2007/07/07

Live Earth

Hoje decorre, como se sabe, o Live Earth. Alguém se terá, certamente, esquecido de fazer as contas ao gasto de energia desta mega operação...
Estas coisas gigantescas, à escala planetária, geradoras de movimentos de multidões que marcham a toque de caixa, deixam-me sempre de pé atrás. Quando falamos de consciência ecológica, só consigo recordar-me daqueles povos que vivem, discretamente, em íntima comunhão com o ambiente que os rodeia. Nunca se viu grande alarido à volta disso. Estes povos praticam a consciência ecológica no seu dia a dia e revelam nisso uma eficácia bem maior que este Live Earth. Praticam-na porque precisam. E acabou.
Os grandes interesses políticos e económicos que se adivinham por trás de tudo isto são perfeitamente explícitos, mas o facto não parece demover os promotores... Estes interesses --afinal os principais responsáveis por este estado de coisas-- lá estão, predadores miseráveis, a apoiar, directa ou indirectamente, o "big event".
E, no entanto...
Há qualquer coisa particularmente interessante nesta iniciativa. Adivinha-se uma grande generosidade em todos estes participantes, uma enorme boa vontade em todas as propostas elaboradas em nome desta causa e uma enorme fome de mudança. São raros os pretextos capazes de hoje unir tanta gente. Mas, sabemos quanto esta união é necessária! O problema ecológico é simplesmente (mais) um problema humano. Que podemos somar a tantos outros que os seres humanos estão constantemente a criar, reveladores, de uma forma ou de outra na sua génese e no seu tratamento, do nosso lado mais escuro...
Neste sentido, este Live Earth pode ser útil. Mostra, a quem quiser perceber, que são os seres humanos os únicos actores desta peça medíocre. Mostra que há afinal motivos de união. Mostra também que esses motivos de união são bem mais empolgantes que os motivos de desunião. Mostra ainda que o formato se poderia alargar, quem sabe, a outros espaços problemáticos da nossa vida colectiva, com menos danos colaterais. Mostra, finalmente, que é possível promover um debate sério sem "cimeiras", sem passadeiras vermelhas, sem altos dignitários, feito de e por gente comum.
E mostra, finalmente, que a música é aquilo que os seres humanos usam quando querem dar consistência às questões mais sérias que os afligem.

2007/07/03

Peixeiradas

Aos pescadores de Matosinhos, que protestavam contra as quotas impostas por Bruxelas, respondeu Jaime, o ministro do peixe: "se não estão satisfeitos, peçam para sair da Europa". Mas como, se ninguém os consultou para entrar?

2007/07/02

Túnel do Marquês NÃO dá razão a Santana Lopes

Titula o Expresso desta semana, com chamada à primeira página: «Túnel do Marquês dá razão a Santana Lopes».
Baseia-se a matéria em que «os que entram e saem da capital têm a vida facilitada». E juntam-se as opiniões de dois automobilistas que moram nos arredores (Estoril e Linda-a-Velha) e que dizem poupar imenso tempo em relação ao que gastavam antes de haver o túnel e o depoimento de um residente na Av. Joaquim António de Aguiar que diz que o túnel melhorou a qualidade de vida dele. A ver se o Expresso foi entrevistar quem vinha (e continua a vir) de transportes públicos para a capital. Ou se perguntou alguma coisa a quem vive na Fontes Pereira de Melo.
Bom, mas há ainda o argumento, que para alguns parecerá definitivo, do motorista de táxi que diz que dantes se recusava a levar clientes Rua Castilho acima e que agora vai sem problema, o que o fez mudar de opinião acerca do túnel: era contra e agora é a favor. Se um profissional fala assim... De facto, ele também terá a sua sensibilidade empírica ao aumento de tráfego causado pelo débito de mais cerca de 15.000 veículos por dia dentro de Lisboa. O problema é que o taxista faz o seu cálculo de benefícios/custos só com estes dois parâmetros. E não tem em conta minudências como as dificuldades adicionais que esses milhares de veículos a mais acarretam ao estacionamento em geral, também à circulação dos transportes colectivos, para não falar no acréscimo de poluição.
O que os articulistas parecem não ter percebido é que o que eles louvam é que é o problema: ao empreender o túnel, o que Santana fez foi tomar a decisão política de privilegiar a parcela de utilizadores que entra na cidade de popó.
Mas o que interessa saber de uma decisão de um presidente da Câmara é se esta foi a melhor do ponto de vista da cidade e dos seus utilizadores (os que cá trabalham e por isso passam grande parte do dia na cidade, mas, por maioria de razão, os que cá moram), e não apenas para uma parte deles. Não sei se algum oponente do túnel terá alguma vez duvidado de que este iria facilitar a vida a quem entra e sai da cidade em transporte individual. Eu cá sempre soube que isso iria acontecer; estava na cara. Para mim, Santana e o seu túnel sempre significaram um acréscimo do número de automóveis a circular na cidade. E sempre achei que seria preferível uma despesa equivalente com a melhoria dos transportes colectivos e o seu trânsito na cidade.
Mas, voltando ao artigo, cabe a pergunta: será que o Expresso pôs um título daqueles porque os jornalistas não perceberam que a razão de Santana se limita a um sector dos utentes de Lisboa, a maior parte dos quais nem sequer cá vive? A parte seguinte do artigo é esclarecedora: «Mais complexa é a realidade dentro da Lisboa. O túnel atrai trânsito e vias próximas do Marquês de Pombal têm trânsito como nunca tiveram». Vem-se depois a reconhecer que os cerca de 15.000 veículos que entram a mais todos os dias na cidade vieram complicar o trânsito no troço superior da Av. da Liberdade, no sentido descendente da Fontes Pereira de Melo e no Conde de Redondo.
O título do artigo é, pois, desmentido pelo conteúdo. O Expresso sabe muito bem que o problema de trânsito se agravou com o túnel, e escreve-o.
Dá para desconfiar das motivações de quem escreve um título que é uma descarada mentira.