2014/09/12

Here we go again...



Não constituiu propriamente uma surpresa a declaração de Barak Obama feita (simbolicamente) na véspera do aniversário do 11 de Setembro, sobre as intenções dos EUA em liderar uma coligação internacional para atacar as forças Jihadistas do Estado Islâmico. Depois dos avanços verificados no terreno pelos fundamentalistas, do anúncio da criação do Califado do Levante e das chacinas levadas a cabo pelos mercenários que integram estas tropas sanguinárias, era esperada uma reacção forte dos países ocidentais. As recentes decapitações dos jornalistas, acompanhadas de ameaças directas a Obama, seriam a "gota de água" que fez transbordar o copo da política de contenção, anunciada pelo presidente americano aquando da sua primeira eleição em 2008. Nessa campanha eleitoral, Obama prometeu retirar as tropas americanas do Iraque e do Afeganistão até finais de 2014, um processo que está em vias de ser concluído. Depois de anos da política expansionista, seguida pelos "neocons" de Bush, que acreditavam na exportação do modelo democrático ocidental através da chamada "nation building" (ensaiada de forma desastrosa no Iraque), o povo americano cansou-se da guerra. Não só esta consumia meios humanos e materiais incomportáveis para o país, como a prática demonstrou que os EUA não tinham capacidade para manter uma guerra prolongada de guerrilha em duas frentes, o que viria a revelar-se fatal para a "estratégia de dominó" preconizada por Cheney e Rumsfeld. A perda de popularidade deste modelo (baseado em mentiras, como as "armas de destruição maciça") constituiu um forte golpe no orgulho americano e revelar-se-ia fatal para os republicanos. As teses dos "falcões" do regime perderam peso na política externa e a eleição de um democrata, menos agressivo, foi tudo menos surpreendente.
Acontece que, no "aftermath" da guerra, os EUA deixaram um país (Iraque) ingovernável, entre outras coisas porque destruiram os pilares do estado (polícia, exército e o aparelho administrativo do partido Baas) mantidos pelo regime ditatorial de Sadam. A uma ditadura, seguiu-se o caos e neste proliferou o banditismo, como se tem visto naquela região desde a queda do regime em 2003. O país ficou praticamente dividido em três regiões distintas, controladas por Shiitas, Sunitas e Curdos, que se digladiam entre si.  Junte-se a este "cocktail" explosivo, o aparecimento do Al Qaeda (que transformou o Iraque num campo de treinos) e, mais recentemente, a guerra civil na vizinha Síria, que libertou os "demónios" jihadistas agrupados no que alguma imprensa chama, eufemisticamente, de "rebeldes" e temos reunidas as condições necessárias para uma "tempestade perfeita". Não por acaso, o auto-proclamado estado islâmico foi ali anunciado. O que se seguirá, ainda não sabemos. Mas, não será bom, com certeza. Para já, foi anunciada uma coligação de 10 países para combater o monstro. Obama já declarou que os EUA não vão voltar a uma guerra clássica (leia-se, com tropas no terreno), mas limitar-se-ão a bombardeamentos aéreos. E quem é que fará o trabalho "sujo", no campo, onde todas as batalhas se decidem? Essa é a questão. Sabemos sempre como as guerras começam, mas nunca sabemos como (e quando) acabam.  Lá vamos nós outra vez...

        

2014/09/10

No maior parolo cai a nódoa

Há uma série de televisão, relativamente popular, chamada "A Teoria do Big Bang". Alguns dos que me lêem já a terão visto. Um dos personagens, o Sheldon, amesquinha sistematicamente um outro personagem, o Howard. Num episódio em particular, Howard, um engenheiro com um mestrado do MIT, pega-se com Sheldon, um doutorado em física teórica, detentor de um QI de 187, e desafia-o a elogiá-lo uma vez na vida.  "Diz-me, por uma vez, que sou bom naquilo que faço", exige-lhe. Sheldon, admirado mas aliviado, diz que não é problema. "Eu nunca disse que tu não és bom naquilo que fazes, o que fazes é que não é útil".
Vem isto a propósito de um programa da TVI24 — um programa de "referência", dizem de si próprios — a que ontem, por infeliz acaso, acabei por assistir. O tema interessava-me e fui ficando, apesar da presença dessa pestilência televisiva que dá pelo nome de Medina Carreira, cuja imagem, vá-se lá saber porquê, me causa brotoeja. António Coutinho, o investigador, fez neste caso de compère.
Entre o chorrilho de banalidades e de conceitos mal amanhados que, certamente por um qualquer fenómeno emético, foram sendo sucessivamente expelidos pelos intervenientes, houve um momento precioso, que ilustra bem o nível a que chegaram as ditas elites portuguesas, com o pivot a tentar colaborar, de forma patética, com os dois charlatães.
Deixo aqui a transcrição do tal momento. Procurei que fosse o mais fiel possível, mas quem tiver pachorra pode confirmar tudo aqui.
Falava-se, a dado momento, da evolução dos doutoramentos em Portugal nos últimos 12 anos. Via-se o gráfico que ilustra este post. Era o último de uma série deles com que estes gajos julgam ganhar credibilidade, crescia a expectativa, esperava-se a revelação final e depois, quem sabe, talvez o dilúvio ou mesmo o apocalipse.
AC - 37% de todos os doutorados nos últimos 12 anos são em ciências sociais e humanidades [afirma convicto]. Evidentemente que podem contribuir para o tecido produtivo, mas pouco...
MC - Mas isto o que é? É investigar... em sociologia?
AC - Eu não sei o que é xôtôr...
MC - Ah, não sabe...
AC - É sociologia. Alguns são economistas, provavelmente...
MC - 37%… [comenta, aparte, arvorando ar indignado, Carreira…]
AC - ... As ciências da educação, as ciências sociais, essas coisas...
Esperemos que não sejam o rigor e a isenção aqui demonstrados, os atributos que Coutinho coloca na sua actividade de investigação ou na condução das instituições por onde tem passado. De Medina não se pode esperar mais...
Sheldon teria certamente morrido de inveja ao dar conta deste rigor e isenção do iminente investigador do Karolinska, do Pasteur ou do IGC. Se o Sheldon tivesse ouvido Coutinho, não hesitaria, estou certo, em escrever ao Passos Coelho propondo-lhe a sua nomeação para ministro da blue skies science. Assim, em English e tudo...
Uma coisa é certa: o Sheldon tem infinitamente mais graça que o Coutinho.

A "Rentrée"

in http://oficialdejustica.blogs.sapo.pt/


Contrariamente ao estabelecido pelo calendário, Janeiro nunca foi, para mim, o primeiro mês do ano.
Desde muito novo que me habituei a olhar para Setembro como o mês da renovação, ou do reinício, provavelmente um resquício das minhas memórias escolares. O fim do Verão e o aparecimento das primeiras chuvas, sempre foram bem mais importantes que a mudança de ano, algures no pico do Inverno, quando as condições climatéricas permanecem inalteráveis... 
Agora que o Verão parece ter terminado, e os discursos da "rentrée" já tiveram lugar, resta-nos aguardar as novidades de uma temporada, que se antevê longa e cheia de surpresas. 
Folheio os jornais da manhã, na procura de notícias estimulantes e sou levado a concluir que a mudança de estação não condiz necessariamente com a mudança de práticas e atitudes que nos levem a acreditar que algo vai mudar para melhor.
Veja-se o caso de encerramento e concentração de tribunais, executada nas últimas semanas em todo o país, onde a solução administrativa encontrada foi criticada por todos os interessados (magistrados, funcionários e utentes) que viram o já de si difícil acesso à justiça ainda mais dificultado por uma lei que destruturou por completo um sistema que parece agora não servir a ninguém. O caos está instalado, as salas de tribunal instaladas em contentores, os sistemas operativos não funcionam há duas semanas e a própria bastonária da ordem de advogados, perante tal descalabro, exige a exoneração da ministra.
Ou o caso da colocação dos professores eventuais que, pela enésima vez, se vêem relegados para uma miserável existência, eufemisticamente denominada de "horário zero", o que para milhares deles mais não significa do que o desemprego mascarado. Que o número, este ano, ronde "apenas" mil professores nestas condições, mais não significa que o abandono em massa da profissão que muitos deles abraçaram e os tem levado a emigrar para outras paragens.
O mesmo pode ser dito relativamente à crítica situação do sector da saúde, onde os encerramentos e concentrações anunciadas não servem as populações mais desfavorecidas, obrigadas a optar por hospitais particulares, onde a prestação de serviços se tornou impagável para a maioria dos utentes. Não por acaso, os acidentes mortais como consequência da falta de pessoal (veja-se os casos de Faro ou Évora) têm vindo a aumentar, uma prova inequívoca de que as soluções economicistas, encontradas pelo actual ministério, apenas tendem a desmantelar o SNS e a favorecer os sistemas privados, conforme as indicações da Troika sempre exigiram. 
Finalmente, as privatizações anunciadas - Saúde, PT, TAP, Comboios da linha de Cascais, etc. - que confirmam o que já se sabia: a necessidade urgente de privatizar o que dá lucro, seja para desmantelar o aparelho de estado (e dessa forma alijar as suas obrigações), seja para conseguir capitais necessários ao pagamento dos juros da dívida publica, que já atinge os 130% do PIB nacional.
A acrescentar a esta visão pessimista, necessariamente embaciada pelas condições atmosféricas, resta-nos falar do paupérrimo debate de ideias, oferecido por dois potenciais candidatos ao cargo de 1º ministro e de que, ontem, vimos apenas o primeiro "round". Alguém comprava um carro em segunda-mão a Costa ou a Seguro? Eu não, certamente.
Sim, a "rentrée" está aí, mas a chuva, que cai interruptamente há três dias, não é ainda suficiente para limpar uma situação que parece tornar-se estruturante e para a qual não parece haver solução à vista...