2023/02/22

Sevilha recorda Saura

Sevilha foi, na passada semana, a cidade escolhida para a entrega dos prémios "Goya", os mais cobiçados galardões do cinema espanhol, outorgados pela Academia de Cinema do país vizinho. 

Para esta 37ª edição, transmitida em directo para toda a Espanha, engalanou-se o auditório do palácio de Congressos "Fibes" (capacidade 2000 lugares) por cujas passadeiras desfilaram os nomeados, com a pompa e a circunstância que a cerimónia sempre exige. Um pouco a exemplo dos "óscares" de Hollywood ou dos "Bafta" britânicos, ainda que mais formais e sem o "glitter" que caracteriza os prémios americanos. 

Este ano, para além dos prémios habituais nas diversas categorias a concurso, seria atribuído um "Goya de Honra" a Carlos Saura, pela sua obra. O prémio (um busto de Goya em bronze) foi-lhe entregue em casa, previamente, dado o seu estado de saúde, já bastante debilitado.

Acontece que, na véspera da cerimónia pública, Saura viria a falecer. O que teria sido a consagração de uma carreira de 70 anos, acabaria por tornar-se uma homenagem póstuma, como póstumo foi o "Goya" que a viúva, e dois dos seus filhos, receberam das mãos do presidente da Academia. 

Com a morte de Carlos Saura (1932-2023) desaparece um dos maiores cineastas europeus. Gregorio Belichón, jornalista cultural, especializado em cinema, do "El País", não hesita em classificá-lo como um dos quatro grandes nomes do cinema espanhol, a par de Buñuel, Berlanga e Almodóvar, cujas obras refletem a história de Espanha do último século.

Ainda que grande parte dos seus filmes, não seja conhecida em Portugal (vá lá saber-se porquê...) destacamos alguns dos títulos mais emblemáticos da sua extensa obra (mais de 50 títulos): 

Os filmes realizados durante o período franquista: "Cuenca" (1958), "Los Golfos" (1960), "La Caza" (1966), "Pippermint Frappé" (1967), "El Jardin de las Delicias" (1970), "Ana y los lobos" (1973), "La Prima Angélica" (1974), então sujeitos ao crivo da censura.

Os filmes da transição pós-democrática: "Cria Cuervos" (1976), "Elisa, vida mia" (1977), "Mamá cumple 100 años" (1979), "Deprisa, deprisa" (1981), que lhe granjearam notoriedade internacional.

Os filmes de "baile flamenco", iniciado com "Bodas de Sangre" (1981), "Carmen" (1983) e "El Amor Brujo" (1986), uma das suas grandes paixões;

E, finalmente, a sua época mais eclética, com "El Dorado" (1988), "La Noche Escura" (1989), "Ay Carmela!" (1990), "Sevilhanas" (1992), "Flamenco" (1995), "Taxi" (1996), "Tango" (1998), "El Séptimo dia" (2004), "Fados" (2007), "Flamenco, Flamenco" (2010) e "Jota" (2016), e.o. 

Sobre "Fados" (o filme) não resisto a contar um pequeno episódio. O realizador, convidado pela Câmara Municipal e pelo Turismo de Lisboa, para dirigir um filme sobre a canção portuguesa, veio ao Museu de Fado, falar sobre o projecto. Estávamos em 2005 e ainda não havia argumento. Lembro-me de ter perguntado se pensava fazer um filme baseado numa história original ou seguir o modelo já experimentado em "Sevilhanas" e "Flamenco", documentários onde os intérpretes se limitam a dançar ou a cantar perante a câmara, sem qualquer ligação entre si. Saura, achou a pergunta interessante ("já vi que conhece os meus filmes..."), mas respondeu que ainda não tinha decidido. Para quem não viu o filme, a fórmula é a mesma dos documentários referidos. Do ponto de vista formal, um filme perfeito: as canções, os cantores, os músicos, a fotografia (do grande Vittorio Storaro). Tudo bom. Só não percebemos, o que estão lá a fazer cantores como Miguel Poveda, Chico Buarque, Caetano Veloso, Lila Downs ou Lura (!?). A menos que esta tenha sido uma exigência da produtora (espanhola) que pagou parte substancial do filme. De todos os filmes de Saura que vi, este é o que menos gosto... 

Finalmente, o grande vencedor dos "Goya" deste ano: "As Bestas" do realizador Rodrigo Sorogoyen, que levou para casa 9 estatuetas: melhor filme, melhor realizador, melhor actor principal (Denis Minochet), melhor actor secundário (Luís Zahera), guião original, montagem, fotografia, música e efeitos sonoros. Um filme denso e inquietante, sobre a propriedade rural, conflitos familiares, despeito, inveja, xenofobia e violência, num lugar ermo da Espanha profunda. Filmado na Galiza, em imagens de rara beleza, o filme prende-nos do primeiro ao último minuto, não nos largando muitas horas depois. "Un filmazo". Assim os distribuidores portugueses, o descubram e exibam. 


Foto- Anna Saura Ramón junto com o seu pai Carlos Saura- GTRES/GTRES

1 comentário:

Emma disse...

Muito bom! Obrigada, Saura! Adoro muitos de seus filmes. Por outro lado, acho que As Bestas é um western atual!