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2025/03/06

Abanar a cauda...


Ainda nem uma semana passou sobre o polémico episódio da Sala Oval (em que Trump e Vance, "humilharam" Zelensky) e já as peças do dominó estratégico ocidental começaram a cair. As coisas nem sempre são o que parecem e, aparentemente, a realidade começa a impôr-se no continente europeu. 

Entretanto, Zelensky (que acaba de entregar o ouro ao bandido) está a prazo, mas toda a gente diz querer defendê-lo, mesmo quando a Ucrânia já perdeu a guerra. 

Percebe-se: é cada vez mais difícil à "troika" europeia (Van der Leyen, Costa e Kallas) defender o indefensável, depois de três anos de juras de fidelidade à "causa ocidental", sem que tenham conseguido progressos na frente de combate. Tudo isto era expectável, a partir do momento em que Biden anunciou, logo nos primeiros dias do conflito, que os EUA não queriam uma guerra com a Rússia, mas "apenas enfraquecê-la". Ou seja, sem um envolvimento dos "aliados" no terreno, a Ucrânia teria poucas possibilidades de suster a ofensiva russa. Está à vista.

E agora? Sem exército, com a economia dos seus principais membros (Alemanha, França e Itália) em crise e sem possibilidades de reconverter o modelo económico actual numa economia de guerra a curto prazo, os líderes da UE vieram pedir 800 mil milhões de euros aos cidadãos para comprar armas aos americanos! Grande negócio. 

Ou seja: Trump impôs a sua vontade a Zelensky e à Europa (que não conta para nada, a não ser para fazer negócios) enquanto assegura a exploração dos minerais ucranianos. Do outro lado, Putin ficará com o Donbass e com a Crimeia, ganhando o território ocupado. 

E a Europa? À Europa, resta obedecer e abanar a cauda...

2024/07/13

Um espectáculo de marionetas, de qualidade duvidosa

Claro que não se podemos afirmar que o problema é de hoje, daqui ou dali, em particular. Este que temos perante nós, agora, tem a ver com o apodrecimento crítico do sistema em que vivemos. Nem as palavras que se seguem serão verdadeiramente originais. Gente melhor do que eu e mais bem preparada do que eu, vem repetindo isto há décadas. Estas palavras pretendem ser apenas um desabafo, em consequência de factos recentes.

Assistimos nestes últimos dias a um número de variedades, abrilhantado pela orquestra da chamada "comunicação social", de tal forma nauseante, que nem todo o antiemético produzido no mundo nos pode valer.  É, portanto de vómito que vos falo.

Logo a seguir a um debate, amplamente divulgado para todo o mundo, em que vimos um presidente de um país, dito o mais poderoso do mundo (que quer fazer crer aos seus compatriotas que controla a sua recandidatura,) a fazer uma figura tristíssima perante um antigo presidente (que quer, igualmente, fazer crer que controla a sua recandidatura,) voltámos a ver o actual presidente, no encerramento do encontro de uma organização que se auto designa como a força de segurança do mundo, a repetir a mesma triste figura. 

Não estão em causa as gaffes. É um assunto sem importância. 

Biden está a concorrer, não o esqueçamos, contra o Trump. Trata-se de um corrida entre duas figuras patéticas, uma que, em circunstâncias normais, estaria num lar e outro, que, em circunstâncias normais, estaria na prisão. Mesmo que Biden acabe a ser substituído, esta “corrida,” as suas vicissitudes e a marca que está a deixar, dizem já bem do estado a que chegou aquele país.

Quando ouvimos falar no país mais poderoso do mundo, na economia mais forte, etc. e tal, é bom que a gente se vá lembrando em que mãos esse poder vai acabar a ser entregue. E é bom que não nos esqueçamos que esse poder é delegado pelos oligarcas, que o controlam verdadeiramente. O que revela a sanidade mental e a sua qualidade ética desta oligarquia.

Não há "luta pelo poder." Nenhum desses oligarcas vai perder. Não é por acaso que os fundos para as respectivas campanhas oscilam, para um lado ou para o outro, conforme as conveniências. Ainda há pouco se lia que estará em curso uma canalização dos fundos da campanha democrata para a republicana, perante a iminência de uma substituição e de garantida derrota.

Há o argumento estafado de que esta gente é colocada no poder pelos milhões que neles votam. É um argumento completamente tolo, insultuoso até para quem acredita verdadeiramente na Democracia. Primeiro, porque a escolha que é proposta aos votantes é falsa. Na verdade, não se trata de escolha entre duas candidaturas, mas sim de um condicionamento, meticulosamente executado, que fractura, fazendo crer que os eleitores estão perante duas visões diferentes do poder, mas que provoca divisões e desigualdades fatais, sem sustentação política legítima, entre povos, entre povos e governos e entre governos, pelos quatro cantos do mundo. Depois, e mais importante, porque, seja qual for o resultado, a marioneta de serviço, qualquer que ela seja, vai executar um e um único script. O sistema está totalmente viciado à partida. Não há escolha, não há voto útil, não há representatividade, não há diferentes visões da sociedade, não há debate, não há, em suma, Democracia. Como falamos de fantoches é legítimo falarmos de fantochada. O apoio ou rejeição dos cidadãos a qualquer uma destas candidaturas não faz qualquer diferença e o voto útil é tão fútil quanto o mergulho de Empédocles no vulcão.

Faz parte também da função da marioneta americana, que presta este serviço ocasional, escolher as "nossas" marionetas. Na Europa, a situação ainda é, talvez, pior: escolhe-se by proxy. As "escolhas" que condicionam a vida de todos nós, aqui na nossa terra, são entre duplas de marionetas pré formatadas, manobradas lá de longe, dando uma falsa imagem de luta pelo poder ou, pior ainda, de falsas duplas, co-optadas, como é o caso das estruturas de poder da UE.  

As marionetas encarregadas do poder na Europa são, desde há muito, as marionetas escolhidas pelas marionetas americanas. Que foram, recorde-se, escolhidas pelos oligarcas americanos, que não têm qualquer pejo em dar a "escolher" aos americanos um débil mental e um assaltante de estrada. O que diz bem, repito, dos seus valores e da sua sanidade mental. É a eles que, no fim, pagamos a nossa gasolina, os nossos carros, os nossos alimentos, as nossas portagens, é para eles que trabalha a maioria esmagadora da população, que vive nas cidades por eles controladas, nos bairros por eles desenhados, que circula nas estradas por eles construídas para chegar aos empregos por eles criados e destruídos, conforme a sua lógica perversa, que vive a vida na lógica deles, não na sua.

Não há, no mundo, lugar seguro, que nos proteja desta gente.

O resto é netflix, hbo, nyt, noite dos oscars, world series, foxnews, washington post, hollywood, cnn, e muitas outras ficções do género, para distrair o pagode. E futebol! Muito futebol! E quando o futebol vai a banhos, Jogos Olímpicos, para animar a malta e apaziguar conflitos e tensões internacionais...

2022/09/26

Itália ou o eterno retorno do fascismo

 


Pela primeira vez, desde a 2ª guerra mundial, a Itália tem um governo de extrema-direita. 

A grande vencedora da noite, Giorgia Meloni (neta de Mussolini) tratou logo de dizer que não era fascista como o avô (estas coisas não têm de ser genéticas). De facto, o neo-fascismo, que é disso que se trata, já não necessita de "botas cardadas" para governar (até ver...). Por enquanto, só o símbolo do partido "Irmãos de Itália" é o mesmo do partido do patriarca. A continuidade, ora aí está...  

À Meloni não faltam "pomodori": tem carisma, é autoritária, fala aos gritos, é contra os burocratas de Bruxelas, quer unir a Itália e devolvê-la aos italianos, quer governar com toda a gente, não quer mais imigrantes, refugiados e minorias a viver à custa do estado, defende uma baixa geral de impostos, é contra o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo e, como não podia deixar ser, o seu lema é "Deus, Pátria e Família".

Num célebre ensaio (Como reconhecer o fascismo) Umberto Eco enumera aquelas que considera as principais características do movimento original. São catorze no total, por isso o autor adverte: 

"O termo fascismo adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou vários aspectos e poder-se-á sempre reconhecê-lo como fascista. Retire-se ao fascismo o imperialismo, e teremos Franco e Salazar; retire-se o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescente-se ao fascismo italiano um anti-capitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescente-se o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julius Evola. Apesar desta confusão, considero que será possível indicar uma lista de características típicas do que poderei chamar de "Ur-Fascismo" ou "fascismo eterno". Estas caracteríticas não podem ser ordenadas num único sistema: muitas contradizem-se reciprocamente, e são típicas de outras formas de despotismo ou de fanatismo. Mas basta que esteja presente uma delas para fazer coagular uma nebulosa fascista" (Eco, Umberto: "Como reconhecer o fascismo", Ed. Relógio de Água, 2017).      

Eco escreveu a partir da sua experiência na Itália de Mussolini. Nasceu em 1932, quando o regime estava no auge e, desde então, muita coisa mudou. No entanto, as suas observações sobre o tema mantém-se actuais, já que o fascismo (nas suas diversas formas) volta sempre e não é um fenómeno típico de países do Sul. 

Essa é, também, a opinião do especialista Rob Riemen, que à questão dedicou vários escritos. No seu livro "O eterno retorno do fascismo", este filósofo holandês dá como exemplo um partido do seu próprio país: 

"Nos Países Baixos, Geert Wilders e o seu Partido da Liberdade (PVV), são os protótipos do fascismo contemporâneo e, enquanto tal, não são senão as consequências políticas lógicas de uma sociedade pela qual todos somos responsáveis. O fascismo contemporâneo resulta, mais uma vez, de partidos políticos que renunciaram à sua tradição intelectual, de intelectuais que cultivaram um niilismo complacente, de universidades que já não são dignas desse nome, da ganância do mundo dos negócios, de mass media que preferem ser ventríloquos do público em vez do seu espelho crítico São estas as elites corrompidas que alimentam o vazio espiritual, contribuindo para uma nova expansão do fascismo" (Riemen, Rob: "O eterno retorno do fascismo", Ed. Bizâncio, 2012).    

Voltando às eleições italianas: não penso que a coligação de extrema-direita que ganhou as eleições (constituída pelos "Irmãos de Itália" da Meloni, pela "Liga" de Salvini e pela "Forza Italia" de Berlusconi), possa governar durante muito tempo. Os egos e as contradições internas são demasiado grandes, apesar de alguns pontos em comum. A Itália é um membro demasiado importante para a União Europeia (a 3ª maior economia, o 2º país mais industrializado e a maior dívida pública da União), pelo que não deixará de estar atenta às exigências deste governo. Tudo depende, agora, de Bruxelas. Os "partidos Meloni" só crescem onde as democracias são fracas (é do livros). Por outro lado, a Hungria de Orbán (outro neo-fascista) já foi apelidada de país não-democrático pela própria Comissão Europeia e penalizada por isso. A questão de fundo é: se a Hungria (membro de pleno direito da União Europeia) não é democrata e não respeita o estado de direito, o que está a fazer na UE? 

Quando os regimes democráticos não se respeitam, não nos devemos admirar do crescimento dos partidos que, aproveitando-se da democracia, a querem destruir por dentro. Estamos avisados.

2022/02/27

E a Ucrânia aqui tão perto...

foto JN

O Mundo actual é dominado por autocratas e psicopatas: Putin, Xi Jinping, Kim Jong-un, Trump, Biden, Bolsonaro, Erdogan, Lukashenko, Duterte, Mori, Maduro...(esqueci-me de alguém?) e não se vê fim à vista.

E não se pode exterminá-los?

A crise na Ucrânia, anuncia mais um desastre humanitário, de proporções imprevisíveis. 

Esta não é uma guerra de "bons" contra "maus", ainda que os generais de sofá pretendam ver nela uma justificação para os seus crimes de guerra. Esta é uma guerra de interesses geo-estratégicos, no tabuleiro do xadrez de políticas expansionistas e imperialistas, como sempre foram a maior parte das guerras. O que seria destes personagens, se não houvesse guerra? Ficam desempregados, claro: os generais na reserva e todos os comentadores de camuflado, que passaram  a ocupar as pantalhas televisivas, em substituição do exército de vírologistas e pneumologistas que deixaram de ter direito a "prime time". 

A actual situação, não augura nada de bom. Para além dos blocos políticos em disputa, a Europa está (mais uma vez) confrontada com um drama social e humano que poderá atingir milhões de vítimas. Seguir-se-á uma crise energética e económica que, de resto, já é sentida.  

E Portugal? Sem uma política internacional digna desse nome e "abrigado" sob o chapéu da beligerante NATO, resta-nos (!?) enviar uma fragata, um submarino e 1500 militares para as fronteiras orientais da Europa. Tudo em nome da defesa do "Ocidente" e da "solidariedade", claro está, porque outra coisa não podemos prometer. Pior, era difícil. 

2020/06/09

Doze semanas noutra cidade: Espanha a desconfinar com ajudas a aumentar


A transição espanhola para o desconfinamento total continua a bom ritmo, ainda que nem todas as regiões do país estejam na mesma fase.
Globalmente, passaram à fase 3 (a mais adiantada) as ilhas, as regiões do Sudoeste, do Norte e do Nordeste do país, enquanto na fase 2, permanecem as regiões da Catalunha, Valência, Madrid, Castilla-Léon e Castilla-La Mancha, onde, apesar da diminuição do número de infectados, continua a verificar-se a maior concentração de casos de Coronavírus.
Nesta terceira fase, ontem iniciada, já são permitidas passeios e actividades físicas sem horário; abertura do comércio a 50%; esplanadas a 75%; abertura de centros comerciais a 40%; mercados de rua a 50%; grupos turísticos até de 30 pessoas; espectáculos culturais e museus a 50%; treinos desportivos na ligas profissionais; casinos a 50%, bodas e funerais, limitados a máximos por espaço disponível. Também a mobilidade entre províncias (dentro da mesma região), passou a ser permitida  na Fase 3. Em termos práticos, isto significa que, numa região como a Andaluzia (8 províncias), os habitantes de Sevilha, onde me encontro, já podem ir à praia a Huelva ou Cadiz, onde muitos têm uma segunda casa e passam férias no Verão. São esperados milhares de veraneantes nas próximas semanas.
Após 3 meses de confinamento, a abertura de bares e esplanadas provocou uma corrida aos poucos lugares disponíveis, com longas esperas junto às mesas ou, em alternativa, reservas com antecedência, uma prática habitual por estas bandas. Nada que desmotive os sevilhanos e o seu ritual de "tapas" e "cañas" diárias, ainda que - sem turistas estrangeiros - a cidade esteja longe da alegria e movida habituais. Disso mesmo se queixa a hotelaria e a restauração, as áreas que mais sofreram com a crise pandémica. Também muitos bares e pequenos estabelecimentos de bairro, continuam encerrados, o que pode indiciar encerramento definitivo por falência ou incapacidade económica.
Após o programa de ajuda europeu, acordado na passada semana em Bruxelas, Christine Lagarde (BCE) veio esta semana anunciar um novo reforço de 600.000 milhões de euros, que o governo espanhol não deixará de aproveitar para distribuir pelas populações e regiões mais afectadas.
As regiões têm, agora, autonomia para gerir o dinheiro disponibilizado pelo governo (16.000 milhões de euros) com a condição de  reservarem 70% do novo fundo para saúde e para a educação. Simultaneamente, o parlamento espanhol aprovou a lei do "Ingreso Mínimo Vital" (IMV), um ordenado-base mínimo de €462 para indivíduos ou €1.015 para casais com 2 filhos. Uma medida histórica, saudada por todos as formações políticas e sindicatos, que possibilita a ajuda imediata a 850.000 famílias a viver no limite da pobreza.
Menos pressa, parece ter o governo em abrir as fronteiras terrestres. Apesar dos desejos manifestados pelos governos francês e português, Sanchéz mantêm-se cauteloso e, depois da ministra de transportes ter anunciado a abertura de fronteiras para 21 de Junho (data prevista para o fim do confinamento), o governo espanhol voltou atrás na decisão e, no mesmo dia, reafirmou a intenção de só abrir as fronteiras a 1 de Julho. De nada valeram os amuos em Portugal e em França, já que ambos os países dependem de Espanha para poderem abrir as suas fronteiras. O mesmo não se passa com Itália, portanto um dos países mais infectados pela pandemia que, entretanto, anunciou a abertura das fronteiras para o dia 15 de Junho. A questão fronteiriça está, de resto, a provocar uma discussão a nível europeu, uma vez que nem todos os governos seguem os mesmos critérios, o que pode provocar problemas de tráfego entre países que não fazem parte de Schengen e se regem por leis de circulação diferentes, como é o caso do Reino Unido, cujos súbditos podem viajar para Portugal, ao abrigo de um acordo unilateral entre os dois países. Como convencer um europeu, que o perigo de contágio no seu país é diferente do perigo de contágio noutro? Então, o vírus não é o mesmo?...

2020/06/02

Onze semanas noutra cidade: Pandemia, Recursos e Soluções


Há precisamente três meses (2 de Março) morria a primeira vítima de Coronavírus em Portugal. Por coincidência, nesse mesmo dia viajava para umas curtas férias em Espanha. Desde então, permaneço no país vizinho, aguardando a abertura da fronteira que, prevê-se, estará para breve.
Três meses de confinamento, a exemplo da maior parte dos países europeus com estratégias de contenção semelhantes, ainda que os resultados nem sempre tenham sido os mesmos. Da explosão da epidemia em Itália e Espanha, os países mais atingidos na fase inicial, à relativa contenção em países como Portugal e Grécia, o processo de confinamento revelou virtudes e defeitos, que terão de ser avaliados em conjunto, única forma de limitar recidivas, que se anunciam como prováveis e para as quais não haverá argumentos. Não basta culpar a China pelo encobrimento inicial da existência do vírus (detectado em finais 2019), mas perceber a razão da desvalorização da informação, quando esta já era conhecida a 23 de Janeiro deste ano. De então para cá, muito tempo se perdeu e essa é, provavelmente, uma das razões (não a única) porque hoje temos a lamentar tão elevado número de mortes. Uma prevenção atempada, aliada a meios sanitários de qualidade, são condições indispensáveis para combater qualquer epidemia e esta não é excepção. O facto de ser um vírus desconhecido e não haver vacina para combatê-lo, explica parte do problema, mas a montante há factores que não podem ser iludidos. Desde logo, a incapacidade da maioria dos sistemas de saúde pública para receber um número elevado de contagiados, seja a nível logístico (camas, ventiladores, máscaras...), seja a nível de pessoal (médicos e enfermeiros) seja a nível financeiro (descapitalização do sector público, após a privatização da saúde nos últimos anos). Para evitar o colapso dos serviços sanitários, muitos países tiveram de optar entre dar prioridade aos doentes infectados pelo vírus, ou tratar de doentes crónicos, que aguardam agora a sua vez de serem atendidos. Foi o caso de Espanha e da Itália, como o do Reino Unido e da Holanda (que chegou a pedir à Bélgica reforço de camas). É por isso que é importante a solidariedade na União Europeia, ainda que alguns países continuem a pôr reticências a um "pacote" de ajuda lançado na passada semana pela Comissão Europeia, que prevê a libertação faseada de 750.000 milhões de euros para ajudar os países europeus mais atingidos pela pandemia. Através da combinação de empréstimos e transferências, Von der Leyen pretende satisfazer os países mais atingidos pela crise (Itália e Espanha) e, simultaneamente, os chamados países "frugais" (Holanda, Austria, Suécia e Dinamarca). A chanceler Merkel e o presidente Macron, já tinham mostrado o seu apoio em respaldar um fundo de meio bilhão de euros, financiado com dívida europeia, que seria injectado em forma de subsídios, enquanto os "quatro frugais" aceitavam a criação do fundo, mas punham como condição limitá-lo a dois anos, desde que canalizado em forma de empréstimo. Nesta nova versão, também apelidada de "bazuka europeia", Von der Leyen propõs o aumento temporário do "plafond" orçamental da UE, que passaria de 1,2% para 2% do Produto Nacional Bruto. A margem adicional, de mais de 100.000 milhões de euros, seria utilizada em forma de garantias dos estados, para a emissão de uma dívida conjunta da UE. A emissão destas garantias (créditos) poderia oscilar entre 300.000 e 500.000 milhões e seria amortizada através dos orçamentos da União, num período de 20 a 30 anos. Esta primeira proposta, foi aperfeiçoada e, finalmente, apresentada no dia 28 de Maio.
O programa "Next Generation EU", como agora passou a ser apelidado, assenta em 3 pilares:
1) Apoio aos estados membros, com investimentos, onde se destaca um fundo de 560.000 milhões para investimentos  e reformas relacionadas e.o. com a transição verde e digital das economias;
2) Incentivos ao investimento privado;
3) Apoio às políticas mais castigadas pela crise, como a saúde, investigação e acção externa.
Contas feitas, de um total de 750.000 milhões, a Itália receberá 170.000 milhões (dos quais 80.000 em subsídios e 90.000 em empréstimos), enquanto a Espanha receberá 140.000 milhões (dos quais 77.000 em subsídios e 63.000 em empréstimos). Os 440.000 milhões que sobram, serão para os restantes países.
Para Johannes Hahn, comissário europeu de orçamentos, o "Fundo Europeu de Recuperação não é um altruísmo, mas um investimento", já que interessa a todos os membros da União que a Europa saia desta crise rapidamente. Nas suas próprias palavras: "A tarefa da Comissão é velar por um bom funcionamento do mercado único, não apenas agora, mas também no futuro. Se actuarmos com rapidez e prudência, não haverá risco de ruptura. Creio que Angela Merkel também assim o entendeu e, por isso, aceitou a nossa ideia (de um fundo com subsídios). A Alemanha é a "rainha das exportações", não apenas no Mundo, mas também na Europa. E, para exportar, faz falta um mercado. Sem mercados, não há clientes. Por isso, penso que a nossa proposta, não é só altruísmo, mas sim investimento" (in: "El País" d.d. 30 de Maio).
Melhor do que isto, só mesmo aquela conhecida definição do futebol: "são 11 contra 11 e, no fim, ganha a Alemanha".
        

2020/05/25

Dez semanas noutra cidade: Fases, Calamidades e Solidariedade Europeia


A Espanha entrou hoje, oficialmente, na fase 2 do "desconfinamiento".
À excepção das regiões de Madrid, La Mancha Y Léon e Catalunha, que permanecem na fase 1 devido ao elevado número de casos, o resto do país passará de imediato à fase seguinte.
Em termos práticos, isto quer dizer que, a partir de hoje, é permitido: reuniões de grupos até 15 pessoas; organizar visitas a residências de idosos; celebrar bodas; alojamento em hóteis e AL; frequentar lojas sem limite de superfície e centros ou parques comerciais;  sair a qualquer hora do dia, à excepção do horário reservado a maiores de 70 anos; ir à piscina ou à praia: organizar actividades turísticas e da natureza, até um máximo de 20 pessoas; ir a restaurantes ou cafés e esplanadas até a um máximo de 15 pessoas; visitar exposições, monumentos e equipamentos culturais; ir ao cinema, teatro e auditórios.
Nada mau, para quem há um mês atrás mal podia pôr um pé na rua, sem usar máscara, luvas e dentro de horários específicos. Um tormento, quiçás necessário, para o qual continua a haver muitas dúvidas, já que os resultados das diversas políticas seguidas - confinamento, semi-confinamento, "intelligent lockdown" e controlo digital - tiveram resultados diferentes. Os testes continuam a ser fundamentais para ajuizar da quantidade de infectados e fazer prevenção (sem testes não é possível saber quem está ou não infectado); da mesma forma que, a contagem de infectados e de mortes em consequência do coronavírus, continua a ser posta em dúvida, já que nem todos os países seguem as mesmas normas  (os números oscilam entre registos de mortes directamente causadas pelo vírus e registo de todas as mortes, patologias associadas, inclusive). No fim, espera-se, haverá uma avaliação da OMS, mas até lá haverá recidivas, ou não, uma vez que também neste campo não existe unanimidade. O próprio vírus, deve andar um pouco "baralhado", pois estava a contar com mais umas infecções enquanto não descobrem a vacina e corre o risco de ser "descontinuado" muito antes disso.

Até lá, a pandemia acelera em todo o Mundo, registando uma média de 100.000 contactos diários. Após a Ásia (onde tudo começou) e a Europa (onde o "pico" da crise parece ter passado) é na América do Norte (Estados Unidos) e na América do Sul (Brasil) que a pandemia atingiu os números mais altos e onde se espera o maior número de vítimas.
Por coincidência (ou talvez não) os 3 primeiros países da lista de infectados (EUA, Brasil e Russia), têm líderes populistas e autoritários, dois dos quais negam a ciência (Trump e Bolsonaro) e um (Putin) não olha a meios para atingir o poder absoluto. Neste caso, o "coronavírus" e as medidas de confinamento, são uma óptima ocasião para melhor controlar a população, a exemplo do seu homólogo Orbán, (Hungria) que aproveitou o "estado de emergência" para declarar o "estado de sítio" permanente. A dissidência paga-se caro, nos antigos países do Leste Europeu.
No Brasil, Bolsonaro um caso patológico de estudo, continua a refutar tudo e todos, numa desesperada tentativa de manter o poder que pode estar por um fio. Depois de negar os perigos de infecção e movimentar-se livremente por entre os seus apoiantes (desvalorizando dessa forma o contágio), perdeu os seus ministros de saúde, que recusaram aplicar medidas sanitárias contraproducentes e nomeou, para o mesmo ministério, um militar sem qualquer formação médica. No meio da polémica, perdeu ainda Moro (ministro da justiça) que denunciou a ingerência do presidente no seu departamento, para além de ter convocado uma manifestação (falhada) com vista a pressionar o Congresso brasileiro, o que lhe valeu um processo de "impeachment". De resto, não é o primeiro que lhe é movido o que, a acontecer, poderá provocar a sua queda.
A manter-se o aumento exponencial de infecções, provocadas pelo vírus, o Brasil corre sérios riscos de se tornar um país ingovernável a curto prazo: desde logo pela estupidez do seu presidente, um demente fascista, para quem a vida dos seus cidadãos nunca importou (sempre elogiou a ditadura e os seus torturadores); depois, pelos meios sanitários insuficientes para acudir a uma população empobrecida e desesperada em sobreviver, que pode vir a revoltar-se, se não tiver alternativas.
Temendo isso, os militares (com Mourão à cabeça) movimentam-se na retaguarda, construíndo cenários e fazendo ameaças, projectando já um futuro sem Bolsonaro. Mas, com quem? Essa é a grande questão neste país, dividido após o golpe contra Dilma, que permitiu aos fascistas chegar ao poder através de eleições.

Entretanto, na Europa, continuam as negociações para criar um fundo europeu de ajuda aos países afectados pela pandemia. Depois de um primeiro confronto no Eurogrupo, entre os defensores de "eurobonds" (Espanha, Itália, Portugal e França) e os defensores de empréstimos, através do Fundo de Estabilidade e Emergência Monetária (Holanda, Austria, Finlândia e Suécia), que opôs violentamente a Holanda e a Itália, conseguiu chegar-se a um acordo de intenções, que resultou na aprovação de um Fundo de 500.000 milhões de euros a fundo perdido (proposta da Comissão). Esta semana, a proposta foi, de novo,  alvo de discussão. Em princípio, os países pareciam estar de acordo, já que a crise actual não é uma crise económica (como a anterior), mas sanitária (que a todos afecta) e para a qual são exigidas medidas de solidariedade. Acontece que, a solidariedade europeia, já conheceu melhores dias. Os países do Norte (Holanda, Austria, Suécia e Dinamarca) só aceitam a subvenção a "fundo perdido" (uma variante da "mutualização da dívida") caso as contas dos países do Sul possam ser auditadas e controladas exteriormente...Subjacente a esta ideia, está a convicção de que a fraude é uma especificidade do Sul, como se os países do Norte fossem mais sérios. Basta lembrar a existência do "offshore" holandês, que enche os seus cofres com o dinheiro de impostos desviados do Sul, para constatar que a Holanda (e os restantes países que apoiam a sua posição), não tem qualquer moral nesta questão, pois pratica uma política de "olha para o que eu digo, mas não olhes para o que faço". Maior hipocrisia, era difícil.
Posto isto, qual a solução? 
A não ser que, mais uma vez, Merkel (e Macron) "ponha ordem" nesta inacreditável exigência por parte de países que se consideram "moralmente superiores" (como se não tivessem todos sido atingidos pelo mesmo vírus), não se vê uma saída airosa para esta crise. A menos que a Europa se divida ainda mais.  Nesse caso, terminará enquanto projecto europeu. Já faltou mais.

2020/04/19

Duas semanas noutra cidade (10): Modelos, Medos e Medidas Avulsas

photo NYTimes
A disseminação do coronavírus, agora de forma constante em todo o hemisfério Norte, obrigou a maior parte dos governos a tomarem medidas de acordo que, para além de sanitárias, reflectem o cariz de cada regime.
Depois do alarme ter soado na China (23 de Janeiro, n.r.), seguiu-se uma rápida reacção dos países limítrofes (Coreia do Sul, Taiwan, Japão...) que, alertados para o perigo de contaminação grave, rapidamente puseram em prática modelos sanitários, de detecção e prevenção, eficazes. Decisivo neste combate, foi o sistema de vigilância digital dos cidadãos que permitiu, em tempo real,  identificar quem estava infectado e avisar potenciais contaminados. Não é só na China, (portanto um estado totalitário) que os cidadãos são controlados no seu quotidiano. Também em sociedades asiáticas mais democráticas, o controlo digital é praticado, de forma semelhante, há muitos anos.
Em Taiwan, o estado envia simultaneamente a todos os cidadãos um SMS para localizar as pessoas que tiveram contactos com infectados e para informar sobre os lugares e edifícios onde houve pessoas contagiadas. Ainda numa fase inicial, Taiwan utilizou uma ligação dos diversos dados para localizar possíveis infectados em função das viagens que tinham realizado.
Na Coreia do Sul, quem se aproxima de um edifício onde tenha estado um infectado, recebe um sinal de alarme através de um "app", especial criado para o Coronavírus. Todos os lugares, onde havia infectados, estão registrados nesta aplicação. Não se tem muito em conta a protecção de dados nem a esfera privada. Em todos os edifícios da Coreia foram instaladas câmaras de vigilância em cada andar, em cada escritório, em cada loja. É praticamente impossível a movimentação em espaços públicos sem ser filmado por uma câmara de vídeo. Com os dados do telefone móvel e do material filmado por vídeo, pode criar-se o perfil de movimento completo de um infectado. Os movimentos de um infectado, são todos publicados. Nos escritórios do ministério coreano da saúde, existem pessoas, chamadas "trackers" que, dia e noite, não fazem outra coisa do que visionar o material filmado por vídeo para completarem o perfil do movimento dos infectados e localizar as pessoas que tenham tido contacto com estas.
Outra diferença fundamental, entre a Ásia e a Europa, são, sobretudo, as mascarilhas protectoras. Na Coreia do Sul, não há praticamente pessoas, que saiam à rua, sem mascarilhas respiratórias especiais, capazes de filtrar o ar do vírus. Não são as habituais mascarilhas quirocirúrgicas, mas mascarilhas protectoras especiais, com filtros, também usadas pelos médicos que tratam os infectados. Nas primeiras semanas, após o alarme, o tema prioritário na Coreia foi a distribuição massiva de máscaras à população. Perante as longas filas de espera nas farmácias, os governantes tomaram medidas radicais: foram construídas, à pressa, novas máquinas para fabricá-las. Aparentemente, com sucesso. Existe, inclusive, um "app", que indica quais as farmácias mais próximas que dispõem de máscaras.
Assim que souberam do vírus na China, as 4 fábricas farmacêuticas existentes, receberam dinheiro e autorização do governo, para fabricarem "kits" de teste. No pico da crise, chegaram a ser testados 20.000 cidadãos por dia. Para analisar os testes, foram criados 56 laboratórios especiais. As pessoas eram testadas nos hospitais ou em clínicas de proximidade, em casa e dentro dos próprios carros. Os infectados foram isolados em casa e o resto da população pode prosseguir a sua vida. Mais importante ainda, os sul-coreanos não esperaram por ajudas exteriores e fabricaram todo o material de que necessitavam em fábricas nacionais. O único país que fez mais testes do que a Coreia do Sul, foi a Alemanha (60.000/diários), graças a um bom sistema sanitário de prevenção e à capacidade industrial de que o país dispõe.
Na maioria dos países europeus e após um período de subvalorização da crise, o número de infectados e mortes disparou, tendo atingido números impensáveis há dois ou três meses, ainda que, comparativamente, o número de falecidos devido às gripes anuais, seja maior.
Dois meses após terem sido detectados os primeiros casos na Europa (Itália), o número de mortes por coronavírus continua a crescer nos países mais industrializados, sem que se veja um fim à vista: Itália (23.227), Espanha (20.453), França (19.323), UK (15.464), Bélgica (5.683), Holanda (3.684)...
Por outro lado, as medidas de contenção tomadas em cada país, divergem na sua aplicação e nos instrumentos postos à disposição pelos respectivos governos e serviços sanitários.
Uma das falhas, parece residir na capacidade de responder em tempo (material e logisticamente) a uma epidemia nova e com estas dimensões. Um dilema que atravessa a maioria dos países europeus, como bem exemplificou Erdad Balci, no semanário holandês HP/DeTijd do passado dia 23 de Março: "A Holanda, com a sua economia do conhecimento e o seu sector de serviços, viu-se reduzida a um país em vias de desenvolvimento, que tem de pedir materiais simples para que os seus súbditos não morram. É tempo de acordar". Utilizando a metáfora do "cavalo de competição que ganha sempre e que, por isso, continua a correr depois de perder...", o articulista prossegue: "na passada quarta-feira, chegou uma avião de mercadorias a Schipol, com um carregamento de 80.000 máscaras sanitárias vindas da China. Os chineses ofereceram as máscaras, porque tinhamos necessidade. Grande alegria à chegada das paletes, com direito a fotografia da tripulação chinesa e aplausos dos presentes. O carregamento gratuito é o espelho em que nos devemos mirar. Para obter uma coisa tão simples como máscaras orais, a Holanda teve de pedir a uma potência estrangeira que, na primeira oportunidade, também acaba com a nossa "open society" (em inglês, no texto). A chegada das máscaras, é o mesmo tipo de ajuda para o desenvolvimento, que um poço de água num aldeia africana. Sabíamos, há meses, da existência do vírus, mas não conseguimos fabricar máscaras para nos protegermos!". A razão, explica Balci, reside num factor muito simples: o desmantelamento progressivo da industria no Ocidente e a transferência de investimentos para a China e países límitrofes, onde a mão-de-obra é barata e os operários obedientes. Só que, agora, estamos todos nas mãos dos chineses. Esta constatação, leva-nos a outro tipo de questões que a crise epidémica levantou.
A pandemia põe à prova os regimes políticos em todo o Mundo.
A rivalidade entre USA e China, está a ser vista como uma competição entre dois modelos políticos opostos: A democracia e o autoritarismo. Qual deles respondeu melhor a esta crise e qual dos dois vai prevalecer depois da crise?
A China foi o primeiro país a registrar o contágio do Covid19. Em Novembro de 2019, ocorreu o primeiro caso em Wuhan, na província de Ubei, que seria abafado até começarem a correr notícias de que o médico que tinha detectado o vírus - Li Weng Lian - tinha sido afastado e, posteriormente, falecido devido à infecção, que alastrou em pouco mais de um mês. Em Janeiro deste ano, a China confirmava a epidemia e informava a OMS. As nações ocidentais não podem declarar que não sabiam da existência deste vírus.
Trump, como sempre, seguiu uma politica errática. Começou por fechar as fronteiras e abandonou o palco internacional, acusando a China de ser responsável pela disseminação do vírus, que apelidou de "vírus chinês". Xi Jinping seguiu uma política assertiva. Abre a China ao Mundo e quer ocupar o vazio deixado pelos EUA na liderança global.
A ideia que daqui resulta é a de que o autoritarismo é mais eficaz que a democracia e sairá reforçado desta crise.
Nesta crise, encontramos três componentes, que correspondem "grosso modo" a três tipos de regime  diferentes:
1) O Autoritarismo: do qual o melhor exemplo é a China. Começou por negar o problema, depois tentou escondê-lo, impedindo o médico de denunciar a doença, no que perdeu um mês que pode ter sido decisivo no combate à epidemia. Finalmente, tomou medidas draconianas e, uma vez controlado o surto,  fez aproveitamento político. Foi eficaz na resposta. Venceu o vírus (ainda que não saibamos se os números são exactos), enviou ajuda, material sanitário e médicos, para os países mais atingidos (Itália e Espanha). É o líder mundial desta crise.
2) As Democracias governadas por Populistas: Trump, Bolsonaro, Boris Johnson. Começaram por ridiculizar a gravidade da doença ("é só uma gripezinha", dizia Bolsonaro) contribuindo para a desinformação e adiando as soluções. Desvalorizaram o papel da ciência e as opiniões de médicos, em nome de uma suposta superioridade étnica. Finalmente, foram forçados a reagir, tarde e a más horas. Hesitaram entre o valor da vida humana e os interesses económicos.    
O resultado não foi o melhor. Em apenas quatro semanas, os EUA atingiram já os 40.000 mortos (metade das quais no estado de Nova Yorque) e os 30 milhões de desempregados (20% da força de trabalho). A maior percentagem dos últimos 10 anos!
Do Brasil, nem vale a pena falar: Bolsonaro, o pior presidente da história brasileira, continua a passear-se entre os seus adeptos, tão mentecaptos como ele e, entretanto, despediu o ministro da saúde, por este ousar criticar a sua gestão nesta crise. O país é um barril de pólvora, com milhões de pessoas a viver em condições infra-humanas nas favelas do Rio e São Paulo, para além dos 200.000 presos, confinados em prisões sobrelotadas. O caos é tão grande que os militares (chefiados por Mourão, vice-presidente) estão à beira de forçar uma demissão (por "impeachment" ou acordo) de Bolsonaro e da sua família, o que não augura grande futuro para o país.
Entre os populistas, há ainda quem se aproveite dos poderes de excepção para reforçar a autocratização do regime. É o caso de Orban (Hungria) que aproveitou a epidemia, para decretar o "estado de excepção" por tempo indeterminado. Quem desobedecer pode apanhar 5 anos de prisão! A Hungria passou a ser a primeira ditadura na União Europeia.
3) As Democracias Liberais: umas mais cedo, outras mais tarde, todas levaram o problema a sério e tomaram decisões com base na ciência, ainda que os "confinamentos" (lockdowns) sejam diferentes de pais para país. Os mais liberais (Suécia, Finlândia, Noruega, Holanda, etc...) optaram por um sistema semi-aberto, onde os cidadãos são responsáveis pelo seu comportamento; enquanto outros (Portugal, Espanha, Itália...) seguem guiões mais tradicionais e prolongaram os estados de excepção até à primeira quinzena de Maio.
Uma coisa, parece certa. Depois da pandemia, nada ficará como dantes. Resta saber se para melhor. Os indicadores, para já, são péssimos. Primeiro, assustaram as pessoas com o vírus e, agora, assustam-nas com a próxima crise económica. Como bem explicou Naomi Klein em "A Doutrina do Choque: a ascensão do capitalismo do desastre", o sistema aproveita-se do medo, causado por crises (económicas, humanitárias ou outras) para manipular e reforçar o seu poder. Nuvens negras no horizonte.

(continua)

2020/04/15

Duas semanas noutra cidade (9): Espanha, Confinamentos e Estratégias


Rainha Máxima da Holanda e o marido Rei Willem-Alexander na Feria 2019 (foto Look)

Depois de uma semana "santa", em que o sol brilhou e a temperatura não baixou dos 22º, voltou a chover em Sevilha. Chuva e trovões, que o "criador" não parece ter gostado da forma como os citadinos voltaram à "festa"...
Mal passou a Quaresma, mudaram as regras sociais. O que antes era penitência e martírio, transformou-se em música pop e "sevilhanas". A explicação é simples: dentro de quinze dias, teria lugar a "Feria", este ano cancelada por motivos óbvios, pelo que os habitantes da cidade não podem reencontrar-se naquela que é considerada a maior festa tradicional andaluza: dez dias de feira popular gigante, visitada anualmente por milhares de pessoas, vindas de todo o país para ver e frequentar as centenas de tendas, agrupadas em colectividades culturais e associações de ganadeiros e agricultores da região, onde a entrada é exclusiva. Depois, existem as tendas públicas, onde se pode provar tudo o que é petisco regional e ouvir música ao vivo. Com sorte, é possível ver bons espectáculos de Flamenco e dançar "sevilhanas", em palcos espalhados pela Feira. Pelas largas alamedas, passeiam grupos de sevilhanas, deslumbrantes nos seus trajes de lunares, enquanto os ganadeiros da região ostentam riqueza, montados em "puros sangue" andaluzes e passeando em charretes descobertas, com cocheiros de libré. Anexo ao recinto principal, existe ainda um "lunapark", onde os mais jovens se divertem sob o olhar condescendente dos pais. A polícia, omnipresente, regula o trânsito e impede os excessos. Uma orgia de côr e música, que nenhum sevilhano que se preze, deixa de visitar uma vez por ano.
Desta vez, devido ao "confinamiento", restam as varandas e as açoteias dos prédios, onde todos os dias, pelas 20h, os habitantes da cidade agradecem aos profissionais da saúde, com uma longa salva de palmas e música: depois de uma semana de marchas e pregões religiosos, a alegria das "sevilhanas", transmitidas através de aparelhagens sonoras que são escutadas em todo o bairro. Uma festa contagiante.
Esta (genuína) alegria, não ignora a triste e dura realidade. Pesem as medidas draconianas, anunciadas e postas em prática pelo governo espanhol, de que somos testemunha diariamente (patrulhas de policias armados de metralhadora, controlo severo nos transportes públicos e unidades paramédicas instaladas em lugares estratégicos, para acudir aos necessitados), a verdade é que o número de infectados e mortes, causado pelo coronavírus, não pára de subir. Hoje, eram 177.633 e 18.579, respectivamente, o que faz de Espanha o segundo país com mais infectados e o terceiro com mais mortes, a nível mundial. A maior crise humanitária, desde a segunda guerra mundial.
Da situação, tentam tirar proveitos politicos os dois maiores partidos da oposição, que não perdem uma ocasião para criticar as medidas do governo. Enquanto, Casado (líder do PP, direita conservadora) acusa o governo de tomar decisões de forma unilaterar e declara não estar disposto a apoiar o governo ou assinar mais "Pactos de Moncloa" (acordo entre partidos parlamentares, em 1977, n.r.); Abascal (líder do Vox, fascista) acusa o governo de practicar uma "eutanásia feroz" e de ter uma "gestão criminosa", na contenção da pandemia do vírus. As declarações, deste homem defensor do "senso comum", têm sido acompanhadas por mentiras nas redes sociais, onde sugere que o governo censura as mensagens telefónicas relacionadas com o vírus, que os imigrantes são beneficiados no tratamento em hospitais, ou que a causa de morte dos infectados é devido à "peste chinesa", entre outros mimos. Nada que nos surpreenda, já que o nihilismo e as "fakenews", a par da negação da ciência e o ódio aos estrangeiros, faz parte do discurso de todos os populistas de direita. Veja-se o caso de Trump (USA) Bolsonaro (Brasil) ou, mais perto de nós, Orbán (Hungria), Le Pen (França), Wilders (Holanda) e Ventura (Portugal).

Acontece que o sucesso da China e de outros países asiáticos, no combate ao Coronavírus, se deve a factores culturais e políticos específicos, que explicam a forma como abordaram a pandemia, para a qual, de resto, a OMS já tinha alertado em 2016.
No excelente ensaio "Coronavirus y estado policial. La revolución viral",  publicado em 22 de Março último no El País, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, traça uma panorâmica da expansão do vírus e aponta as razões pelas quais, segundo ele, a Europa está a fracassar no combate à pandemia.
Um resumo: as cifras dos infectados não param de aumentar em Itália, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica, Holanda, Suiça ou Alemanha, onde diariamente morrem centenas de pessoas e têm de ser tirados ventiladores aos mais velhos para dá-los aos mais jovens, enquanto se decretam estados de excepção que, em última análise, legitimam o "estado soberano" (que decide sobre o estado de excepção) e fortalecem o nacionalismo. Segundo ele, esta é uma exibição de soberania que de pouco serve, da mesma forma que proibir a entrada de estrangeiros nesta altura, é um acto absurdo, já que a Europa é justamente o continente para onde ninguém quer vir agora. Seria muito mais útil a eficaz cooperação entre estados europeus e proibir a saída de europeus para outros continentes, uma vez que a Europa é o epicentro da epidemia.
Em comparação com a Europa, quais as vantagens que o "sistema asiático" pode oferecer na eficiência do combate ao vírus? Estados asiáticos, como o Japão, a Coreia, a China, Hong-Kong, Taiwan e Singapura, têm uma mentalidade autoritária que vem da sua tradição cultural (confucionismo). As pessoas são menos negativas e mais obedientes que na Europa. Também confiam mais no estado. Não apenas na China, mas também na Coreia e no Japão, a vida está organizada de uma forma mais estrita que na Europa. Sobretudo, para detectar o vírus, os asiáticos apostam fortemente na vigilância digital. Admitem que a "big data" pode encerrar um enorme potencial para se defender da pandemia. Poderia dizer-se que as pandemias na Ásia não são apenas combatidas por virólogos e epidemiólogos, mas sobretudo por informáticos e especialistas em macrodata. Uma mudança de paradigma, da qual a Europa não parece ter-se dado conta. Ou seja, a "bigdata" salva vidas humanas.
A consciência crítica, perante a vigilância digital, praticamente não existe na Ásia. Apenas se fala da protecção de dados em democracias liberais como o Japão ou Coreia. Ninguém se opõe à recolha de dados pessoais pelas autoridades. Na China, criaram um sistema de crédito social, inimaginável para europeus, que permite uma valorização e uma avaliação exaustiva dos cidadãos. Na China, não há nenhum momento da vida quotidiana que não esteja submetido a avaliação. Controla-se cada clic, cada cada compra, cada contacto, cada actividade nas redes sociais. A quem atravessar o semáforo vermelho, a quem tiver contactos com críticos do regime, ou a quem coloque comentários críticos nas redes sociais, tiram pontos. Nesse caso, a vida pode tornar-se muito perigosa. Ao contrário, a quem comprar alimentos sãos ou quem ler publicações do regime, dão pontos. Na China isto é possível, porque existe um intercâmbio, sem restrições, entre os provedores da internet, os telemóveis e as autoridades. Praticamente, não existe protecção de dados e não se conhece o conceito "esfera privada".  
Na China, 200 milhões de câmaras de vigilância, muitas delas dispondo de tecnologia de reconhecimento facial detalhado, permitem vigiar e controlar todos os cidadãos em espaços públicos. Ao sair do metro ou do comboio, as câmaras medem a temperatura corporal dos passageiros e avisam-nos, assim como aos restantes passageiros, do perigo de contágio. Este tipo de rastreio, permitiu isolar e testar potenciais infectados e dirigi-los para unidades hospitalares onde são tratados. Esta foi, de resto, uma das razões do sucesso do combate ao vírus, que em menos de três meses, limitou a epidemia, em Wuhan e em 12 cidades circundantes, a números residuais. Sobre isto e muito mais, no próximo "post".

(continua)

2020/04/03

Duas semanas noutra cidade (6): Todavia, vivos...


Hoje, acordámos, com uma notícia previsível: de acordo com o "site" da OMG que monitoriza o "coronavírus" a nível mundial, o número de infectados, ultrapassou o primeiro milhão. Mais exactamente, 1.030.570 pessoas, das quais 54.226 falecidas.
Em Espanha, onde me encontro, o número de infectados era, esta manhã, 117.710 e, o número de mortes, 10.935. Em termos absolutos, a Espanha é já o segundo país com mais infectados a nível mundial e, em termos relativos, o primeiro país, com um total de 2350 infectados por milhão de habitantes.
Números terríveis, que entram diariamente pela rádio e tv dentro, em contínuos boletins emitidos pelo Ministério Nacional de Saúde, a partir da "task force" criada para esta pandemia, instalada no palácio de Moncloa em Madrid.
A Andaluzia, registrava 7.374 infectados e 408 mortos, um número relativamente baixo, quando comparado com as regiões mais infectadas (Madrid, Catalunha e País Vasco).
Em Sevilha, o hospital "Virgen del Rocío", criou dois circuitos paralelos de detecção e tratamento de potenciais doentes, onde estes são testados e internados. Comparativamente a Madrid, onde o número de mortes em lares de idosos ultrapassou as 3000 pessoas (infectados incluídos), a cidade de Sevilha também registava um número relativamente baixo: 57 falecidos. As agências funerárias não têm capacidade para responder atempadamente a esta calamidade e muitos corpos, tiveram de permanecer em morgues, antes de serem incinerados. Dadas as medidas sanitárias impostas, muitas pessoas não conseguem sequer despedir-se dos seus familiares. Um filme de terror, que fez manchete na comunicação internacional. Acresce, que a maioria dos "lares" são residências privadas, que não dispõem de equipas médicas permanentes, o que dificulta a detecção (e testes) dos residentes infectados.
Perante a situação, o governo já anunciou o prolongamento do estado de excepção, que durará até ao dia 26 de Abril. Entretanto, a polícia aumentou as medidas de coacção e, nos transportes públicos de Sevilha, passou a controlar os passageiros para avaliar da necessidade da sua deslocação. Quem não consegue justificar a viagem, pode ser obrigado a sair ou a pagar uma multa. A desobediência, pode custar entre 200 e 20.000 euros, no caso de automobilistas que infrinjam a lei.
Nem tudo é mau, no entanto. Diariamente, pelas 20h, milhões de cidadãos do país, continuam a assomar à janela, para agradecer aos profissionais de saúde que enfrentam esta luta sem desfalecer. Uma homenagem que, ontem, graças à temperatura amena de Sevilha, se prolongou no tempo. Após o ritual das palmas, os moradores permaneceram nas janelas e em açoteias vizinhas, onde aproveitaram para pôr a "conversa em dia", muitos deles pela primeira vez entre si. Não faltam críticas aos governantes, pois sempre há algo mau nos hospitais, nas farmácias ou nos supermercados. Habituados à sociedade de consumo, os espanhóis (como os europeus em geral) lamentam-se das "carências" e, o que é pior, temem pela sua existência, agora mais frágil. Um bom teste de sobrevivência e resiliência, quando comparado com a situação (essa sim, deplorável) dos refugiados, amontoados em campos gregos, italianos e líbios. É de esperar que este período de austeridade e confinamento traga, a todos, mais humanidade e solidariedade em tempos de crise.
Solidariedade tem sido, de resto, uma das palavras mais inflacionada por estes dias. Depois das reservas mostradas pelos chamados países do "bloco do marco" (Holanda, Alemanha, Austria e Finlândia) em apoiar a criação de um fundo europeu especial para esta crise (os chamados "coronabonds") seguiram-se as infelizes declarações do ministro holandês das finanças, que só vieram piorar as coisas. A reacção crítica e de repúdio por parte de António Costa, no que foi apoiado pelos restantes países do Sul, seria transcrita nos principais orgãos de informação europeus, como o El País, Le Monde, The Guardian, NRC, De Volkskrant, HP/Tijd (estes três últimos, holandeses).
No Público, a articulista Teresa de Sousa, especialista em assuntos europeus, resumiu bem a situação, num artigo intitulado "Se o Sul se afundar, o Norte opulento deixará de existir":
"Já não é apenas um caso entre António Costa e Mark Rutte e o seu ministro das Finanças. Nem apenas um caso entre Países-Baixos de um lado, e a Itália e a Espanha, os dois países europeus mais brutalmente fustigados pela pandemia, do outro. De repente, os Países-Baixos transformaram-se no lugar geométrico de prova de vida a que a Europa e as suas democracias, estão a ser sujeitas neste exacto momento da História. O debate interno ameaça a coligação de governo (holandês n.r.). A pandemia aproxima o sistema de saúde da ruptura".
As críticas europeias, acabariam por fazer "mossa" na frente germânica, que se apressou a "emendar a mão". Já esta semana, Mark Rutte (primeiro-ministro holandês) veio declarar que não tinha sido muito "diplomático" (a expressão é "bot", em neerlandês) e, ontem mesmo, Von der Leyen (presidente alemã da Comissão Europeia) reafirmou o apoio da Europa à Itália, anunciando um crédito sem limites ao país mais fustigado por esta crise. Algo é algo.

P.S. Recebemos um mail da "COVID19", uma linha de apoio, aberta pelo MNE, para portugueses impedidos de regressar ao país. Pedem desculpa pelo atraso na resposta e perguntam se ainda necessitamos de ajuda (?). Vale mais tarde, que nunca. Claro que necessitamos de ajuda. Ainda estamos vivos...

(continua) 

2018/08/30

O eterno retorno do fascismo (2)


Dois acontecimentos, sem ligação aparente, marcaram a agenda política europeia desta semana: as violentas manifestações de grupos neo-nazis na cidade alemã de Chemnitz e o encontro entre os líderes dos governos de Itália (Salvini) e da Hungria (Orbán), na cidade italiana de Milão.
O primeiro caso, seguiu-se a um incidente em que um alemão foi esfaqueado e morreu no hospital na sequência de ferimentos, num episódio que ainda está por esclarecer. A polícia prendeu dois suspeitos, um iraquiano de 21 anos e um sírio de 22 anos. À morte do cidadão, seguiu-se um "rastilho" de rumores nas redes sociais (de que a vítima teria tentado defender mulheres de assédio dos estrangeiros) e uma manifestação de nacionalistas, que acabou com perseguições a "pessoas que tivessem uma aparência não-alemã". As imagens desta acção persecutória foram registadas nas redes sociais e mobilizaram as forças de esquerda da cidade, que convocaram uma contra-manifestação "em defesa do bom nome e cosmopolitismo de Chemnitz, por oposição à xenofobia dos grupos nacionalistas". O que se seguiu, foi uma batalha campal, que se prolongou por dois dias, com um balanço final de 20 feridos, entre os quais dois polícias, e a prisão de 10 manifestantes acusados de fazerem a saudação nazi, ilegal na Alemanha. O caso, que continua a ser discutido nos media, veio alertar para o crescimento dos movimentos nacionalistas e xenófobos naquele país, que têm maior expressão nos territórios da antiga Alemanha de Leste. A polícia alemã também não escapou a críticas, por ter permitido a escalada de violência. Na opinião do jornalista Hans Pfeifer (Deutsche Welle) esta atitude "pode ser interpretada como falta de empatia pelas vítimas, uma vez que parte dos políticos e funcionários públicos não são o primeiro alvo da extrema-direita". Ainda de acordo com o citado jornalista, "o que aconteceu não é um atentado contra estrangeiros ou contra a extrema-esquerda, mas contra a própria democracia". O mesmo parece ter entendido o governo de Merkel, ao declarar que "não serão toleradas reuniões ilegais, nem perseguição de pessoas que pareçam diferentes, nem tentativas de espalhar o ódio pelas ruas".
O segundo caso, prende-se com uma cimeira entre dois políticos conhecidos pelas suas posições populistas e xenófobas, cujos governos têm vindo a endurecer posições relativamente a refugiados e imigrantes, que procuram entrar nos países europeus. No caso de Salvini, a recusa em salvar náufragos à deriva no Mediterrâneo, foi condenada nas mais diversas instâncias e atenta contra o direito internacional e o código marítimo, que obrigam ao salvamentos de náufragos em mar-alto. No caso de Orbán, os atropelos às leis europeias são já incontáveis, desde as sucessivas alterações à constituição, que lhe permitem controlar a justiça e a imprensa, às políticas de racismo interno (ciganos) e à imigração. Orbán declarou recentemente que "a Hungria não quer receber gente, porque não deseja que os povos se misturem". O mesmo governo que, ainda esta semana, foi acusado de ter recusado comida e abrigo a estrangeiros (considerados) ilegais, enquanto esperam passagem, dado não poderem permanecer na Hungria. Órban está, neste momento, a violar a Convenção de Genebra para Protecção dos Refugiados, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE, e os próprios tratados da UE, após o Tratado de Lisboa.
Dois biltres, que apoiados pelos países da chamado "bloco soberanista" (checos, polacos, húngaros, eslovacos e italianos) desejam regressar ao passado nacionalista, que esteve na origem de guerras que devastaram o continente europeu.
É contra esta gente, que continua impunemente a passear-se pelos corredores de Bruxelas, enquanto desrespeita as regras mínimas da democracia e ameaça com boicotes ao orçamento da União, que os partidos democráticos do Parlamento Europeu devem unir-se, exigindo o cumprimento da lei em vigor na UE, condição primeira para serem membros de direito. Isto, ou a perda de apoios europeus, única linguagem que os ditadores percebem. Esta é a melhor forma de defendermos a democracia.
Como bem lembra Rui Tavares, num recente artigo de opinião ("Público" de 13.08.18): "Não é por acaso que a Constituição alemã proíbe a existência de partidos nazis ou que a Constituição da República Portuguesa contenha também uma proibição - ainda que pouco usada - contra a possibilidade de existência legal de organizações fascistas. É para não nos esquecermos de onde viemos. As nossas democracias nasceram contra o fascismo e essa história faz parte da sua razão de ser. Se nos esquecermos ou cansarmos desta história, estaremos já a caminho da regressão".    
Antes que seja tarde.
      

2017/03/25

Dijsselbloem (et pour cause...)


Comemoram-se, hoje, 60 anos do Tratado de Roma, que daria origem ao Mercado Comum Europeu, posteriormente apelidado de União Europeia.
Um projecto idealizado pelos franceses Jean Monnet (Economista) e Robert Schuman (Ministro), apoiado pelo chanceler alemão Adenauer, considerados os "pais fundadores" da actual Europa.
Com todos os seus avanços e recuos, o projecto europeu - criado no pós-guerra, para evitar futuros conflitos no continente - teve desde logo um mérito: o de conseguir manter a paz durante sessenta anos. Outros avanços significativos foram, entretanto, conquistados, bastando lembrar a abolição de fronteiras entre os estados, a livre circulação dos cidadãos, a criação de uma moeda única (o Euro), para além do "estado social" mais desenvolvido e protector de todo o Mundo Ocidental.
É este modelo que, nos últimos anos, vem sendo posto em causa, não só por muitas das forças partidárias que representam os estados-membros da União, como por uma grande parte das populações, as quais não se revêem em muitas das políticas e burocracia das diversas instituições (Comissão, Conselho, Parlamento) que constituem a União Europeia.
As críticas têm, muitas delas, fundamento e sessenta anos passados sobre o "sonho" de uma Europa unida, são visíveis as "fendas" verificadas no edifício da UE, com o aparecimento de movimentos e partidos que, mais do que a união e a solidariedade, procuram a divisão e o regresso ao estado-nação que esteve na origem dos dois maiores conflitos do século passado na Europa.
O caso mais recente e paradigmático, deste sentimento anti-europeu, foi o "Brexit" (do qual as "ondas de choque" estão longe de ter terminado), ainda que outros países do Reino  (Escócia e Irlanda do Norte) possam seguir o caminho inverso. Já a França (de Le Pen), advoga a saída da Europa, enquanto a Hungria e Polónia, defendem modelos autoritários de sociedade em tudo contrárias ao espírito da Europa democrática. No meio, um bloco nórdico, que perfilha o modelo alemão e um bloco mediterrânico, onde se ensaiam novos modelos fora do jugo monetarista germânico.
Paralelamente (et pour cause) novos problemas internacionais, trouxeram para a Europa outros desafios (crise da banca internacional, guerras no Médio-Oriente, refugiados e terrorismo) que agravaram as condições e a percepção das populações, sobre a necessidade de mudar o paradigma actual, única forma de ultrapassar o impasse existente reconhecido pela maior parte dos seus intervenientes. Basicamente, parecem existir dois modelos: o de continuar como se nada se passasse (esperar para ver) com a esperança que tudo se resolva; e o de "não há alternativa", segundo o qual os países devem seguir mecanicamente os Tratados, mesmo quando a realidade desmente os modelos aplicados.
Estão, neste segundo grupo, os países do chamado núcleo alemão (Alemanha, Austria, Finlândia e Holanda) que estiveram na origem da criação da "moeda única", cuja paridade, sendo igual no valor facial, é desigual nas economias reais. Ou seja, o valor facial do Euro, não corresponde ao valor real das economias que adoptaram a moeda única.
Esta desigualdade foi-se acentuando ao longo dos anos, entre economias que exportam os seus produtos de valor acrescentado (os países nórdicos) por preços valorizados; e as economias que produzem "commodities" de baixo-valor (países do Sul) com os consequentes desequilibrios das respectivas balanças comerciais. Esta desigualdade, que poderia ser resolvida através de um Banco Europeu, caso este pudesse "emprestar" directamente dinheiro a estados em vez de bancos, não acontece na União Europeia actual (pois esta não é uma Federação de Estados, como os EUA ou a Russia). Da mesma forma, teria de existir um sistema fiscal comum, que não permitisse a existência de "offshores" legais, como na Irlanda, na Holanda ou no Luxemburgo, onde são praticadas taxas de juros abaixo da média europeia e para onde são deslocados os lucros das multinacionais que, dessa forma, fogem aos impostos, penalizando as economias nacionais. É o caso da Holanda, onde 19 das maiores 20 empresas portuguesas cotadas em bolsa, têm as suas sedes fiscais.
Tudo isto é sabido pela Alemanha (o principal beneficiário desta desigualdade), assim como pelos países credores (França, Holanda, Finlândia, etc.) que possuem excesso de liquidez e preferem emprestar a juros acima da média, mesmo sabendo que nunca receberão as totalidades das dívidas soberanas (que vão sendo renegociadas) e continuam a acumular lucros chorudos, através dos juros pornográficos exigidos.
Ora o senhor Dijsselbloem, que sendo parvo não é burro (coisas diferentes), veio esta semana lembrar os "países dos Sul" (curioso epíteto) que devem pagar as dívidas, em vez de "beber copos e andar com mulheres" (!?). Um "lapso freudiano", certamente, que nem sequer é original, pois o primeiro-ministro holandês (Rutte) tinha dito precisamente o mesmo numa cimeira europeia o ano passado, como bem nos lembrou hoje um conhecido canal televisivo. Ou seja, determinados políticos europeus, já nem sequer disfarçam, mas dizem as maiores alarvidades, esquecendo-se que a Europa idealizada faz hoje sessenta anos (quando a maior parte deles não tinha sequer nascido) teve, nos seus primórdios, estadistas com a grandeza suficiente para idealizarem um projecto onde os países e as pessoas eram o mais importante. Um projecto comum, numa casa comum, onde a solidariedade fosse o factor determinante. Aparentemente, nesta Era de monetarismo neoliberal, a economia passou a ser mais importante que as pessoas. Daí, a situação actual, onde a austeridade tem sido comum à maior parte dos países da União, confrontados com uma crise que é, ela própria, resultado do modelo da globalização desregulada. Acontece que a História não terminou e as pessoas têm memória, como se viu nas recentes eleições holandesas, onde os partidos da coligação governamental, da qual fazem parte os liberais de Rutte e os sociais-democratas de Dijsselbloem, foram penalizados com uma derrota sem precedentes (37 lugares perdidos no total!). Razão: cortes no valor de 135 mil milhões de euros nos últimos seis anos de governação, que afectaram principalmente os sectores da saúde, o apoio a idosos, a educação e o emprego jovem (50% dos holandeses entre os 20 e 30 anos não conseguem arranjar emprego, ou têm empregos temporários), para além da cultura (mil milhões de cortes em 5 anos). É verdade, que a economia holandesa apresenta resultados satisfatórios, quando comparada com a de outros países da União: 2,3% de crescimento económico, pouco desemprego (5%) e mais casas vendidas. Mas, estes, são números macro, que não reflectem as expectativas da população, que viu o seu poder de compra diminuir de 87% para 72% nos últimos trinta anos, contrariamente ao lucro das empresas e multinacionais, cujos lucros duplicaram e passaram a ser investidos em países de mão-de-obra barata ou depositados em "offshores" um pouco por todo o Mundo. Ou seja, as desigualdades, dentro da sociedade holandesa, aumentaram, como de resto na maior parte dos países e dentro da União, hoje cada vez mais uma Europa a "duas velocidades".
No entanto, os comentários xenófobos e racistas de Dijssebloem, não têm apenas a ver com "vinho e mulheres do Sul". Devem também ser vistos à luz da sua perda de influência no governo holandês, donde está de saída e da necessidade da aprovação do seu verdadeiro patrão (o ministro alemão Schauble) de cuja opinião necessita para continuar presidente do Eurogrupo. Por alguma razão, as suas polémicas opiniões foram dadas a um jornal alemão. Representam a mesma arrogância ariana, que, no passado, quis dividir os povos em "superiores" e "inferiores" e uma ideologia (neoliberal) que não suporta a ideia da existência de governos, que ousem ensaiar um modelo diferente da cartilha imposta pelo "diktat" de Berlim. Um triste, o Jeroen.

 

2016/06/22

Encruzilhada Europeia


Na semana de todas as decisões, continuam a faltar soluções à Europa.
As medidas financeiras, anunciadas por Draghi, mostram-se insuficientes para relançar uma economia em crise desde 2009; a crise dos refugiados não desapareceu e foi oportunisticamente "entregue" à Turquia, sem que exista qualquer estratégia subjacente; os movimentos nacionalistas não páram de crescer, continuando a alimentar a xenofobia e o ódio contra as populações imigrantes, eternos "bodes expiatórios" das crises sociais; as dívidas soberanas continuam a estrangular e a impedir a recuperação das economias mais frágeis, como a de Portugal e a da Grécia, enquanto os movimentos independentistas e anti-partidos continuam a ganhar adeptos em Espanha e em Itália. Em França, os conflitos laborais tomaram conta do país, entretanto a braços com ameaças terroristas e com a organização do europeu de futebol, onde os acidentes com "hooligans" voltaram a ser notícia.
Veja-se o caso do Reino Unido, onde em vésperas do referendo, ainda não é certo se os britânicos ficam ou saem da União Europeia. Caso o "Brexit" ganhe, em que condições o farão? Abandonam todos os tratados, ou só alguns? E a Escócia? Manter-se-á no Reino Unido, ou convocará um novo referendo, com vista a tornar-se independente e, dessa forma, poder manter-se na UE?
Se o Reino Unido permanecer na UE, quais as contrapartidas exigidas por Cameron? Exigirá a limitação da entrada de refugiados e emigrantes, cedendo às exigências dos movimentos nacionalistas e independentistas ingleses? Que estatuto passarão a ter os imigrantes da UE, que residem no Reino Unido? Quais as consequências para as centenas de milhares reformados ingleses, que vivem noutros países da União e mantêm regalias adquiridas no seu país de origem?
Questões maiores, que preocupam os directamente interessados e às quais o referendo não dá resposta, pois os votantes não sabem sequer quais as consequências da sua votação.
Em Espanha, a convocação de novas eleições não contribuiu para a clarificação política e tudo indica que a previsível vitória do Partido Popular, não trará uma maioria absoluta necessária para governar. Registe-se a subida da coligação Unidos-Podemos que ultrapassará o PSOE, mas que não será suficiente para formar governo. Como ninguém quer governar com Rajoy, o impasse parece ser total. No meio de tudo isto, os sentimentos nacionalistas da Catalunha não abrandaram e a contestação a Madrid é mais forte que nunca, pondo em perigo a unidade do país.
Resta Portugal. No fim deste mês, o Eurogrupo reunirá de novo para apreciar a questão do "déficit" (ainda acima dos 3%) e quais as eventuais sanções a aplicar, caso o governo recuse aplicar novas medidas de austeridade. As perspectivas são moderadamente optimistas, com o governo a subestimar as críticas e o perigo de sanções, e os eurocratas a manterem a ameaça, por incumprimento das medidas exigidas. No limite, Portugal pode perder apoios financeiros, que limitarão os investimentos numa economia que não cresce. Sem crescimento económico, não há riqueza e, sem riqueza, não há investimento, distribuição e pagamento da dívida...
A coisa não está fácil e nem o Ronaldo nos safa. Não só não marca golos, como atira microfones de jornalistas para dentro de água (!?). No meio desta desorientação colectiva, resta Fernando Santos, que ainda acredita em milagres e, à falta de melhor, continua a gritar: "não percam a cabeça!".

2016/04/22

Outras Guerras



A história conta-se em poucas palavras:
Durante a guerra colonial em África (1961-1974) milhares de jovens portugueses sairam do país, por recusarem fazê-la. Uns, como objectores de consciência; outros como refractários; outros, ainda, como desertores do próprio exército. Se eram mobilizados , só lhes restava uma alternativa: sair de Portugal. Foi o que fizeram, de acordo com as estimativas, cerca de 100.000 jovens, enquanto a guerra durou.
Anos mais tarde, já depois do 25 de Abril, muitos destes (ex)exilados voltaram a encontrar-se, agora para encontros informais de confraternização, dentro e fora do país. Alguns nunca regressaram a Portugal, mas os laços de amizade e a militância política, construídas nesses anos, não desvaneceram.
Mais recentemente, os contactos tornaram-se formais e, num desses encontros, surgiu a ideia de dar corpo a um objecto que reunisse as memórias e os testemunhos dos "anos da brasa" que, nessa época, agitavam a Europa.
Um "parto" difícil, dado o intervalo temporal decorrido e a memória de quem viveu esses anos. Com a ajuda de documentação pessoal e de centros de documentação vários (Coimbra e Paris), chegámos a um primeiro "draft", do que poderia ser um documento de consulta. Estávamos em 2014 e o mais difícil estava ainda para vir.
Foram pedidos mais contributos e, quando todas as "datas-limite" (para a entrega de materiais) tinham sido ultrapassadas, decidimos dar por concluído o corpo principal da obra. Dado que as histórias necessitavam de ser contextualizadas para memória futura, pedimos a dois "compagnons de route" que escrevessem o prefácio e o posfácio. Já lhe podíamos chamar um livro, nessa altura. Estávamos em 2015 e ainda faltavam coisas tão importantes como conseguir dinheiro e uma editora, arranjar apoios, patrocínios e a distribuição do produto final. Escolhida a gráfica, passámos à encomenda, que ficaria pronta na primeira semana de Março deste ano.
Hoje, o livro está editado e começou a ser divulgado nas redes sociais e orgãos de comunicação habituais. As reacções não se fizeram esperar. Boas, más e péssimas, como é usual nestas coisas.
Nada que nos surpreenda.
Não é fácil "desmontar" 300 anos de Inquisição e 50 de ditadura fascista. São séculos de ignorância, medo, repressão e exploração desenfreada, dentro e fora do pais. Estas coisas pagam-se. É esta "herança" que explica muitos dos traumas actuais, quer relativamente à ditadura, quer relativamente à guerra colonial e à deserção, como é o caso.
De um modo geral, os portugueses preferem não enfrentar os seus medos, recusando a catarse que podia fazê-los cidadãos maiores. Dito de outro modo, os portugueses sairam do fascismo, mas o fascismo "não saiu" dos portugueses.
Este livro, não sendo a primeira obra sobre a temática é, certamente, um dos poucos a abordar o tema do "exílio de resistência", uma faceta relativamente desconhecida de muitos que viviam e vivem em Portugal.
Agora, está à disposição dos interessados, sejam os "companheiros de estrada", espalhados pela Europa nos anos sessenta e setenta, sejam os curiosos e investigadores destas coisas que, a partir de agora, passarão a ter ao seu dispôr um instrumento mais para relançar uma discussão que continua por fazer. Outros materiais já existem (lembramos o excelente documentário "Guerra ou Paz" de Rui Simões) estando já anunciado um colóquio sobre a "Deserção na Guerra Colonial",  uma iniciativa conjunta do CES de Coimbra e a UN de Lisboa, que terá lugar no próximo mês de Outubro.
E portanto, move-se...   

2015/08/26

Uma catástrofe anunciada

foto TORM A/S
As imagens do Mediterrâneo e dos Balcãs, onde diariamente milhares de refugiados de todas as nacionalidades, cores e credos, continuam a chegar,  são o prenúncio de  uma catástrofe anunciada. A crise no Médio Oriente, associada à implosão de estados africanos, dizimados pela fome, guerra e doença, forçaram milhões de pessoas a abandonarem territórios, onde sempre viveram, única forma de escaparem a um genocídio anunciado. Perante esta calamidade de proporções "bíblicas", a incapacidade de perceber e acolher tal quantidade de refugiados, é evidente.
Estamos perante o maior êxodo, desde a 2ª guerra mundial e ninguém pode, neste momento, prever o fim da vaga migratória. Se, para o problema dos africanos, que atravessam o Mediterrâneo, nunca chegou a haver propriamente uma solução; para a recente vaga de refugiados, da Síria e do Iraque, a solução nem sequer foi pensada...
Independentemente das recriminações que possam ser feitas aos agentes no terreno, duas coisas parecem desde já evidentes: nem a Europa tem, neste momento, capacidade para absorver milhões de pessoas (basta olhar em volta); nem a situação destes imigrantes poderá ser resolvida, enquanto não forem atacados os problemas existentes a montante: os conflitos regionais, provocados por grupos internos a mando de forças obscuras e outras, mais claras, a quem interessa a destabilização regional por motivos geo-estratégicos.
Temos aqui, portanto, dois problemas a resolver urgentemente: a contenção do fluxo de refugiados para a Europa e a contenção de beligerantes no terreno, condições indispensáveis para que a operação possa ter algum êxito. Pensar que uma pode anular a outra é, para além de naíve, perigoso. Subestimar a força dos fundamentalistas no terreno, enquanto continuamos a assistir à chegada de milhões de desalojados, só poderá desembocar numa catástrofe: a montante, o fortalecimento do fascismo-islâmico e, a jusante, o renascimento do fascismo europeu. A Europa,  que conheceu duas guerras e o maior genocídio da História moderna, não pode vacilar perante tal dilema. Hesitar agora é comprometer o futuro. Amanhã, pode ser tarde.


 

2015/07/16

A operação correu bem. O paciente morreu.

Era previsível. O parlamento grego aprovou esta madrugada, por maioria expressiva, um terceiro programa de assistência (vulgo "resgate") para evitar a bancarrota do país.
Depois de 6 meses de negociações e um referendo, onde os gregos se expressaram inequivocamente contra mais medidas de austeridade, o governo de Tsipras foi obrigado a capitular perante a intransigência dos restantes países da zona Euro, Alemanha à cabeça.
Era possível outra saída?
Sim, caso Tsipras tivesse respeitado o resultado do referendo e agisse em consequência (saída da Grécia do Euro). Nesse caso, seguir-se-ia um período de transição, com vista a preparar o país para uma nova moeda, de consequências imprevisíveis e provavelmente mais dramáticas para o povo grego. Essa foi, de resto, a explicação dada pelo primeiro-ministro grego na primeira entrevista, após a maratona de Bruxelas e, ontem, confirmada no Parlamento.
Não, caso os credores se mostrassem intransigentes e obrigassem a Grécia a aceitar um novo programa de assistência (vulgo "resgate") que, em troca de mais dinheiro, mantivesse o país na esfera da dependência económica e financeira dos alemães e franceses.
Contra todas as expectativas e apesar de duas votações inequívocas, que suportavam uma decisão de ruptura, Tsipras deu o dito por não dito e aceitou as condições impostas pelos credores.
Deve, no entanto, ser sublinhado, que a posição do primeiro-ministro grego não foi apoiada por mais de três dezenas de deputados do seu próprio partido, entre os quais o ex-ministro das finanças, Varoufakis, que dirigiu a delegação grega durante as negociações de Bruxelas. A este propósito, leiam-se os apontamentos e sugestões de Varoufakis, publicadas por estes dias, que explicam bem as razões pelas quais ele teria sido "sacrificado" durante este processo.
E os credores? Ainda que um novo "resgate" possa aliviar temporariamente a situação grega e, indirectamente, permitir à Grécia pagar parte dos juros da dívida actual, a verdade é que, com este novo programa, a dívida grega aumenta e torna-se impagável. A opinião é da insuspeita Lagarde (FMI) que sabe do que fala. É ela que propõe um "haircut" (perdão) da dívida, única forma de aliviar a Grécia da pesada herança dos últimos 40 anos de governação e que conduziram o país a este beco sem saída. Percebe-se a preocupação da directora do FMI: se a Grécia dever 100 milhões de euros, o país terá de pagá-los, mas se dever 1000 milhões, os credores nunca mais verão o dinheiro...
Resta falar da Europa e do projecto europeu: depois do que aconteceu esta semana, a UE nunca mais será a mesma. A irredutabilidade de países credores, como a Alemanha, perante uma situação cujas causas devem ser procuradas na arquitectura de uma moeda única que não prevê situações de insolvabilidade financeira de países intervencionados, faz temer o pior e o pior poderá ser o fim do Euro e, quiçás, do próprio projecto europeu tal como o conhecemos.
Esse perigo ficou patente na reacção inglesa, que se recusa a apoiar o plano de emergência para acudir à Grécia e nas diversas manifestações, um pouco por toda a Europa, onde os partidos e movimentos nacionalistas (vide França, Finlândia e Hungria) não escondem o seu ódio aos ditames dos eurocratas de Bruxelas.
Sim, a operação de "resgate", parece estar a correr bem. Mas, não passa de um paliativo. Os problemas voltarão e nada nos faz acreditar que o paciente já não esteja, de facto, morto.          

2015/07/13

“We were set up”


Foto Getty, via New Statesman
Para perceber — o quanto é possível perceber neste momento — os bastidores destas negocições com a Grécia nestes últimos dias, para perceber para onde vai caminhar inevitavelmente o país e o resto da Europa, leia esta entrevista de Yanis Varoufakis aNew Statesman "Exclusive: Yanis Varoufakis opens up about his five month battle to save Greece".

2015/07/06

The day after

Um dia após serem conhecidos os resultados do referendo grego, a especulação sobre o futuro do país continua a ser a questão dominante. Não é caso para menos, agora que o país fundador da democracia ousou votar maioritariamente contra as medidas de austeridade propostas pelos credores internacionais. Ao contrário do que (maliciosamente) sugerem alguns fazedores de opinião, a Grécia (os gregos) não votou contra a Europa, ou contra o Euro, mas contra o programa de austeridade que há cinco anos vem sendo imposto, sem qualquer resultado positivo. Mais, a situação na Grécia é, agora, muito pior que em 2010, com indicadores que não mentem, quanto ao drama humano e social que o país enfrenta: uma dívida pública equivalente a 166% do PIB, uma quebra de 25% do Produto Interno Bruto, 27% de desemprego estrutural nos adultos, 60% de desemprego jovem e emigração em massa para fugir à miséria. Paralelamente, e como resultado de tudo isto, um aumento exponencial da pobreza no país, devido aos cortes nos apoios sociais e subsídios de desemprego, que deixaram milhões de gregos sem qualquer seguro de saúde. Uma catástrofe humanitária de proporções desconhecidas na União Europeia, que levou o presidente do Parlamento Europeu a apelar a um programa especial de apoio urgente à população mais carente e, à presidente do FMI, a reconhecer o falhanço do programa de austeridade imposto pela Troika. Perante este cenário catastrófico, não devem ser considerados surpreendentes os resultados de ontem. Colocados entre a espada e a parede, os gregos escolheram a espada, preferindo combater pela sua dignidade e dando ao governo de Syriza, democraticamente eleito, a legitimidade que este necessitava para (re)negociar em Bruxelas uma nova proposta, que tenha em conta a situação-limite a que está sujeita a Grécia.
Independentemente de ter ganho o "não", a situação social e económica grega não melhorará substancialmente. Este é um dado adquirido, que os eleitores devem ter ponderado na hora da votação. Apesar de tudo, ousaram desafiar o poder financeiro, dando uma lição de coragem e democracia ao Mundo. Nada ficará como dantes, nesta Europa decadente submetida ao diktat alemão. À Grécia, o devemos. Não é coisa pouca.        

2014/03/24

Eles andam aí...


Os resultados de Marine Le Pen, na primeira volta das eleições municipais em França, não devem espantar-nos. Afinal, o seu pai, já em 2002 tinha passado à segunda volta das presidenciais, obrigando toda a esquerda a unir-se em torno de um candidato medíocre como Chirac e, no mandato seguinte, Sarkozy só ganharia a presidência graças aos votos da extrema-direita, que compreendeu bem qual era o candidato que melhor serviria os seus interesses. O crescimento constante da Frente Nacional nas sondagens apontava para este resultado e a segunda volta deverá confirmar a implantação, agora sólida, de Marine Le Pen, em câmaras importantes de França. Daqui, até ao Eliseu, ainda faltam alguns anos, mas, a continuação desta tendência, só poderá confirmar o pior dos cenários.
Menos baladados, mas nem por isso menos importantes, foram os resultados das eleições municipais na Holanda, que decorreram na quarta-feira passada e nas quais o partido de extrema-direita PVV (Partido da Liberdade) conquistou a municipalidade de Almere e foi o segundo partido mais votado na cidade de Haia. Um pequeno teste, já que o partido do xenófobo Wilders não está preocupado em governar, mas apenas em apoiar o governo de coligação liberal-trabalhista que depende dos votos do PVV no Parlamento. A coisa funciona, mais ou menos assim: Wilders apoia a coligação do governo, desde que este sancione as suas leis anti-imigrantes e islamofóbicas, que constituem o "core" da sua ideologia racista. Não por acaso, há poucas semanas, Wilders recebeu Marine Le Pen em Haia, onde ambos assinaram um acordo de intenções com vista à constituição de uma frente partidária para as próximas eleições europeias. As conversações entre estes dois partidos e os partidos mais nacionalistas europeus, foram alargadas ao Reino Unido, à Bélgica, à Finlândia, à Austria e à Grécia, aumentando deste modo a possibilidade da criação de uma facção anti-Europa no parlamento europeu.
A Leste, o panorama não parece muito melhor, com os neonazis no governo provisório ucraniano, (criado no rescaldo do levantamento da praça Maidan) e governos na Hungria e na Polónia que defendem explicitamente idéias nacionalistas e racistas já condenadas no Parlamento Europeu.
Haverá, certamente, muitas explicações para este fenómeno de renascimento das ideologias de extrema-direita, o mais significativo desde a segunda guerra mundial. Afinal, a ideologia existia, mas não estava organizada. A recente crise económica e social, acrescida da incapacidade dos governos de inspiração social-democrata, hoje cúmplices e completamente submetidos ao poder financeiro, explicam uma parte substancial desta crise de valores que aproveita a direita mais radical. O terreno é propício ao aparecimento de líderes e discursos populistas e, menosprezá-los, seria um erro trágico, do qual os políticos e forças progressistas europeus se arrependerão. Depois, não digam que não sabiam...