2024/06/11

Taxi Driver (33)

- Bom dia.

Bom dia? Chuvinha não falta... 

- São só uns "pingos", não vale a pena exagerar. 

Até ontem, esteve bom, mas desde há dois dias, tem chovido sempre. Logo agora, que eu e a minha família estávamos a planear os feriados no "monte".

- A chuva também faz falta e no Alentejo chove  pouco...

Lá isso é verdade. Mandei a minha mulher e os meus filhos à frente para "limpar" uma casa que temos lá. Eu não posso ir agora, pois estou a trabalhar, mas em Julho vou lá passar umas semanas e espero que não chova...

- Em que região fica a sua casa?

No Alto Alentejo. É uma pequena aldeia, a 12km de Portalegre. Entre Portalegre e Nisa.

- Não conheço bem essa região. Estive em Portalegre e Nisa, mas aí deve chover pouco. A chuva faz muita falta. Pelo menos no Alentejo e no Algarve, que estão desertos. Não há população, não há agricultura e por isso os campos estão secos. Sem chuva, pior um pouco, pois a terra seca e ninguém a pode aproveitar. A desertificação do interior, é um desastre, humano e ecológico.

Nas aldeias, é pior. Em Portalegre e em Nisa, que são cidades, a população é estável, pois sempre há comércio, escolas, correios, bancos...mas nas aldeias em redor, é uma tristeza. As crianças da minha aldeia, não têm transporte para irem à escola e, se não fossem as câmaras a disponibilizar um autocarro, nem à escola podiam ir.

- Sim, é dramático. Há anos que é assim. Toda a gente sabe, mas ninguém parece encontrar soluções para repovoar o interior. Para além disso, há outro problema, que é a demografia. Portugal está a envelhecer e não há gente nova. Sem pessoas, não há desenvolvimento. Talvez, com a nova imigração. Muita gente já está a ir para o interior. No Baixo-Alentejo, há cada vez mais imigrantes a trabalhar na agricultura. Nas estufas, são milhares de pessoas. Não há imigrantes na sua zona?

Sim, eu sei. Mas esses imigrantes, de que está a falar, são todos de países asiáticos. Em Portalegre e em Nisa, também há, mas são mais de países de Leste. Ucranianos, na maioria. Já lá estão há muitos anos.

-  Não sabia, mas se lá estão há muitos anos é porque há emprego na região e isso é bom, não?

Sim, é bom, mas eles integram-se melhor. Falam todos português e os filhos vão à escola. Os outros, do Nepal e do Paquistão, é mais difícil a gente percebê-los. Só falam a língua deles ou inglês. Também deve ser uma questão de religião, penso. Rezam muito. Mas, são gente simpática, sim. Não falam com ninguém, mas portam-se bem...

- Claro, porque é que haviam de portar-se mal? Eles querem é trabalhar e por isso vieram para Portugal. Como nós fazíamos há 50 anos atrás. Também íamos por essa Europa fora e também nos portávamos bem. Eu vivi muitos anos na Holanda e os portugueses eram muito bem vistos na sociedade holandesa. É sempre assim, é preciso dar-lhes condições de trabalho, habitação e papéis para poderem trabalhar. Mais cedo ou mais tarde, integram-se.

Não sei, mas penso que muitos asiáticos não ficam cá muito tempo. Trabalham nas colheitas e nos frutos "vermelhos", depois desaparecem e voltam no ano seguinte. Alguns, quando recebem os papéis de legalização, emigram para outros países europeus. 

- Sim, essa história é conhecida. Vão para países onde ganham mais, claro. Mas, se os legalizarem rapidamente e não tiverem de esperar anos por uma licença de estadia, muitos ficam cá. Além disso, a maior parte dos trabalhadores das estufas estão ilegais, não descontam e recebem ordenados miseráveis, como deve saber. 

Eu sei. Tenho familiares no Baixo-Alentejo e dizem que, em Beja, ao fim da tarde, são dezenas de indianos a andar pela cidade, quando regressam de trabalhar na agricultura.

- Qualquer dia, chegam à sua aldeia, vai ver...

Já chegaram! Ainda este ano, na Páscoa, fui passar uns dias ao "monte" e a minha mulher chamou-me a atenção para um indiano, de turbante laranja, que andava na aldeia. Nunca lá tínhamos visto nenhum. Se calhar andava à procura de alguma casa para comprar...

- Se calhar. Ou estava à procura de emprego, quem sabe? Há sempre algo para fazer. 

Lá isso é verdade. Nem que seja a trabalhar numa quinta...

- Bem, já chegámos. Boas férias e, se chover, não desanime. Água, é preciso.