2011/03/25

Pacheco e o caos

Pacheco Pereira, certamente um dos paineleiros mais "preocupados" com a crise que atravessa Portugal, veio ontem (num programa onde semanalmente debita verdades inquestionáveis), avançar a sua tese de "salvação" para o país: PS e PSD (os causadores da crise, note-se) devem acordar um programa político comum, antes das eleições, para assegurar uma governação "mais estável" no futuro. Isto para acalmar os "mercados" e a sociedade portuguesa. De outro modo, voltamos à ditadura da "rua", às manobras do PCP e do Bloco, ao caos, em suma...
Se o Pacheco não existisse, isto não tinha graça nenhuma, temos de admitir.

2011/03/24

Ditadura de pantufas (3)

Entre "coligações negativas" e a possibilidade de criação de uma "coligação positiva" para  ir mantendo as aparências, há um dado que pode estar a escapar-nos a todos. Há tempos opinei aqui que os agentes políticos portugueses subestimavam as capacidades de Sócrates, o seu grau de ambição e o seu instinto político. A falta de uma avaliação correcta do primeiro ministro tem tido consequências trágicas: tivemos de o continuar a gramar para além da manifesta ultrapassagem do seu prazo de validade e agora arriscamo-nos a vê-lo sair reforçado de tudo isto. Exagero? Mmm... vamos ver como se comportam os seus principais rivais.
Na intervenção a anunciar a sua demissão o primeiro ministro reiterou como firmeza a sua determinação em apresentar-se de novo ao sufrágio eleitoral, e se os outros partidos do "arco da governação" acham que já derrotaram Sócrates é melhor pensarem duas vezes. Não houve líder do "arco do poder" a gerir o poder do arco como ele até agora e, no final de contas, é esta gestão que conta para o poder instalado, ou sistema, como um dirigente desportivo um dia chamou à mafia do futebol.
Duas coisas são certas: no plano interno, Sócrates não tem contestação credível e, por outro lado, os outros líderes do sistema têm-se revelado uns verdadeiros anjinhos no confronto com ele.
Confiar a defesa dos verdadeiros interesses do povo português à capacidade dos outros líderes para gerir o  "arco da governação" contra a ambição e resiliência de Sócrates é um gravíssimo erro político.
A luta pode fazer-se com alegria, mas não com ingenuidade. Só poderemos exultar com as eleições quando isto for compreendido. Senão, daqui a uns três meses vamos escolher mais do mesmo.

2011/03/23

Ditadura de pantufas (2)



Não pode deixar de chocar a pressão que os políticos e comentadores de serviço do regime exercem sobre os portugueses. Pais, mães, tios, tias e primos da democracia portuguesa, todos opinam. Afinando as gargantas e com mais ou menos variações recomendam, instam, urgem em coro os partidos a estabelecer alianças para a salvação da república neste momento de crise.
Mas, quem é que, na perspectiva desta "família democrática", claramente disfuncional, entra na aliança? Que partidos? Ora, o PS, o PSD e o CDS, pois claro, os tais partidos auto-designados do "arco do poder", os mesmos que, enquanto "arco do poder" e com o poder de definir o arco, deixaram o país neste estado e repetem repetem agora incessantemente que as outras forças presentes na AR, mesmo que representando uma percentagem significativa da população, têm o poder de se auto-excluir desse arco.
"O próximo governo vai exigir mais do que a vontade de um partido", diz um. "Há mais a unir estes partidos [euro, Europa, economia de mercado] do que a dividi-los", justifica outro.
Não creio que os milhares e milhares que desfilaram nas manifestações dos passados dias 12 e 19 tão pouco se revejam nesta lógica do "arco do poder".
O que podem os Portugueses esperar pois para afastar os efeitos da crise? Mais controlo sobre a dívida? Mais medidas para transformar a economia e combater a pior recessão deste Portugal do século XXI? Não creio. O que os partidos do "arco do poder" parecem vir fazendo há anos é arranjar maneiras de se perpetuarem no poder. Amanhando-se sozinhos à vez, ou amanhando-se colectivamente quando a solução individual se revela desajustada como agora.
A resolução dos problemas do país fica para um dia (como se prova com o agravamento contínuo e prolongado dos problemas estruturais). Quando muito, podemos ir esperando que sejam atamancados para efeitos de manutenção do poder.  
A democracia portuguesa parece uma daquelas lojas em cujas prateleiras vemos uma limitadíssima selecção de produtos, maus e caros.
O país está assim dependente do sucesso dos efeitos desta lógica de intoxicação do sentido crítico dos portugueses. Só poderemos exultar com as eleições quando tivermos a certeza que os nossos compatriotas estão imunes a estas tentativas de intoxicação.

Ditadura de pantufas (1)

Ninguém com um mínimo de senso imagina que a crise que nos bate agora é resultado de algo que aconteceu há meia dúzia de dias. A dívida e a estagnação da economia, tal como Roma e Pavia, não foram feitas num dia.
Na falta de acesso directo aos números, às estatísticas e às inúmeras análises sérias produzidas ao longo dos tempos, todos puderam, pelo menos, suspeitar que a linha do endividamento se ia empinando perigosamente e de que, tendo em conta a inexistência de medidas sérias para combater a estagnação e falta de competitividade da economia, a coisa iria acabar mal. As fúrias do Medina Carreira tiveram, pelo menos, essa virtude de permitir ver muitos gráficos onde se podia ler claramente a crise.
Repito: deixámos com a nossa atitude indiferente e leviana que o recurso à dívida se tornasse a regra de ouro da economia portuguesa e tolerámos todos esta economia de subsistência em versão delux em que temos vivido até agora.
Quando vejo o modo como muitos exultam tão facilmente com a demissão do primeiro ministro nestas condições, receio que estes (quantos?) se estejam a esquecer de que o que se passou hoje não nasceu ontem. A memória é curta e a arte da retórica tem palavras com asas...
O país está assim dependente do maior ou menor grau de amnésia de uns quantos dos nossos compatriotas. Só poderemos exultar de facto com eleições quando tivermos a certeza que os nossos compatriotas esqueceram a amnésia...

O dia "D"

Cai ou não cai?

2011/03/21

Here we go again

Os bombardeamentos, iniciados este fim-de-semana contra as tropas de Kadhafi, com o fim de criar o que, eufemisticamente, alguns apelidam de "no fly zone", começa a apresentar semelhanças preocupantes com a guerra do "Golfo" de 1991.
Se é verdade que Kadhafi, há muito tempo um pária na cena internacional, não respeitou o cessar-fogo acordado com a ONU e continuou a bombardear a população civil, exponde-se assim a sanções militares, também é verdade que o "Ocidente" esperou um mês para "ver" e, só agora, resolveu intervir.
Diversas leituras, sobre esta guerra, são possíveis. A primeira, é a falta de unânimidade no Conselho de Segurança, sobre as medidas a tomar. Como é sabido, a China e a Russia opõem-se a qualquer tipo de intervenção. A segunda, é a posição dos EUA, fragilizado com duas guerras em curso (Iraque e Afeganistão) e a falta de apoio interna para novas aventuras militares. Finalmente, os interesses da UE na região, uma vez que grande parte do petróleo líbio é consumido pelos europeus. Provavelmente, as potências ocidentais preferiram esperar que Kadhafi caísse como os seus homólogos da Tunísia e do Egipto para, depois, poderem negociar com novos governantes.
A justificação apresentada pela coligação "aliada" para a criação de uma "no fly zone" - motivo humanitário - é parcialmente verdadeira, mas não totalmente transparente, se olharmos com atenção para o que se passa na zona em conflito. Enquanto as manifestações populares contra os regimes ditatoriais do Ièmen e do Barhein são btutalmente reprimidos pelos autocratas locais, estes mesmos governantes apoiam as sanções contra Kadhafi. Basta pensar na Arábia Saudita, o maior aliado dos EUA na região e apoiante dos "aliados", que invadiu o Barhein e o Iémen a semana passada em apoio dos sultões locais, para reprimir as populações revoltadas. Ou seja, mais do que a tão publicitada ajuda humanitária, a coligação "aliada" está preocupada com as revoltas no mundo árabe que podem atingir à Arábia Saudita (o maior produtor mundial de petróleo) e o Barhein (onde está fundeada a V esquadra morte-americana). Não deixa de ser irónico que, duas das maiores ditaduras da região, integrem as forças "aliadas" que actualmente bombardeiam outro ditador. Ou não serão todos ditadores?
É esta falta de coerência nas forças da coligação que lhes tira qualquer razão moral para actuarem de forma diferente em situações idênticas. Uma farsa, em suma.