2009/05/14

Turista Acidental

Na visita que, por estes dias, Cavaco Silva faz por terras turcas, todos os dias há discursos e declarações avulso. Por exemplo: "A Turquia faz falta à Europa, como a Europa é necessária à Turquia", ou "Portugal teve de esperar sete anos para entrar para a Europa", ou esta, a lembrar o inesquecível Tomaz, "É a segunda vez que aqui estou. Estive aqui, neste mesmo lugar, há seis anos. Da outra vez não tirei fotografias, agora vou fixar o momento". A mais citada, do guia explicando porque é que as mulheres têm de ficar atrás dos homens nas orações, também é boa: "As mulheres à frente, como têm de pôr a cabeça no chão, podiam atrapalhar os homens" (?!). Claro que não há discriminação das mulheres na Turquia moderna, apressa-se a esclarecer o tradutor. Cavaco e a esposa acenam afirmativamente.
Sabemos todos que este tipo de visitas, acompanhadas de dezenas de empresários portugueses (sempre os mesmos) não se destinam a discutir nada de essencial, para além dos negócios e do óbvio.
Pesem as boas intenções e troca de gentilezas - A Turquia deve entrar na Europa - não ocorreu a Cavaco que algumas das razões pelas quais a Turquia ainda não entrou na UE (e já está à espera há mais de sete anos) tem exactamente a ver com coisas tão óbvias como: pertencer à Ásia, a maioria da população ser muçulmana, não respeitar os direitos das minorias curdas, manter ocupada parte da ilha de Chipre, ser uma democracia musculada onde o exército tem a última palavra e, dada a religião dominante (o Islão), ainda manter as mulheres em segunda fila, nas mesquitas e não só...
Porque Portugal está num extremo da Europa e não tem problemas fronteiriços ou outros (imigração, por exemplo) com a Turquia, não custa nada fazer declarações inóquas. Não é esta a opinião de Merkel e Sarkozy que já declararam alto e bom som que não querem a Turquia na União Europeia. Como são eles quem (ainda) manda nesta Europa, bem pode o nosso presidente continuar a tirar fotografias ao Bósforo.

2009/05/13

A diferença

Paul Krugman, o Nobel da economia, diz que a recessão que vivemos não é como as outras e que as medidas que têm estado a ser implementadas pelos governos e investidores são desadequadas. De facto, ou é do meu ouvido, ou aquilo que mais se ouve hoje para os lados do poder, é um enorme coro de assobios para o lado. A crise existe e manifesta-se diariamente, assumindo as formas mais variadas e violentas. Afecta tudo e todos, mas o que observamos no meio do drama social real que vivemos é um empenho de plástico para disfarçar a indiferença. No fundo, os velhos hábitos, as velhas taxonomias sociais, a arrogância e o exercício pecaminoso da hipocrisia continuam a prevalecer. E as crises, sabemo-lo bem, até dão jeito.
O que é que originará então a diferença notada agora por Krueger nesta recessão?
No Brave New World, a personagem Lenina lembra-se de ter um dia acordado subitamente e de ter dado conta do murmúrio constante que condicionava todo os seus sonos. Recordava a voz suave que repetia incessantemente "Todos trabalham para todos os outros! Não sobrevivemos sem os outros! Até os Épsilons são úteis! Não sobreviveríamos sem os Épsilons!" E o tom calmante dessa voz conduzia-a de novo ao sono.
"Suponho que os Épsilons não se sentem verdadeiramente mal por serem Épsilons?" perguntava então Lenina a Henry. "Claro que não!" retorquia Henry. "Como seria isso possível? Eles não sabem o que é ser outra coisa."
A diferença talvez resida no facto de agora, depois de ter tido que pagar os desmandos dos Alfas e dos Betas e de ter perdido o seu emprego, agora até o Épsilon mais Épsilon sabe.

2009/05/12

A miopia

A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) alerta para a possibilidade de o Magalhães poder vir a fazer disparar os casos de miopia. O tamanho do portátil e o das letras obrigam as crianças a uma leitura "muito próxima", alegam os especialistas.
A leitura mais próxima que podemos fazer é a de que está enganada a SPO. A miopia já era um verdadeiro problema de saúde pública em Portugal, antes do Magalhães entrar em cena. O próprio Magalhães é a prova disso.
Tremo agora só de pensar o que pode vir a ser a "geração magalhães" daqui a vinte ou trinta anos. Imaginem uma versão míope da "geração rasca", prima afastada da "geração dos 500", filha dos pais do Magalhães...

A Europa deles

De acordo com as mais recentes sondagens, 60% dos portugueses não pensa votar nas próximas eleições europeias de Junho. Interrogados sobre a razão da sua abstenção, 37% responderam que as eleições europeias não têm interesse. Na Europa, propriamente dita, a percentagem de abstenções não difere muito da portuguesa e esse é um motivo que devia preocupar os eurocratas que nos representam. Lamenta-se, mas percebe-se.
Quem ontem viu o "debate televisivo a 13", onde pela primeira vez puderam estar presentes todos os candidatos partidários registados, pode perceber a razão deste desinteresse. Para os partidos maioritários (PS e PSD) a Europa é uma questão tão "evidente" que já não merece discussão. Para quê referendar o Tratado de Lisboa se o "povo" não o entende? Para quê referendos, se Portugal nunca referendou nenhuma Constituição ou Tratado na história da União?...
Moreira, o vital pavão socrático, chegou ao ridículo de dizer que os portugueses nunca foram chamados a referendar nenhum dos grandes momentos da sua história; desde o 25 de Abril (!?) à Independência...Estaria ele a referir-se a 1143? Porquê, esta obsessão com o referendo, agora? Não ocorreu ao constitucionalista de Coimbra que a Constituição Portuguesa foi modificada de forma a permitir tal referendo e, mais importante ainda, que este foi uma promessa eleitoral do partido que Vital representa na Europa? A arrogância e o desplante dos "partidos do centro" (em Portugal, como no hemiciclo europeu) face às exigências e direitos democráticos das populações que supostamente representam e são frequentemente silenciadas, não têm limites. Quando, algum dos países membros não respeita o "guião" do politicamente correcto - caso da Holanda e da França em 2005 e da Irlanda em 2007 - aqui d'el rei que a União está em perigo! Nessa altura não se poupam esforços para trazer a "ovelha tresmalhada" para o rebanho. A Irlanda votará quantas vezes for necessária até que o "sim" à Europa seja obtido. Bonita democracia, esta!
Se alguma coisa o debate de ontem provou, pesem os esforços manipuladores da apresentadora mais interessada em dar a palavra aos grandes partidos, foi a recusa dos restantes onze candidatos em participar na farsa europeia proposta pelo PS e pelo PSD. A Europa que os grandes partidos querem não é, de certeza, a dos cidadãos. Resta, agora, aguardar o dia da votação para confirmar se a penalização do "bloco central" é uma mera especulação, ou se confirma o desencanto geral.