2020/11/02

Eleições Americanas: the winner takes it all




Sempre que há eleições nos Estados Unidos, o Mundo "divide-se" no apoio aos candidatos em presença.

Há quem afirme, inclusive, que os europeus deviam poder votar nas eleições americanas, tal a importância do seu resultado para as relações com a Europa. 

Se já era assim no passado, as eleições deste ano ganharam um interesse acrescido, dadas as características dos candidatos concorrentes. 

A pouco mais de 24horas da votação final, Joe Biden (democrata) segue destacado à frente de Trump (republicano), uma tendência constante desde Março último, quando a actual pandemia atingiu os EUA. Um pormenor não despiciendo, dadas as consequências económicas e sociais, que esta crise provocou em todo o território americano.

No entanto, em 2016, Hillary Clinton também chegou ao dia das eleições com 3% de vantagem na popularidade nacional (acabaria por ganhar com 3 milhões de votos de diferença), mas perdeu para Trump no Colégio Eleitoral. Antes dela, Al Gore tinha perdido as eleições para Bush em 2000, ainda que tivesse ganho em votos. Dois resultados recentes, que os Democratas não esqueceram. 

Desde Março deste ano, que Biden está à frente em todas as sondagens de popularidade. Seria, no entanto, um erro pensar que ele vai ganhar. As sondagens de popularidade dizem algo sobre qual o candidato que vai ganhar mais votos, mas não necessariamente as eleições. Isto, porque nos EUA não é válido o princípio do número nacional de votos, mas o princípio "The winner takes it all". O candidato que receber mais de 50% dos votos de um estado, fica com os votos todos desse estado. 

Em finais de Outubro, Biden tinha cerca de 54% das intenções de voto, contra 46% de Trump. Os votos dos Democratas oscilavam entre 6 e 10%, à frente do voto dos Republicanos. 

Os debates, realizados em Setembro e Outubro, não parecem ter influenciado a tendência de voto, manifestada ao longo do ano. Isto, porque 90% dos votantes já fizeram a sua escolha e não foram influenciados pelos argumentos esgrimidos nesses frente-a-frente. Em 2011, Trump tinha 4,6% de votos atrás de Clinton e ganhou. Desta vez, Trump tem menos 8,4%. A diferença, é que Trump e Clinton alternaram nas sondagens, enquanto a diferença para Biden é constante. Os analistas, consideram que, mesmo que Biden venha a perder parte deste avanço, poderá ganhar com uma diferença de 3 a 4%, o suficiente para ficar dentro da "margem de erro". 

Resumindo, o que é importante, não é o número total de votos, mas onde é que esses votos são ganhos. Se um candidato ganhar num estado muito populoso, tem mais hipóteses de ser presidente. Ou seja, as Sondagens Eleitorais dizem mais sobre as hipóteses de um candidato, do que as Sondagens de Popularidade. No dia das eleições, o presidente não é eleito directamente, o que só acontece através do colégio eleitoral. Este colégio é composto por 538 votantes. Um candidato necessita de 270 votos deste colégio para ganhar as eleições.   

Nesta contabilidade, importa reter algumas tendências importantes: os EUA têm 50 estados. Em 15 destes estados (os estados "azuis"), ganham os democratas. A manter-se a tendência, isso corresponde a cerca de 200 representantes no colégio eleitoral. Em 20 destes estados (os estados "vermelhos") ganham os republicanos. Isto, corresponde a cerca de 125 representantes no colégio eleitoral. Restam os chamados "estados oscilantes" (swing states) onde os candidatos surgem empatados e com margens de diferença muito pequenas. São eles, a Florida, North Carolina, Arizona e os estados da chamada "cintura de ferrugem" (rust belt): Pennsylvania, Ohio, Michigan, Wisconsin. O Texas é, tradicionalmente, um feudo republicano, mas este ano pode mudar, pelo que também é considerado um "swing state". Neste universo, e tendo em conta as populações de cada estado, pode dizer-se que quem ganhar a Pennsylvania e a Florida, quase de certeza ganhará as eleições. 

Finalmente: as projecções do passado fim de semana (31/10) confirmam a vantagem de Biden, tanto a nível da popularidade nacional, como a nível do colégio eleitoral. A combinação destes dois factores, é a mais importante. Em 3 dos "swing states" (Michigan, Pennsylvania e Wisconsin) Biden tem uma vantagem de 5% sobre Trump. Isto significa que, a confirmarem-se estas projecções, Biden poderá contar com 343 votos no Colégio Eleitoral, mais do que suficiente para ser proclamado presidente. 

A história, no entanto, pode não terminar aqui. A pandemia actual, que atingiu números impensáveis há alguns meses, já atirou para o desemprego mais de 11 milhões de americanos, muitos dos quais dificilmente voltarão a conseguir emprego. Os desempregados, dependem de um sistema social e de um sistema de saúde, debilitados pelas políticas economicistas, agravadas nos anos de Trump. O actual presidente negou o perigo do coronavirus, rejeitando, inclusive, a opinião de cientistas reputados, entre os quais Fauchi, o principal assessor da casa Branca para a saúde. Ainda há dias, o ridicularizou, após uma entrevista do médico ao "Washington Post", onde este criticava as medidas de Trump para combater o vírus. Junte-se a isto, a queda do PIB norte-americano, em mais de 10%, e a crise social que já atinge mais de 30 milhões de cidadãos daquele país e percebe-se melhor a dimensão desta tragédia, provocada pelas políticas negacionistas do pior presidente da História dos EUA do último século. Não por acaso, mais de metade dos americanos criticam a abordagem de Trump durante a crise do Coronavírus. Biden pode, aqui, ganhar pontos.  

Acontece que, perante a eminência de uma derrota, Trump desvaloriza a contagem dos votos por correspondência e já ameaçou recorrer para os tribunais, caso os resultados não lhe sejam favoráveis. Vale tudo nesta corrida e o "bulling" republicano é constante. Ontem, uma caravana do candidato democrata, foi impedida por apoiantes de Trump de atravessar o Texas. Um dos manifestantes era o filho do próprio presidente (!?). Enquanto tudo isto acontece, a extrema-direita organizada em milícias armadas de "supremacistas brancos", desafia a lei e exibe-se nas ruas das principais cidades, sem que ninguém os impeça. Sem que déssemos por isso, a sociedade norte-americana, caminha a passos largos para o fascismo. 

Também por isso, a derrota de Trump é importante. Biden não será o candidato ideal (que raio, os democratas não arranjavam ninguém melhor?), mas é a única escolha possível. Para os norte-americanos, não há alternativa. Para os europeus, maioritariamente democratas, ele também é o menos mau. Eu, se fosse americano, para que Trump abandonasse a Casa Branca, até no Rato Mickey votava...