2014/07/03

O mar é reciclável?

Facebook que nos diz? Folha de rosto, do rosto, que rosto? 
O meu ou o do planeta diário?
Punheta-umbigo ou cosmos?
Teatro do eu ou do mundo?
É como se nos dessemos a ver quando nos vemos num espelho?
Mas damo-nos a ver em charme decaído ou maquilhado, cores ou desenhos ou na bruta, assim mesmo, como a Gabriela que nasceu assim? 
Num espelho que está fora de nós mas também naquele espelho que está dentro? 
É uma coisa de ir atrás do impensado, de ir atrás do que vai à frente, de ceder ao imediato que nos preenche desse nada que enche? 
E que significa o gosto e o comentário e as aplicações que seguem o sistema, a reprodução da estrutura desigual na economia, a democracia como a face visível e disponível do mundo do financismo, o parlamentarismo liberal burguês que reduz a política ao jogo mediatizado da alternância? 
E o dia-a-dia como pura funcionalidade, o corpo mecânico, a cabeça pura química neuronal da actividade fabril mental? 

E o pensamento, que espaço tem que não seja o já pensado? 
Há criação por aqui? 

E o não gosto tem espaço? 
Não é logo entendido como autoexclusão? 
A não empatia cola o quê a quê se só descola? 
Não somos obrigados a uma simpatia online que passa por cavalheirismo, feminino – que será?-, e masculino, no meio de um voyeurismo dominante, massivo e que trabalha subliminarmente as atitudes como gestos quase impensados do fluxo da (in)consciência fluindo? 
Pezinhos de lã no trato e subterraneamente um infinito mercado negro de tudo um pouco: tráficos vários, publicidades omnipresentes, o corte de cabelo da estrela, o champô que arrasa a caspa inimiga e faz um futuro escalpe de sonho na reforma sempre imaginado lazer infinito, o banco preferido de depósitos e taxas paradisíacas em directo na ilha com a tal, o tal, que se escolheu na anedota, de modo personalizado, educado, em voz baixa e adocicada neutra, como os bancos tratam os clientes, pois claro, e a brilhantina no horizonte como um sol a pôr-se ao contrário, nascendo de se pôr, mais os ténis de marca e aço invisível resistente e propulsor, o peito musculado em ginásio ao preço da uva mijona de euros que compensam na dureza dos abdominais de sonho, boa relação preço qualidade, ficas cliente-contente, e que atrai todos o tipo de garinas e garinos, de varinas e chichisbéus, como quase moscas vão à luz mortal que rompe do peito olímpico do atleta e inunda o mundo, as férias do craque seladas com um beijo russo semidespido que obrigam a dar um beijo no mesmo tipo de aparthotel quando formos casal instante, quecaqueda, mais pedofilia por certo e também as múltiplas e inovadoríssimas indústrias da dependência, tóxica e outras, as narrativas do governo bem mentidase mantidas, a vídeo-pornografia de híper-primeiros planos do material sem ecrã para os tamanhos dos materiais e outras variantes e o mais que seja que por aí adiante faça parte da ilimitável capacidade mutante da voracidade mercantil do capitalismo real no dia-a-dia não opcional – afinal, estar vivo, não é opção, opção é mesmo estar morto.

Nada tem de original esta engrenagem. Ela é um conjunto de operações que já fazíamos: a confissão ou notícia de qualquer coisa, o anúncio desesperado, a página dos óbitos, a bunda comerciada, a notícia confessional, pessoal ou acontecimento, a adesão ou recusa dessa coisa num regime que identifica uma tendência de grupo instante – ou mais regular – e a possibilidade do debate de ideias, o mais difícil e menos vulgar. 

Na realidade o que submerge a tanto navegar é mesmo a viagem, não se vai de um porto a outro através da superação inteligente da radical presença dos escolhos, as rochas reais, os baixios, mas também os Adamastores – em novo gostava de dizer Adapastores, aliás como gostava de dizer Minetauro. Navega-se parado no pesadelo de um mar de pânicos, muitos gostos são cliques, gestos mecânicos e estão ao alcance do não esforço – é assim a vida nos céus e é deste modo que os deuses têm uma vida algodoada, fofinha – que palavra … – como se diz: a existência em peluche não chega muitas vezes ao mar encrespado da autoconsciência de si, isso exige fundo, como aquele a que o furo artesiano vai buscar a água que já não há. 

Lembrei-me de uma aranha em peluche, mas que aconteceu às aranhas para serem menos interessantes que os dinossauros de um ponto de vista lúdico-industrial? Preguiças já há, sem o cheiro, é como as doninhas fedorentas, são amorosas, mas extirpado o cheiro – assim são animais de leito, como os furões e furoas. E os ouriços, coitadinhos, esborrachados nas bermas de lentos, sob a velocidade crescente do automóvel de nova marca e cilindrada. 

Tantas perguntas, outras respostas nas respostas que se compram a pronto. 

As aranhas são de carnaval, para meter medo sazonal, não se pode pedir a uma aranha que dê a pata? Uma tarantola rosa é no entanto um amor de muitas patas e pode dar uma a uma a quem a amestrar – ora aí está uma licenciatura interessante.

Vêem-se muitas coisas nestas folhas de rosto, desde verdadeiras antecipações noticiosas a posições que os média nunca publicariam e vêem-se também escritas originais, mesmo de alcance artístico, muito raras mas reais, até se assiste a actos criativos no meio dos não actos do puro fluxo – um rio não para e quando para morre, faz-se-lhe o funeral, vende-se o leito em turismo acidental, catástrofe ambiental. Recicla-se o mar?

Mas essas coisas observam-se no quadro de todas as outras, porventura sendo dominantes aquelas que estruturam o voyeurismo e o narcisismo hedonista, mesmo um certo drama doméstico em primeiro plano – o primeiro plano é mais real do que o plano de conjunto, a importância da ruga e das olheiras leva a palma da atenção afectiva ao plano de conjunto, a estares como mobília entre mobílias. Precisas do drama para te sentires viva, a adrenalina emotiva cria a sensação de que afinal a vida não está parada, pelo contrário anda a centenas de pulsação instante – no resto esquece, isto é, qualquer um se pode ausentar de si mesmo para uma zona da consciência que fica standby. Qualquer coisa do género. Será assim? Chama-se alienação, ser preenchido por esse outro, mesmo pelo grande outro normativo. Brecht falava do grande costume. Numa era de entropias calculadas parecia não ser assim, parecia que a desordem assaltara tudo, mas não é assim, a ordem dos poderes nunca foi tão forte de capacidade totalitária, nunca o poder controlou a ideia de ser individual de uma forma tão capaz de produzir rebanhos miméticos uns dos outros, com a décalage das línguas e das riquezas entre as nações.   

Quando alguém escreve tenho o olho inchado ou que o cão acordou triste e foi ao analista veterinário, seja pedo-canino-neurologista ou psiquiatra-canino e analista, ou mesmo psicãonalista, está a eleger a absoluta irrelevância como drama e a assumir que, num mesmo espaço, pode habitar o bordado de retalhos e o rapto das meninas nigerianas. Esta é a característica fundacional do esquema: no momento em que podemos ser livres - o que significa libertarmo-nos e não propriamente pensar que como escravos somos livres e que portanto liberdade é o que nos passar na bola e se atira cá para fora como quem tira uma nódoa da alma – e podemos, o modo de uso de uma estrutura que pode ser o instrumento disso, acaba por regrar o seu contrário na medida em que nivela as coisas pelo menos qualificado mental massivo híper-controlado e estabelece o vulgar, de modo absoluto, como máximo denominador comum. 

Esta é uma questão. E que nos diz? Diz-nos que esta engrenagem reproduz o mundo exterior, é reflexo da estrutura dominante, a tal que engendra a reprodução sistémica da desigualdade extremada produzida pelo capitalismo actual e suas estruturações reflexas na totalidade do REAL – há uma aliança entre o sistema financista e as performances de todo o tipo, para-publicitárias e publicitárias, que surfam de modo incontinente o ecrã das aparências seja pela via da insignificância que se assume como fim do sentido em pose, seja pela via da insignificância que é directamente mercantil. 

Neste mundo de peluches e desacontecimentos – a resistência do núcleo duro do mesmismo é enorme, tem um potencial militarizado impensável – o que é verdade é que os verdadeiros dramas estão aí mas que o modo de os pensar – e tratar formalmente, é inevitável e é um combate constante – de os colocar em itálico, quase submerge no conjunto complexo e totalitário das poluições do imediatismo pseudo-espontâneo do impensado comum. E é assim que as casinhas dos botões são lindinhas e em cada uma sorri um botão de felicidade, com os seus dois olhos abertos ao devir. 

E o BUTÃO é uma monarquia linda de se turistar, como o mar português, um de caravelar na mente e agora o outro, para semear turismo também. Com sede na Berlenga. 

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