2017/10/02

A noite das facas longas

Eleições: com seis freguesias por apurar (*) é possível concluir duas ou três coisas que se adivinhavam e que, hoje, são claras.
A primeira, diz respeito aos vencedores: desde logo o PS (159 câmaras conquistadas em 308, naquela que foi a maior vitória de sempre do partido) e Assunção Cristas (CDS) que, ao conquistar 4 dos lugares na câmara de Lisboa, não só ultrapassou o melhor resultado de Paulo Portas, como impediu uma maioria absoluta a Fernando Medina (PS).
A segunda, diz respeito aos vencidos: o PSD (98 câmaras conquistadas, naquele que foi o pior resultado do partido em eleições autárquicas) e a CDU que, ao perder 10 câmaras (algumas emblemáticas, como Almada, Barreiro e Beja), caíram para níveis impensáveis há poucos dias atrás.
A terceira, diz respeito aos partidos e movimentos sem grande expressão a nível autárquico: o BE, que elegeu um deputado em Lisboa, ainda que tenha falhado no Porto e em Salvaterra de Magos (duas apostas do partido) e diversos Movimentos de Cidadãos Independentes (17 lugares) que mantiveram a sua percentagem, numa tendência que pode vir a consolidar-se em futuros escrutínios.  
De assinalar, também, a alta abstenção (45%), ainda que as estatísticas nos digam que este ano houve menos 3% do que nas eleições anteriores.
Que concluir destes números?
Desde logo que o PS beneficiou dos bons indicadores do governo (levando por arrasto muita gente a votar "útil") enquanto que o PSD não soube capitalizar algum descontentamento e erros da governação (prevenção e vítimas de fogos, roubo de armamento em Tancos, etc.), apostando num discurso negativo e em candidatos perdedores, que não convenceram os seus eleitores.
Já Assunção Cristas, ao avançar em Lisboa quando os restantes candidatos ainda se encontravam no "bloco de partida", ganhou um "élan" que a sua candidata rival (Teresa Coelho) nunca conseguiria ultrapassar. Um erro de "casting", que poderá custar a "cabeça" a Passos Coelho, o principal culpado desta táctica suícida.
No PCP, as razões do debacle podem ser assacadas ao apoio do partido a este governo, o que dividiu os apoiantes entre "fundos" e "realos", numa contradição que se adivinha dificil de gerir no futuro. Que táctica escolherá Jerónimo de Sousa, a partir de agora? Continuação do apoio (ainda que condicionado) à "geringonça", ou confrontação directa com o governo, através de maiores exigências sindicais, procurando desse modo reconquistar na rua, o que perdeu nas urnas?
Para António Costa, reforçado a nível nacional com os melhores resultados em número de câmaras, freguesias e respectivas associações, o "caminho" nunca pareceu tão fácil. Poderá, agora, optar por continuar com a "geringonça", ou dissolvê-la, provocando uma "crise" que lhe permita antecipar eleições legislativas, com grandes probabilidades de ganhar a maioria absoluta, o que legitimaria o seu governo e dispensaria o apoio dos partidos à sua esquerda.
Uma última palavra para os dois candidatos "párias", que tiveram sorte diferente nas respectivas câmaras: desde logo Isaltino Morais, vencedor incontestado (Oeiras) que, em condições normais, nunca poderia ter-se apresentado a eleições; e André Ventura, um populista e racista "envergonhado" (Loures), que não foi além de um aumento pouco significativo de votos.
Em qualquer dos cenários, parece claro que, com os resultados de ontem, se encerrou um ciclo na política portuguesa. Um novo ciclo, começou hoje. Resta esperar pelas reacções nos principais partidos derrotados. Os "amoladores" de facas, têm um longo trabalho pela frente...

(*) números definitivos      

2017/10/01

Reflexões

Acabei de votar. Como habitualmente, na escola Alice Vieira, onde funciona a mesa de voto da minha freguesia (Águas Livres).  Hoje, como sempre em dias de votação, particularmente animada, com vendedores de "farturas" e de roupa de "marca", junto às portas da escola e da igreja em frente, donde saiam os fiéis da missa das onze, tradicionalmente a mais concorrida.
Lá dentro, a azáfama habitual, com as mesas de voto distribuidas pelas diversas salas dos edifícios que compõem a secção de voto onde, junto às urnas, os diligentes funcionários (muitos deles, conhecidos de anos anteriores) contribuiam para o bom andamento da votação.
De regresso a casa, cruzo-me com os diversos vendilhões, os da rua e os do templo, agora em animados grupos de convívio. Gostei do que vi. Resta aguardar pela noite e confirmar (ou não) uma boa participação eleitoral.
Ligo a televisão e ouço as notícias de Barcelona. Assisto, entre o surpreendido e horrorizado, que há 39 (trinta e nove!) feridos, alguns em estado grave, após confrontos com a polícia espanhola, que teria disparado balas de borracha, para impedir que os catalães pudessem votar em liberdade. Independentemente da opinião que possamos ter sobre o direito à independência da Catalunha, nada justifica tal violência, por parte de um poder centralizado que, apoiando-se em argumentos jurídicos, recusa o diálogo com os independentistas sobre um problema que é político.
Já tive mais certezas sobre uma Catalunha independente, mas nunca tive dúvidas sobre o direito à organização de um referendo, para ajuizar dos desejos do povo catalão. Se tivesse de escolher, apoiaria sempre esse direito, única forma de saber se a constituição actual é aceite pela maioria dos catalães. O mesmo, de resto, é válido para outras regiões europeias consideradas "problemáticas", como o País Basco ou, mais recentemente, a Escócia, que teve direito ao seu referendo.
Uma coisa é certa: se em Madrid pensam que é através da repressão que ganham os catalães para a sua causa, estão redondamente enganados: o mais provável é obterem o efeito contrário. Nada ficará como dantes, após o dia de hoje na Catalunha.
Nas eleições - escolha do povo - em liberdade, aplica-se o mesmo princípio dos clássicos: prognósticos só no fim. Aguardemos, pois, que o dia está para durar...