2015/01/31

Democracia



Seja qual for a justificação, nunca aceitarei que em Democracia se abuse da Democracia. As razões pelas quais a actual maioria chumbou a audição do PR sobre o caso BES são ditadas por uma de duas coisas. Ou a maioria é conduzida por um espírito totalitário ou tenta esconder algo.
Em Democracia não há, ou não deveria haver, tabus. Os agentes políticos são votados e são pagos pelos que neles votaram para exercer o seu cargo. Têm de prestar contas!
Se a maioria tem alguma coisa a esconder ou pretende esconder alguma coisa que o PR tenha feito é porque alguma fez...

2015/01/25

Somos todos gregos


Um fantasma ameaça a Europa: o fantasma do Syriza. Todas as potências da Europa se agruparam numa santa aliança para dar caça a este fantasma: o Papa, o Presidente da União Europeia, o Presidente do Banco Central Europeu, o Presidente do Eurogrupo e o Ministro alemão das Finanças. Não estão incluídos nesta lista, o FMI, os especuladores e credores gregos, as agências de notação, a imprensa de direita e, naturalmente, todos os partidos do "arco de governação" grega que governam o país há 40 anos. É obra.
Como é possível um partido, que teve apenas 27% de votos nas últimas eleições, poder constituir uma ameaça aos poderes instituidos, na Grécia e fora dela?
Desde logo, porque, pela primeira vez, um partido de esquerda não-tradicional está à frente nas sondagens e vai, muito provavelmente, ser o mais votado nas eleições de hoje. A acontecer tal resultado, esta será a primeira vez na história da União Europeia que um partido, da designada "extrema-esquerda", ganha umas eleições legislativas.   
Depois, porque é que os gregos, que durante 40 anos votaram alternadamente nas famílias políticas sociais-democratas (Pasok) e conservadores de direita (Nova Democracia), desejam uma nova força política, que se oponha a esta alternância?
Finalmente, porquê é que esta situação se tornou de tal modo insustentável, que a população grega chegou ao "ponto de não-retorno" e pensou - muito legitimamente - que tem todos os motivos para apostar numa força que não esteja comprometida com as políticas que conduziram o país a um beco sem saída?
Como sintetiza hoje um grego anónimo, entrevistado por jornalistas portugueses: "se comes todos os dias o mesmo prato, durante um tempo, e alguém te põe à frente um prato diferente, tu vais provar. Pode ser melhor ou pior, tu não sabes. Mas, o que andas a comer é intragável e já não aguentas".
O que é a comida intragável para um grego?
Uma quebra do PIB (desde 2009) de 25%.
Uma taxa de desemprego de 27% (a maior da Europa).
Uma taxa de desemprego jovem de 50% (a maior da Europa).
Uma taxa de 175% do PIB de dívida pública (a maior da Europa).
Uma emigração crescente, devido ao desemprego.
O fim dos apoios sociais e médicos para quem está desempregado.
Diminuição do salário mínimo, que passou de €750 mensais em 2010, para €350 em 2015.
Aumento exponencial da miséria e de doenças infecciosas nas zonas urbanas.
Aumento da criminalidade e dos ataques racistas a estrangeiros, por parte de grupos nazis.
Pressões insustentáveis da parte dos credores que, ao não aliviarem as sanções, impedem o crescimento económico e o pagamento da própria dívida grega.
Um círculo vicioso, portanto, do qual nenhum país poderia sair, sem uma renegociação das condições actuais que impedem qualquer solução viável para o problema grego que, em última instância, é um problema da Europa. Isso mesmo, já compreenderam alguns dos responsáveis europeus, desde o primeiro-ministro irlandês (que apoia uma conferência de credores e países intervencionados sobre as dívidas públicas), ao ministro francês Vals, que considera ser possível ao Syriza discutir a dívida e o próprio Mario Draghi (BCE) que, ao injectar dinheiro no sistema bancário europeu, reconheceu implicitamente a crise monetária europeia, que dura há já cinco anos.
Logo, são precisas soluções pragmáticas e concessões de ambos os lados, dos irredutíveis alemães e do Syriza (que está longe de ser o fantasma que todos receiam), para salvar a Grécia, mas - não menos importante - para salvar a própria Europa. É por essa razão, que os gregos vão hoje a votos. Eventualmente, para mudar alguma coisa. Para melhor. Para eles e para nós.
Por isso, hoje, somos todos gregos.