2020/12/13

Da cultura de violência e da irresponsabilidade em Portugal

Nove meses após o bárbaro assassinato do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk, às mãos de agentes de "segurança" do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa, já muito foi escrito e dissecado. Sabem-se os pormenores, mas desconhecem-se as razões de tal procedimento. Porquê torturar e deixar morrer um homem, portador de um passaporte válido que, aparentemente, só queria tentar a sorte no nosso país? Não sabemos.  

Conhecemos a história oficial: Ihor chegou ao aeroporto de Lisboa no dia 10 de Março último, onde lhe foi barrada a entrada por, alegadamente, querer trabalhar em Portugal e não possuir um visto, exigido a cidadãos que não pertencem ao "Espaço Schengen". Seguiu-se o interrogatório habitual e a detenção do cidadão, com vista à sua deportação para Istambul, onde tinha embarcado. Dado que Ihor só falava ucraniano, foi pedida uma intérprete, que confirmou a intenção de Ihor desejar trabalhar em Portugal. Até aqui, tudo normal. Aparentemente, Ihor terá recusado regressar à Turquia, o que conduziu à sua prisão numa sala especial, onde os passageiros em trânsito são mantidos em isolamento. O que aconteceu nos três dias em que esteve detido, foi mantido em segredo até ao dia 17, quando o médico-legista chamado para confirmar o óbito, reconheceu e denunciou sinais de tortura no corpo de Ihor, que apresentava escoriações várias, sinais nas pernas de fita isoladora e lesões graves no tórax, que acabariam por impedi-lo de respirar e causar a sua morte. Esteve 15 horas atado e virado de cabeça para baixo, após ter sido torturado por 3 agentes, com o silêncio cúmplice de 9 outros agentes, que sabiam da situação e encobriram o crime. Um crime, cometido por agentes do Estado português, num país da União Europeia. Imperdoável.

A história só viria a público em finais de Março, tendo havido reacções (tímidas) dos principais partidos e organismos como a Amnistia Internacional, a exigirem um inquérito rigoroso e a suspensão dos agentes em questão. Nove meses depois (até à passada semana) o governo manteve a directora do SEF em funções, não tinha contactado a viúva de Ihor (que teve de pagar do seu bolso a transladação das cinzas) e nunca apresentou condolências. Dado que ainda não houve julgamento (os 3 agentes acusados foram suspensos de funções e aguardam em casa pelo processo) está por atribuir uma verba de indemnização, normal em casos semelhantes. 

Há muito que Portugal é criticado nas relatórios da Amnistia Internacional. Devido a torturas, mas também por falta de condições dos detidos (prisões sobrelotadas e sem condições de salubridade), penas indiscriminadamente aplicadas, violência doméstica, etc... Um país, onde a justiça está ao nível de países do "3º Mundo". Lembremos que, ainda há bem poucos anos, apareceu um cadáver decapitado (pela polícia) numa esquadra de Sacavém. Outros casos, mais recentes, confirmam estas práticas (espancamento de residentes nos bairros da Jamaica e na esquadra de Alfragide, disparos mortais contra automobilistas em fuga e, ainda esta semana, espancamento numa esquadra de Vila do Conde, que custou dois dentes a outro cidadão ucraniano...). Isto, para não falar das recentes mortes de comandos recrutas, durante exercícios de treino, como é sabido. Todos estes episódios (e não sabemos tudo), denunciam uma cultura repressiva e de punição, praticada por indivíduos (instituições) que deviam zelar pelo bem-estar das pessoas (nacionais e estrangeiros) num país onde o estado de direito é suposto funcionar. 

Muitos destes funcionários são pessoas com pouca preparação e distúrbios mentais (psicopatas) que, provavelmente, foram recusados para outras funções e acabaram por ir parar às agências de segurança (aeroportos e não só), onde podem dar livre curso à violência reprimida. Tivemos 50 anos de fascismo e uma guerra colonial (que estropiou milhares de jovens) e muita gente foi educada nesta cultura de violência. Muitos ainda andam por aí (basta ler os seus comentários nas redes sociais) e não hesitariam em praticar idênticos crimes, se tivessem oportunidade para isso.  

Tudo isto tem de ser avaliado, revisto e renovado, sob pena de instituições como o SEF continuarem em "roda livre", tornando-se um "estado dentro do estado". Para isso, são necessários gestores da coisa pública (políticos, magistrados, directores de serviço) com coragem, uma coisa que não abunda na classe dirigente do país, onde "toda a gente é amiga de toda a gente" e tem medo de tomar decisões impopulares para "não ferir susceptibilidades". Todos eles têm "telhados de vidro" e, por isso, António Costa mantém Eduardo Cabrita -  um "yes man", burocrata e medíocre - como ministro da tutela. Os amigos são para as ocasiões.