As mentiras destes vigaristas, comissionistas locais da finança agiota que tenta tomar conta dos nossos destinos, são cada vez mais evidentes para o comum dos cidadãos, mesmo daqueles para quem a "política" é tabu. A leviandade e a má fé são cada vez mais evidentes e o cataclismo social está cada vez mais iminente. Passos Coelho perde manifestamente o pé. As comadres zangam-se, as fissuras começam a ver-se. O esquema liberal, neoliberal ou como lhe queiram chamar estala por todo o lado, apesaar dos retoques. O arranjinho está em perigo.
Os "mercados" decidem então desapertar a tarraxa e baixar a taxa de juro das "maturidades" (este jargão é impagável!) a 5 e 10 anos para valores semelhantes aos que tínhamos "no final de 2010". São as novidades de hoje.
Em breve (querem uma aposta?), Coelho virá à televisão ou aproveitará um momento em que lhe estendam pressurosamente os microfones e as câmaras para anunciar, sem contradita, que está mau mas estamos no caminho certo e que os "mercados" reconhecem o esforço de Portugal. E irá dizer que vamos finalmente poder reentrar nos "mercados", graças ao esforço feito. Serão estes "mercados" —onde não estamos, mas onde vamos poder reentrar— os mesmos que acham que estamos no bom caminho e que provocam a baixa do juro do mercado secundário? Ou serão os que lucraram 57% com o resgate português? Mistérios...
Este tipo de contradições multiplica-se ad nauseum. Não parece contraditório, por exemplo, o destino que está a ser dado a este resgate se tivermos em conta as razões que motivaram o seu pedido? Não parecem contraditórias as opções estratégicas tomadas face aos problemas estruturais de que o país padece, tão repetidamente apontados? Não parece contraditório apontar esses problemas, não tomar uma única medida para os solucionar e usar o "resgate" para continuar a promover as causas que levaram ao seu aparecimento?
Os deuses não sorriem a Passos Coelho e parece claro que são cada vez mais os que topam a mentira. O negócio parece pois estar em perigo. Há que, pensarão os mercados, dar alguma folga para não o perder. O governo esclarece-nos que é tudo consequência do nosso bom comportamento. Mas, a verdade é que tudo isto não passa de um escandaloso acto de prestidigitação, ao lado do qual aquele truque do desaparecimento do Boeing parece brincadeira de amadores.
Os portugueses olham atónitos e horrorizados para tudo isto. E muitos vêem um ministro exibir o bronze de Copacabana enquanto procuram a marmita há muito esquecida no fundo da despensa e recolhem cartão para fazer a cama.
Portugal. Em 3D. Sem óculos e sem vaselina.

2013/01/10

Here we go again...

Desenganem-se aqueles que pensam que a economia portuguesa vai voltar a crescer nos tempos mais próximos ou que haverá aumento de emprego por via de investimento feito no nosso pais, única forma de criar riqueza para sair da recessão actual.
Como se não bastassem as medidas de austeridade aplicadas no último ano e meio, que deixaram o cidadão comum a “pão e laranja”, veio ontem o governo anunciar mais um “pacote” de medidas de “ajustamento” (gosto desta palavra) sugeridas pela Troika. As sugestões são de tal modo gravosas que, a serem aplicadas, nos conduzirão à idade das trevas. Provavelmente, é esse o desejo do governo, ainda que não seja de descartar a hipótese de tudo isto não passar de um balão de ensaio para avaliar a reacção da população. Outra hipótese, é a coligação governamental estar a fazer um “tour de force” preparando desta forma uma “demissão honrosa”, caso o Tribunal Constitucional venha a chumbar o OE para 2013. A probabilidade de que, em seu lugar, surja um governo de inspiração presidencial (tecnocrático ou partidário), para prosseguir esta politica suicida, como foi tentado na Grécia (com Papademos) ou em Itália (com Monti), não deve tão pouco ser descartada, quando conhecemos o histórico do FMI em situações semelhantes.
Obviamente que, eleições antecipadas, poderiam, teoricamente, dar a possibilidade aos eleitores de se pronunciarem sobre a justeza e a lógica da actual austeridade. Poderia, inclusive, dar a vitória ao maior partido da oposição, o que não significa que este possa obter uma maioria confortável para governar e, eventualmente, renegociar as condições da “dívida soberana”. Essa força só poderia surgir de um governo de coligação que estivesse verdadeiramente interessado em defender os interesses de Portugal, sem se vergar ao “diktat” da Alemanha e do FMI, coisas que o actual PS não parece estar em condições de fazer, muito menos se não fizer uma aliança à esquerda. 
Estamos pois, perante um dilema, para o qual não se vislumbram soluções fáceis ou de curto prazo, agora que a população foi de tal forma aterrorizada que parece aceitar todas as medidas impostas por este governo. Quando terminar o “ajustamento”, o pais não estará melhor, mas pior, como todos os índices o provam. Ora um pais pior, será um pais mais vulnerável e sujeito a pressões inaceitáveis por parte daqueles de quem dependemos: os credores e as instituições bancárias que nos financiam para pagarmos as dívidas aos primeiros. Um ciclo vicioso que, conduzirá a mais recessão e a um eventual segundo resgate para pôr as contas em dia...Mas, alguém acredita ser esta é a receita para sair desta crise?  Obviamente que não e, mesmo dentro da coligação, as primeiras fissuras são já visíveis. Provavelmente, vamos assistir a mais vozes discordantes, vindas agora de notáveis de ambos os partidos, o que pode originar uma nova realidade: a da implosão do governo, provocada pela insatisfação dos seus próprios membros. Que seja amanhã!