2024/03/12

Uma outra leitura urgente das eleições de 10 de Março


Ontem, num dos directos das intervenções finais dos líderes partidários, o cavalheiro, que aqui não vou nomear, que parece ter-se atribuído o  papel de capo do “bom povo português” afirmou, com pose estudada e perante o aplauso dos seus pares, que o seu partido reduziu “a extrema esquerda à sua insignificância.” Mas acrescentou, logo a seguir, que conquistou “eleitorado de direita e do centro-direita no centro e no norte do país.” Para ele, a eleição de domingo foi “um ajuste de contas com um país silencioso (…), de muitos que viram a esquerda dominar todas as nossas instituições, sem que houvesse qualquer pensamento crítico ou contraditório.” Disse ainda que “este país cujas instituições foram sequestradas, começará agora a ser libertado, pouco a pouco, em todas as instituições (sic)” E, rematou, “começaremos já amanhã a libertar Portugal da esquerda e da extrema esquerda.” 

É preciso ver estas afirmações pelo significado que, efectivamente, têm. Não se trata de conversa fiada. O tom e a pose revelam, sem margem para dúvida, ao que vem.

Não é preciso ser particularmente inteligente para perceber o alcance de tudo isto, o quanto esta conversa cai fora do funcionamento legal dos princípios da República, quem está ameaçado por este posicionamento terrorista e quais as consequências que, a qualquer momento, este palavreado pode ter para a nossa Democracia e para a vida das nossas comunidades. O fundo sonoro da bota cardada ouve-se distintamente. As afirmações do führer de Algueirão, feitas assim, às escâncaras, perante a escandalosa passividade de todos os partidos e instituições democráticas, não podem ficar impunes. E que triste exemplo de modelo nos estamos a permitir a dar à juventude, quando deixamos que uma figura deste calibre se dê ao luxo de se exibir desta forma!

Só há um responsável por termos batido tão baixo na nossa Democracia. Está na foto oficial. Só há um responsável pela total perda de controlo sobre todo este processo. Só há um responsável por termos visto um governo, legitimamente eleito, com maioria absoluta, tombar a meio do seu mandato. Só há um responsável por toda a confusão que está neste momento gerada, que dá azo a intervenções como aquelas que cito no início. E se tudo isto foi, como se diz por aí, instigado por esse responsável, essa manobra inqualificável, no vocabulário político, só tem um significado possível. 

A figura, politicamente já toda esfarelada, que habita transitoriamente o Palácio de Belém, tem contas a prestar aos Portugueses. Sem metáforas, sem jogos florais ou malabarismos de linguagem, cumprindo tão somente a Lei. É bom que o faça, e já. 

2024/03/11

Uma vitória de Pirro e um imbróglio presidencial


Os portugueses foram a votos e os resultados são conhecidos:

A Aliança Democrática (AD) ganhou por uma "unha negra" (29,5%) e conseguiu 79 deputados.

O Partido Socialista perdeu por uma "unha negra" (28,7%) e conseguiu 77 deputados

O Chega, foi o grande vencedor da noite (18,1%) e quadruplicou os deputados (48) 

A Iniciativa Liberal (5,1%), o Bloco de Esquerda (4,5%) e o PAN (1,9%), mantiveram o mesmo número de deputados (respectivamente 8, 5 e 1).

O Livre foi o segundo vencedor da noite (3,3%) e quadruplicou os deputados (4)

A CDU (3,3%) foi o segundo grande derrotado da noite (4 deputados). 

A abstenção foi de 33,8%, uma diminuição relativa a 2022 (42%). 

Contas feitas, a Direita (AD/IL/Chega) tem 135 deputados e a Esquerda (PS, BE, Livre, CDU e PAN), tem 90 deputados. Nestas cálculos, não estão incluídos os votos pelo Círculo de Emigração (4 deputados).

Surpresa pelos resultados? Só parcialmente. 

Há semanas que as sondagens apontavam para uma tendência de vitória à direita, com crescimento exponencial do Chega e uma disputa cerrada entre os dois maiores partidos (PS e AD). Restava saber qual a composição final do Parlamento, já que a entrada do Chega para o governo é altamente improvável. Neste capítulo, a Esquerda (90 deputados) tem mais deputados do que a Direita Democrática (87), mas não pode crescer mais, enquanto a AD pode crescer à sua direita. 

Resta saber, qual será a decisão de Marcelo, após ouvir os partidos com representação parlamentar. 

De acordo com a tradição, o presidente da república, convida o partido mais votado para formar governo. Acontece que, neste caso, nenhum partido conseguiu uma maioria, pelo que se não houver acordos entre partidos, o futuro governo terá de negociar à esquerda e à direita, para obter os consensos necessários à sua sobrevivência. Não parece fácil e, o mais provável, é haver eleições ainda este ano. 

Este é o dilema de Marcelo, que ao dissolver o parlamento em condições polémicas (ainda por esclarecer) arriscou uma solução estável que não resultou. Pior: a interrupção da legislatura a meio, não só não deu uma vitória clara ao seu partido (PSD) como ajudou a extrema-direita populista a crescer mais do que o desejado. 

Marcelo, o criador de factos políticos, pode ter ficado prisioneiro da sua própria estratégia: queria a direita democrática no poder e arrisca-se a perder o controlo dos acontecimentos, caso Montenegro dê o dito por não dito (não é não) e negoceie à sua direita para poder sobreviver. 

Uma última palavra sobre a governação socialista. A maior responsabilidade por este resultado negativo é do PS, que teve todas as condições para governar (uma maioria absoluta, quatro anos de legislatura, apoios europeus, turismo e "contas certas"), mas não conseguiu resistir aos inúmeros casos que atingiram o seu governo, minado por episódios que acabariam por abalar a confiança dos portugueses. O episódio, despoletado pelo caso "Influencer", acabaria por ser a gota de água que fez transbordar o copo. Ainda que as acusações estejam por provar, a imagem da governação ficou definitivamente manchada e a demissão do primeiro-ministro foi apenas a sua consequência lógica.    

Resta, agora, esperar pela nomeação do próximo primeiro-ministro e do governo que vai dirigir. Uma tarefa ciclópica que não augura bons tempos.