2019/03/20

Brasil-EUA: quando os "bons espíritos" se encontram


Contrariamente ao que tem sido a tradição de anteriores presidentes brasileiros, a primeira visita ao estrangeiro de Jair Bolsonaro, não foi à Argentina, mas aos Estados Unidos da América.
Faz sentido. Bolsonaro nunca escondeu a sua admiração por Trump, o seu ídolo.
Agora que o Brasil necessita de abrir-se ao exterior, para cativar investimentos em áreas nevrálgicas para a sua economia, nada melhor que o "amigo americano", para garantir o apoio e a cooperação de que o pais precisa.
Mas, Bolsonaro e Trump comungam outras coisas, para além de interesses económicos. Ambos são particularmente broncos, desprovidos de qualquer experiência ou visão política; não se lhes conhece uma ideia positiva, sobre questões prementes para o planeta, como o desarmamento ou o clima; ambos governam por "tweets" e usam "fake news", através das quais espalham o ódio, que é a "marca de água" de todos os seus discursos; ambos são apoiados pelas facções mais retrógadas da sociedade, desde o "Tea Party" e os "Wasp" (que defendem a supremacia branca na América), até às seitas evangélicas e os ruralistas, que pululam no Brasil; ambos são profundamente racistas e xenófobos, seja contra os negros e imigrantes (Trump), seja contra os negros e índios (Bolsonaro); ambos são notórios misóginos e criticam os movimentos de emancipação das mulheres; ambos defendem o uso de armas por civis.
Não admira, pois, que a sua estratégia, seja semelhante.
O alvo é o mesmo: fanatizar os grupos dominantes na sociedade, assustar o adversário, mobilizar os deserdados. A abordagem, também é a mesma: gerar bolsas de ódio contra indivíduos ou colectivos. Os temas escolhidos, são idênticos: queremos andar armados, a família está sob ataque (ideologia de género), os imigrantes aproveitam-se das facilidades das nossas sociedades e ficam com os nossos empregos.
Quando Bolsonaro foi eleito, em finais do ano passado, muitos analistas duvidavam que pudesse ser tão cretino, ao ponto de pôr em prática as ideias que defendeu antes das eleições. Um atentado, de que foi vítima durante a campanha eleitoral, poupou-o à humilhação nos debates, para os quais não estava manifestamente preparado. Um tosco, o Jair.
Nessa altura, as opiniões dividiram-se sobre o caminho que o presidente poderia seguir, quando fosse eleito: manter-se coerente com o seu discurso, contra tudo e contra todos, correndo o risco de ficar isolado; negociar com as bancadas dos sectores que o apoiam no Congresso, os tradicionais três "Bs" (Bala, Boi e Bíblia); ou decidir, de acordo com as matérias em discussão, tentando "surfar a onda" conforme os temas e os apoios. 
Menos de três meses decorridos sobre a tomada de posse, a presidência de Bolsonaro não podia ter sido mais errática. A tal ponto que, Olavo de Carvalho, um dos ideólogos do populismo brasileiro, já veio avisar que, caso o governo não melhore, o Brasil corre sérios riscos de um golpe militar. Lembremos, que os militares, têm 8 ministros no actual governo, mais de 1/3 do total de governantes. Os casos começam a ser muitos e demasiado graves para passarem em claro: Bolsonaro (a exemplo de Trump, de resto), começou por levar a família para o governo. Um dos filhos (governador do Rio) foi, entretanto, associado às mílicias para-militares, acusadas de matarem Marielle Franco, há um ano atrás. Os alegados assassinos, já foram presos, faltando esclarecer quem foram os mandantes. O outro filho, que faz parte do governo, depois do pai ter anunciado a proclamação da Lei de Porte de Armas, foi o primeiro a exibir uma arma, em vídeo divulgado nas redes sociais. O pai, não lhe ficou atrás e declarou, após o morte dos alunos da escola em Suzano, que dormia com uma arma debaixo da almofada. Não contente com isto, divulgou um vídeo de índole pornográfica, sobre os "desmandos" do carnaval carioca, que pode valer-lhe um "impeachment". Frequentemente, as suas declarações são emendadas pelos assessores e, não raro, os ministros têm de vir desculpá-lo pelas "gaffes" cometidas. Pior, era impossível.
Conforme escreve o "El País" de hoje: "Quando o presidente assinou um decreto para facilitar a posse de armas no Brasil, a professora Marilene Umizu, escreveu numa rede social: "Estamos a favor do porte de livros, que é a melhor arma para salvar os cidadãos na educação". No dia 13 de Março, a professora Marilene, era um dos sete corpos crivados de balas no solo da escola estatal Professor Raul Brasil, em Suzano, na região de São Paulo. Bolsonaro não é o responsável directo pelo massacre. Não premiu o gatilho. Mas, deve ser responsabilizado por apertar todos os dias o gatilho com as suas palavras e actos, perante 200 milhões de brasileiros, como fez durante a campanha em que imitava uma arma com os dedos".
Um dos seus assessores, Mayor Olímpio, chegou ao desplante de declarar que "se os professores estivessem armados, podia ter-se evitado a tragédia". Entretanto, o filho mais velho de Bolsonaro, senador eleito, já apresentou o primeiro projecto-lei: A autorização para instalar fábricas civis de armas e munições.
É este Brasil que convive com o genocídio da juventude (negros na maioria, as principais vítimas) e um índice de criminalidade de 63.000 mortos por ano (a maior do Mundo), para além do silêncio que continua a pairar sobre mais de 200 mortos desaparecidos durante a ditadura militar.
Nas conversações entre Bolsonaro e Trump, não foram estabelecidos acordos, mas intenções. Sobre instalação de uma base americana em Maranhão, sobre privatizações que facilitem a entrada de capital americano no país e uma política mais flexível de taxas aduaneiras, o que obrigará o Brasil a "abrir mão" do seu proteccionismo, em troca de entrada na OMC, na OCDE e, quem sabe, na NATO (!?). 
Não é pois de admirar que Bolsonaro, após o encontro com Trump, tenha declarado à Fox News que estava em sintonia com o presidente americano e que os imigrantes deviam ser impedidos de entrar no país, pois muitos deles eram criminosos.
É verdade. Os índios, que o digam!