2019/10/26

DOCs: o cinema documental está bem e recomenda-se



Na recta final, a 19ª edição do DOCs continua a apresentar muitos e bons documentários.
Dos filmes vistos, destaque para o ciclo "Verdes Anos", onde são exibidas primeiras obras e obras de jovens autores em início de carreira.
Dois portugueses, "Simulacro" e "Casa na Praia", respectivamente de Duarte Maltez e Teresa Folhadela e dois estrangeiros, "Não nos representam" de Irene Muñoz Martin (Espanha) e "A Family Tale" de Claudia Ciepiel (Dinamarca), foram as nossas escolha desta semana.
Ainda que os meios (e experiência) dos jovens realizadores, sejam condicionantes a ter em conta, a verdade é que a qualidade dos filmes apresentados era bastante desigual.
Interessante, o documentário de Maltez, ainda que curto (9'), no qual, através de uma montagem rápida e nervosa, o autor mostra diversos excertos da sociedade de consumo, numa crítica implícita à volatilidade dos dias.
Menos interessante, pareceu-nos o filme de Teresa Folhadela, um típico produto de finalista, onde a autora nos mostra imagens de uma família (a sua) algures na Foz do Porto. Imagens, sem qualquer comentário, onde os personagens vão passando em frente à câmara, enquanto os dias passam, entre refeições, passeios na praia e um simpático cão...
Bem diferente, foi o filme de Muñoz Martin que, para além dos meios ao dispôr (desde logo expresso no tempo e na qualidade das imagens) tinha uma pergunta que percorria todo o filme: quem nos representa? Os manifestantes do movimento 15M, Franco, os actores contratados, as pinturas de Goya ou o cinema do real? Um documentário de qualidade, a mostrar uma maturidade bem longe dos trabalhos (necessariamente incipientes) de um finalista de Belas Artes. Finalmente, o filme de Ciepiel: um contido, mas belo ensaio sobre a família e a morte de um ente querido (o pai) em imagens sóbrias, que lembram Bergman e a austera tradição luterana.
Um dos filmes mais aguardados desta edição, a estrear brevemente no circuito comercial português, era "The Brink" (Alison Klayman), sobre a ascensão da nova-direita americana.
O filme acompanha o antigo estratega da Casa Branca, Steve Bannon, nas eleições intercalares nos Estados Unidos e nos seus esforços de mobilização dos partidos de extrema-direita, para ganhar assentos nas eleições para o Parlamento Europeu de Maio de 2019. Ainda que não revele nada que não saibamos, o filme de Klayman é um bom "road-movie", sobre um homem reaccionário, mas inteligente, que parece ter uma única missão na vida: construir um movimento de extrema-direita a nível internacional. Esta "nova direita" (de ideias velhas) dispõe de muito dinheiro (ex-presidente da Goldman Sachs, milionários chineses no exílio, doadores anónimos) dispostos a financiar pessoas pouco recomendáveis: Farage (UK), De Winter (Bélgica), Salvini (Itália) ou Marine Le Pen (França). Para já, estes republicanos da Alt-Right, perderam as intercalares nos EUA, o que impedirá Trump de construir o muro na fronteira do México, símbolo maior da América proteccionista (economia para os americanos). Depois e apesar dos contactos na Europa (onde vive num castelo próximo de Roma) Bannon não parece convencer todos os nacionalistas convocados para um jantar em Londres. Estes precisam de dinheiro e de uma ideia comum. Qual? Os imigrantes, os refugiados? O guru americano faz-lhes uma proposta: o "nacionalismo económico". Um conceito "apelativo", que já foi experimentado na Alemanha da Krupp, Daimler-Benz e Hugo Boss. Na altura chamava-se "nacional-socialismo". O nazismo, para os mais distraídos. Por alguma razão, o filme começa com imagens do campo de extermínio de Auschwitz. O "sistema perfeito", nas palavras de Bannon. O homem é sinistro.
O DOCs termina este fim-de-semana. Hoje serão entregues os prémios dos filmes a concurso. Com esta edição, termina igualmente o consulado de Cíntia Gil, a dinâmica directora do Festival nos últimos 10 anos, responsável por uma equipa de mais de 50 voluntários, que organizam o melhor festival de cinema em Portugal. A partir do próximo ano, Cíntia Gil, irá coordenar o festival de Leeds, onde a esperam novos desafios. O DOCLISBOA, esse, continua. Até para o ano!

2019/10/21

O DOCLISBOA, está de volta!


Como é da tradição, em Outubro, voltou o DOC's.
Na sua 19ª edição, o mais importante Festival de Cinema Documental em Portugal, apresenta, uma vez mais, um programa rico e variado nas suas diversas vertentes. Do documentário puro e duro aos filmes mais experimentais, dos novos realizadores aos nomes consagrados, da produção nacional aos filmes a concurso, o DOCs afirmou-se ao longo dos últimos anos como um evento incontornável, este ano com mais de 300 obras em estreia e em retrospectiva, organizadas em blocos temáticos, onde não são esquecidos os mais novos, para além dos painéis e "workshops" com a presença dos realizadores convidados.
Nesta edição, destaque para a secção "Retrospectiva", com um ciclo dedicado à realizadora libanesa Jocelyne Saab e o ciclo "Ascensão e queda do Muro - O cinema alemão de Leste" (filmes realizados na ex-DDR entre 1946 e 1991).
Regressam as secções "Riscos" (documentário e experimentalismo); "Da terra à Lua" (discriminação, racismo e colonialismo); "Heart Beat" (sobre música e músicos); "Cinema de urgência" (Habitação, Fascismo no Brasil, Jornalismo Independente); "Verdes Anos" (jovens realizadores); "Competição Internacional" e "Competição Nacional".
Dos documentários, entretanto vistos, destaque para o filme de abertura "Longa Noite" de Eloy Enciso (Galiza), sobre as memórias da ditadura franquista. Um belo filme, ainda que algo contemplativo e sombrio, onde os intérpretes recitam trechos clássicos da poesia, teatro e literatura espanhola, para além de cartas do exílio e da prisão, sobre os anos negros da repressão na Galiza.
Na segunda sessão, integrada no ciclo "Descolonizar a Memória", dois excelentes documentários sobre o colonialismo português e o colonialismo belga em África. O primeiro documentário, "A Story from Africa" de Billy Woodberry (USA), é uma impressionante reconstrução a partir de arquivos fotográficos  de uma ocupação do exército português do território do povo Cuamato no Sul de Angola, em 1907. O segundo documentário "Palimpsest of the Africa Museum" de Matthias de Groof (Bélgica) acompanha as discussões em torno da renovação do Museu Real da África Central na Bélgica e da possibilidade da sua descolonização. Dois poderosos documentos, que nos remetem para a Memória Histórica e de como esta pode ser preservada, agora com o olhar que as descolonizações  permitem. Ambos os autores estiveram presentes no debate que se seguiu às projecções.
A maior surpresa do dia, seria, no entanto, o excelente filme "Prazer, Camaradas!" de José Filipe Costa (Portugal). Uma comédia, onde se fala de temas sérios, como relações de produção, relações entre géneros, solidariedade e sexualidade, numa cooperativa agrícola da Azambuja, nos conturbados anos do PREC.  José Filipe Costa, realizador do polémico "Linha Vermelha", onde revisitava o documentário "Torre Bela", do alemão Thomas Harlan, volta assim ao tema da obra anterior.
"Prazer, Camaradas!" desenrola-se depois do 25 de Abril de 1974, numa época em que muitos estrangeiros vinham para Portugal ajudar no trabalho agrícola, dar consultas médicas e aulas de planeamento familiar. O realizador serviu-se de um jogo teatral, com recursos à dramatização, interpretado por habitantes da região, com base em documentos da época. Um estilo "sui-generis" que, a espaços, lembra Miguel Gomes (O meu querido mês de Agosto, Tabu, 1001 noites...) ou, nas cenas de maior erotismo, o jugoslavo Dusan Makavejev (WR: os mistérios do organismo) quando o realizador lê trechos da obra de Wilhem Reich...
Bons filmes no DOCs, como é habitual, que continua até ao próximo domingo, dia 27. 
        
    

2019/10/20

Catalunha: ponto de não-retorno?

Na Catalunha, a crise política atingiu (novo) ponto alto na semana que hoje termina.
Particularmente, a noite de sexta para sábado, foi de violência extrema, com centenas de feridos, entre as forças policiais e os manifestantes, para além dos presos, calculados em mais de uma centena. Só na cidade de Barcelona, os prejuízos causados pela destruição foram de mais de 2 milhões de euros. Também nas principais cidades catalãs, como Tarragona, Lleida ou Vic, as manifestações não foram menores. Em dia de greve geral na Catalunha, a marcha dos catalães independentistas (em direcção a Barcelona) atingiu mais de 525.000 participantes, a acreditar nos números policiais.
Nada de novo, numa das regiões mais agitadas do continente europeu que, ciclicamente, manifesta o seu descontentamento contra o poder centralista de Madrid e defende mais autonomia (independência?) do território catalão.
É assim, pelo menos, desde o século XVII, quando Portugal (re)conquistou a sua independência a Espanha, à custa do esmagamento das pretensões catalãs, que Filipe III temia perder para o rei de França, aliado daquele povo espanhol. Podia ter sido ao contrário, caso a coroa espanhola tivesse virado as suas atenções para Portugal e a Catalunha se tivesse tornado uma nação independente, como sabemos...
Durante os meus anos de exílio, trabalhei com diversos catalães (alguns refugiados da ditadura fraquista) e todos me lembravam este facto, sempre em sãos convívios de solidariedade ibérica. Nunca me esquecerei deles e, quanto mais não fosse, só por isso, sinto uma "dívida" e simpatia pela luta dos povo catalão que nunca disfarcei. Também sei que o sentimento independentista na região, não é geral. A sociedade catalã (7 milhões de habitantes) está profundamente dividida quanto a esta questão e, a acreditar nas últimas sondagens (datadas de Julho), se houvesse um referendo oficial, a maioria da população (53%), seria contra a independência. A questão, é que nunca houve um referendo oficial e a constituição espanhola (datada de 1978) não o permite. Seria necessário alterar a constituição, o que obriga a uma maioria de 2/3 no Parlamento, uma fasquia até agora impossível de obter. Felipe Gonzáles (PSOE) não o conseguiu na década pós-franquista, quando a Espanha estava mais focada em consolidar a jovem democracia e em aderir ao Mercado Comum; Aznar, na linha franquista e conservadora que sempre dominou o PP,  nem de tal queria ouvir falar e a última tentativa de conceder uma maior autonomia à Catalunha (que não a independência) data de 2007, quando Zapatero iniciou conversações e fez propostas nesse sentido. Nos governos de Rajoy, a questão voltou à "estaca zero" e, em 2010, quando as exigências voltaram às ruas catalãs, as condições impostas pelo PP foram tantas (42 artigos da Constituição) que tornaram impossíveis quaisquer desbloqueamentos da situação. Nos últimos dez anos, com altos e baixos, as contestações a Madrid não têm diminuído. Destas, o último acto (falhado) foi o referendo de 1 de Outubro de 2017. A partir dai, a história é conhecida: reacção autoritária de Rajoy, que accionou o famigerado artigo 155 (retirando o controlo da Catalunha ao governo regional) e a repressão em massa, que se saldou por centenas de prisões e julgamentos dos principais responsáveis pelo acto de desobediência civil contra o poder central. Alguns desses responsáveis (Puidgemont, etc...) conseguiram fugir, exilando-se em diversos países europeus, tendo sido julgados à revelia. Outros governantes (12) permaneceram em Espanha e continuam presos. Foram estes 12 políticos presos que, esta semana, foram condenados a penas, que vão de 9 a 13 anos de prisão. Esta é a causa próxima das últimas manifestações e da violência verificadas esta semana na Catalunha, tudo indicando que vão continuar.
Perante este quadro, que alguns já chamam de pré-guerra civil, o governo minoritário de Sanchez (PSOE), actualmente em campanha para ganhar as próximas eleições de 10 de Novembro, adoptou uma posição cautelosa e formal, apoiando a decisão do Tribunal Supremo e distanciando-se assim das pretensões independentistas. Sanchez pensa, desta forma, agradar ao Rei e conter o desgaste à direita, onde o PP, os Ciudadanos e o VOX, são a favor da unidade espanhola e estão a subir nas sondagens. À esquerda, o Podemos ensaiou uma posição conciliadora, ao declarar que a decisão judicial não resolve o problema (que é político), enquanto os pequenos partidos, das Baleares ao País Basco, para não falar dos catalães, querem uma solução mais democrática e descentralizadora. Pelo menos, o direito a referendar esta questão, que seria uma concessão (não isenta de perigos) às pretensões das regiões autónomas.
Um impasse total, numa questão que tem séculos e que não parece solucionável com os actuais actores políticos. Para bem da Catalunha, de Espanha, e da própria Europa, criatividade precisa-se, agora que os movimentos nacionalistas e xenófobos ganham terreno, numa União Europeia desprestigiada e onde o apelo ao proteccionismo é transversal a mais países.