2017/11/11

Postais da Holanda (2)


Na curta estadia que nos levou à Holanda, e aproveitando uma ida à cidade de Haia, revisitámos um dos nossos museus favoritos naquele país, a Mauritshuis, situada na Plein 29, uma fervilhante praça pejada de esplanadas, mesmo junto ao Parlamento holandês.  
A Mauritshuis é, de há muito, um dos mais famosos museus de arte na Holanda. O Museu alberga o Gabinete Real de Pintura, constituido por 841 objectos, sendo a maior parte pinturas da Idade de Ouro da pintura holandesa.
As colecções contêm trabalhos de Johannes Vermeer, Rembrandt van Rijn, Jan Steen, Paulus Potter, Frans Halls, Jacob van Ruysdael, Hans Holbein, para além de muitos outros.
Originalmente, o edifício foi a residência do Conde John Maurice de Nassau. Actualmente é propriedade do governo da Holanda e está incluído nos 100 lugares de Herança Histórica Holandesa. Em 1822, a Mauritshuis abriu ao público para alojar o Gabinete Real de Pintura e o Gabinete Real de Raridades. Em 1875, o Museu tornar-se-ia disponível para pintura, tendo sido privatizado em 1995. Em 2007, o Museu anunciou o seu desejo de expandir e, em 2010, foi apresentado o "design" definitivo para as futuras instalações. A renovação iniciou-se em 2012, o que obrigou a um encerramento temporário do Museu, tendo ficado concluida em 2014. Durante a renovação, mais de 100 pinturas foram temporariamente transportadas para o GemeenteMuseum da cidade. Cerca de 50 outras pinturas, incluindo a famosa "Rapariga com o Brinco de Pérola" de Vermeer (provavelmente, a mais famosa peça do Museu), foram emprestadas para os Estados Unidos e Japão, onde estiveram expostas.
O Museu seria reaberto em 27 de Junho de 2014, ocupando agora uma área que quase duplica a original e que liga dois edifícios, através de uma galeria subterrânea, onde estão instaladas as bilheteira, vestiário, loja do Museu e outros apoios. Um elevador transparente liga os diversos andares, que podem ser visitados aleatoriamente, dado que estão ligados por uma escadaria central que atravessa todo o edifício. Graças ao mecenato, o Museu adquiriu recentemente 10 novas peças representativas do período clássico e contemporâneo, entre os quais devem ser destacados quadros de Rembrandt, Karel Appel e uma escultura de Picasso. Muitos destes quadros pertenciam a particulares e organismos vários que o estado holandês, numa meritória iniciativa,  adquiriu para enriquecer a colecção do Museu.
É difícil destacar as obras que mais admiramos e que sempre nos surpreendem a cada visita. Que mais pode ser dito sobre obras como "A lição de anatomia do Dr. Nicolaas Tulp" (Rembrandt), "Vista de Delft" (J. Vermeer), "The Young Bull" (Paulus Potter) "Laughing Boy" (Frans Halls) "Self-Portrait" (Rembrandt), "Night Scene" (Rubens) ou a "Rapariga do Brinco de Pérola" (Vermeer), para citar alguns dos mais famosos?
Uma revelação permanente, a Mauritshuis, na melhor tradição holandesa de museus e de pintura, ao qual regressamos sempre, com redobrado prazer.       

2017/11/07

Postais da Holanda (1)

Maria Esmeralda Mendes (1943-2009) era portuguesa e viveu na Holanda, para onde se exilou em 1971. Enfermeira de profissão, foi detida pela PIDE, após ter participado numa greve da classe, no hospital onde trabalhava. Devido às ameaças recebidas, decidiu sair do país, primeiro para Paris e, posteriormente, para Amsterdão, onde acabaria por radicar-se durante 38 anos. 
Durante a permanência na capital holandesa, a sua actividade inicial dividiu-se entre a enfermagem, que exerceu nos primeiros anos de residência e uma activa participação junto da comunidade de portugueses exilados, ao tempo organizados no Comité de Refugiados Portugueses na Holanda.
Após um acidente de trânsito, que a obriga a ficar em casa sem ocupação, redescobre uma antiga paixão pelo desenho e pela pintura, desenvolvida na Escola António Arroio, que chegou a frequentar.
Segue-se um período de grande produção, onde a par da pintura (naíve), desenha e escreve para publicações locais e para Portugal. A sua primeira exposição, tem lugar em 1983, por iniciativa de Vitor da Silva Tavares, editor da & Etc., que publicou igualmente o seu primeiro livro "Rigor Mortis".
Os anos oitenta, são os mais produtivos da sua curta, mas intensa carreira, com inúmeras exposições em galerias e museus na Holanda, Bélgica e Portugal, onde o seu trabalho começa a tornar-se reconhecido. É convidada a ilustrar diversas publicações holandesas e são dela todas as capas de uma série, dedicada a autores portugueses, da editora De Prom. Na mesma época, a prestigiada revista literária holandesa "Maatstaf", dedica-lhe um portofólio, onde sobressai um elogioso texto do escritor, radicado na Holanda, Rentes de Carvalho.
Estamos no início da década de noventa e as suas pinturas (maioritariamente sobre mulheres) tornam-se icónicas e são disputadas por coleccionadores dentro e fora do pais. De novo, a doença, impede o desenvolvimento natural da sua carreira, o que a obriga a reduzir a actividade, assim como o ritmo das exposições. Alarga o campo de interesses e criatividade a outras áreas, como a gravura e a escultura, que desenvolve, a par da pintura, do desenho e da escrita.
Os seus últimos anos, são parcialmente passados em Caminha (Alto Minho), onde se refugia por períodos cada vez mais longos. As suas pinturas reflectem, agora, temas ligados à natureza que a rodeia, iniciando uma nova fase na sua profícua actividade, sem que o traço e a cor percam a força e a coerência. É entrevistada por Maria António Fiadeiro para o JL, que com ela realiza um documentário televisivo e colabora com a escritora Luísa da Costa, para quem ilustra o livro "Os Magos".
Na área do teatro, colabora na feitura dos cenários da peça "Ensaio Geral" (Horovitz) levada à cena pela Companhia do Chiado, em finais dos anos noventa.
Todas estas informações e muitas outras, foram este ano publicadas em livro por Dirk Baartse, seu companheiro ao longo de 38 anos, autor do texto e da composição gráfica de "Maria Mendes, uma biografia", em edição bi-lingue, cuja tradução portuguesa esteve a cargo de Rui Mota.
O livro foi, recentemente, apresentado na Biblioteca do Complexo De Hallen, em Amsterdão, perante uma assistência maioritariamente composta por amigos holandeses e portugueses da pintora. A organização esteve mais uma vez a cargo da agência Q-Arts (Teresa Pinto) e contou igualmente com a presença do prof. Fernando Venâncio, que faria uma comunicação sobre "Autores e rivalidades na literatura portuguesa, ao longo da História", para além da projecção do filme "Sonhar não custa dinheiro", um docu-drama sobre mulheres portuguesas (e.o. Maria Mendes) na Holanda.
Uma sessão evocativa, que justificou a viagem a um passado recente, numa cidade onde tivemos o privilégio de conhecer e conviver com a homenageada. A memória, também se faz destas coisas.

 
 

2017/11/05

Dias Maus


De acordo com o advogado de defesa de um dos "seguranças" da discoteca "Urban Beach" (o nome é todo um programa), o seu cliente teve um "dia mau", o que explicará os pontapés que deu na cabeça do jovem atingido por três defensores da "ordem e tranquilidade" na praia urbana. De resto, e ainda segundo o mesmo advogado, trata-se de equimoses "sem grande importância": um olho negro, um lábio rachado, um dente partido, uma perna esfacelada, dores no corpo, três semanas de recuperação médica, tudo coisas fáceis de "sarar", como se depreende... 
O que é isto, comparado com as agressões sofridas por dois jovens em Coimbra, barbaramente espancados perante testemunhas e provas irrefutáveis, gravadas em vídeo, como aliás já tinham sido testemunhadas e gravadas as agressões da mais famosa "praia portuguesa"?  Certamente, um "dia mau" dos agressores, que continuam a monte, apesar da gravidade do acto (passível de uma pena por tentativa de homicídio até 25 anos) como foi sublinhado por todos especialistas ouvidos neste caso.
O mesmo, ainda que com outros contornos, se passou com aquela mulher que teve o azar de ser raptada pelo seu ex-companheiro e ser igualmente espancada pelo ex-marido, num caso de extrema violência doméstica, que um acordão anedótico equiparou a "punição bíblica".
Dias maus.
Imaginemos que todos nós - que temos maus dias - saíamos à rua e desatávamos aos pontapés nos primeiros cidadãos que encontramos para, dessa forma, libertarmos a frustração pelos dias menos bons, que a nossa pacata vida encerra?
Nem quero imaginar.
Pior do que tudo isto, em si já extremamente preocupante, é saber que estamos dependentes de agentes da justiça (advogados, magistrados, polícias...) que continuam a interpretar a lei e a sua aplicação de forma a garantir o máximo de protecção para os (confessados) agressores e o mínimo de garantias para o comum dos cidadãos.
Não por acaso, a violência gratuita (doméstica e no espaço público) tem vindo a aumentar na sociedade portuguesa, como se depreende dos inúmeros relatórios e provas (filmes) com que somos confrontados diariamente nas redes sociais. Certamente, uma consequência da proliferação dos "smartphones", que permitem em tempo real divulgar muita da violência que campeia nas escolas e não só.
O que todos estes casos parecem revelar, é a existência de um caldo cultural que, a banalizar-se, pode tornar-se um "modo de vida" (a banalidade do mal), cujas consequências são de todo imprevisíveis. Uma coisa é certa: onde falham as instituições (o estado) cresce a criminalidade. É dos livros.
Não faz sentido que um estabelecimento comercial (neste caso uma discoteca) tenha sido alvo de 38 queixas no último ano, por violência privada, a cargo de uma qualquer empresa de segurança (!?) que se comporta como um "estado dentro do estado", sem que nada tivesse acontecido.
Trinta e oito dias, são dias maus demais.