2024/07/13

Um espectáculo de marionetas, de qualidade duvidosa

Claro que não se podemos afirmar que o problema é de hoje, daqui ou dali, em particular. Este que temos perante nós, agora, tem a ver com o apodrecimento crítico do sistema em que vivemos. Nem as palavras que se seguem serão verdadeiramente originais. Gente melhor do que eu e mais bem preparada do que eu, vem repetindo isto há décadas. Estas palavras pretendem ser apenas um desabafo, em consequência de factos recentes.

Assistimos nestes últimos dias a um número de variedades, abrilhantado pela orquestra da chamada "comunicação social", de tal forma nauseante, que nem todo o antiemético produzido no mundo nos pode valer.  É, portanto de vómito que vos falo.

Logo a seguir a um debate, amplamente divulgado para todo o mundo, em que vimos um presidente de um país, dito o mais poderoso do mundo (que quer fazer crer aos seus compatriotas que controla a sua recandidatura,) a fazer uma figura tristíssima perante um antigo presidente (que quer, igualmente, fazer crer que controla a sua recandidatura,) voltámos a ver o actual presidente, no encerramento do encontro de uma organização que se auto designa como a força de segurança do mundo, a repetir a mesma triste figura. 

Não estão em causa as gaffes. É um assunto sem importância. 

Biden está a concorrer, não o esqueçamos, contra o Trump. Trata-se de um corrida entre duas figuras patéticas, uma que, em circunstâncias normais, estaria num lar e outro, que, em circunstâncias normais, estaria na prisão. Mesmo que Biden acabe a ser substituído, esta “corrida,” as suas vicissitudes e a marca que está a deixar, dizem já bem do estado a que chegou aquele país.

Quando ouvimos falar no país mais poderoso do mundo, na economia mais forte, etc. e tal, é bom que a gente se vá lembrando em que mãos esse poder vai acabar a ser entregue. E é bom que não nos esqueçamos que esse poder é delegado pelos oligarcas, que o controlam verdadeiramente. O que revela a sanidade mental e a sua qualidade ética desta oligarquia.

Não há "luta pelo poder." Nenhum desses oligarcas vai perder. Não é por acaso que os fundos para as respectivas campanhas oscilam, para um lado ou para o outro, conforme as conveniências. Ainda há pouco se lia que estará em curso uma canalização dos fundos da campanha democrata para a republicana, perante a iminência de uma substituição e de garantida derrota.

Há o argumento estafado de que esta gente é colocada no poder pelos milhões que neles votam. É um argumento completamente tolo, insultuoso até para quem acredita verdadeiramente na Democracia. Primeiro, porque a escolha que é proposta aos votantes é falsa. Na verdade, não se trata de escolha entre duas candidaturas, mas sim de um condicionamento, meticulosamente executado, que fractura, fazendo crer que os eleitores estão perante duas visões diferentes do poder, mas que provoca divisões e desigualdades fatais, sem sustentação política legítima, entre povos, entre povos e governos e entre governos, pelos quatro cantos do mundo. Depois, e mais importante, porque, seja qual for o resultado, a marioneta de serviço, qualquer que ela seja, vai executar um e um único script. O sistema está totalmente viciado à partida. Não há escolha, não há voto útil, não há representatividade, não há diferentes visões da sociedade, não há debate, não há, em suma, Democracia. Como falamos de fantoches é legítimo falarmos de fantochada. O apoio ou rejeição dos cidadãos a qualquer uma destas candidaturas não faz qualquer diferença e o voto útil é tão fútil quanto o mergulho de Empédocles no vulcão.

Faz parte também da função da marioneta americana, que presta este serviço ocasional, escolher as "nossas" marionetas. Na Europa, a situação ainda é, talvez, pior: escolhe-se by proxy. As "escolhas" que condicionam a vida de todos nós, aqui na nossa terra, são entre duplas de marionetas pré formatadas, manobradas lá de longe, dando uma falsa imagem de luta pelo poder ou, pior ainda, de falsas duplas, co-optadas, como é o caso das estruturas de poder da UE.  

As marionetas encarregadas do poder na Europa são, desde há muito, as marionetas escolhidas pelas marionetas americanas. Que foram, recorde-se, escolhidas pelos oligarcas americanos, que não têm qualquer pejo em dar a "escolher" aos americanos um débil mental e um assaltante de estrada. O que diz bem, repito, dos seus valores e da sua sanidade mental. É a eles que, no fim, pagamos a nossa gasolina, os nossos carros, os nossos alimentos, as nossas portagens, é para eles que trabalha a maioria esmagadora da população, que vive nas cidades por eles controladas, nos bairros por eles desenhados, que circula nas estradas por eles construídas para chegar aos empregos por eles criados e destruídos, conforme a sua lógica perversa, que vive a vida na lógica deles, não na sua.

Não há, no mundo, lugar seguro, que nos proteja desta gente.

O resto é netflix, hbo, nyt, noite dos oscars, world series, foxnews, washington post, hollywood, cnn, e muitas outras ficções do género, para distrair o pagode. E futebol! Muito futebol! E quando o futebol vai a banhos, Jogos Olímpicos, para animar a malta e apaziguar conflitos e tensões internacionais...

2024/07/11

Teremos sempre Paris...

Numa semana marcada por duas das mais importantes eleições europeias do ano - no Reino Unido e em França - a vitória sorriu à esquerda, ainda que, no caso britânico, o resultado dos "trabalhistas" fosse, de algum modo, esperado. Já em França, onde Macron ensaiou uma "fuga em frente" (com a marcação de eleições antecipadas) as coisas não podiam ter corrido pior para o presidente francês. Depois da derrota nas europeias de 9 de Junho, onde se viu ultrapassado pela extrema-direita de Le Pen, o seu partido caiu, desta vez para a terceira posição e, surpresa das surpresas, a vitória caberia à (Nova) Frente Popular, constituída há menos de um mês.

No ano de todas as eleições, os resultados obtidos por forças progressistas em países como a Espanha, a Polónia, o Reino Unido e a França, mostram que o avanço das forças nacionalistas e populistas de extrema-direita, pode ser travado, ainda que nada esteja definitivamente ganho neste campo. Para que isso seja possível, há que reverter muitas das políticas actuais da União Europeia, onde a prioridade deixou de ser a inclusão e o combate às desigualdades, que durante anos constituiu um dos pilares da Europa, para passar a ser a defesa dos grandes monopólios e a discriminação social e étnica de parte significativa da população. 

São portanto estes dois vetores (economia e situação social) os que mais pesam na decisão final dos eleitores na hora da votação. Perante as urnas, os votantes pensam duas vezes: com a carteira e com a cabeça. Nada de novo aqui, ainda que a demagogia e (sede do) poder de alguns governantes os tornem insensíveis às reivindicações populares. 

Veja-se o caso do Reino Unido, onde uma decisão demagógica de Cameron conduziu a um Referendo (que ninguém pediu) sobre a permanência do Reino na União Europeia. O resultado do Brexit é conhecido e, oito anos depois, a maioria (53%) dos britânicos votaria hoje contra a saída da União Europeia. Entretanto, todos os índices económicos pioraram, o custo de vida aumentou exponencialmente, a exclusão social aumentou, a emigração ilegal também e a fuga de cérebros (brain drain) não parou desde então. Não é de admirar que, neste contexto, os 14 anos de governação "torie" tenham deixado o país em estado de negação que, se traduziu numa vitória esmagadora de um partido trabalhista e de um líder, sem carisma e reformista que baste.  

O mesmo processo se passou em França, ainda que as causas sejam algo diferentes. Depois de anos de alternância democrática, durante os quais republicanos e socialistas tentaram governar ao centro (desprezando as classes mais desfavorecidas e os direitos de minorias) os movimentos populistas e extremistas de direita cresceram. Paulatinamente, Marine Le Pen foi renovando o partido criado pelos seguidores de Pétain (entre os quais, Jean Marie Le Pen, seu pai) alterou o discurso e modernizou o "aparelho". Ela própria, que perdeu duas vezes para Macron, deixou a direcção do partido a um "jovem turco", que a substituiu e ganhou as eleições europeias do mês passado. Estava dado o mote para a ascensão da União Nacional ao governo de França, com a mais que provável candidatura de Le Pen à presidência em 2027. 

Macron, um presidente autoritário, que virou contra ele meia-França, depois do aumento da idade da reforma para os 66 anos, do aumento do preço dos combustíveis (que desencadearam as greves nacionais dos "coletes amarelos" e dos agricultores) e que nunca conseguiu apaziguar os guetos minoritários, onde grassa a exclusão social e a criminalidade, foi penalizado pela sua arrogância. 

Hoje, os conservadores britânicos e os liberais franceses, lamentam as derrotas e "lambem as feridas" das políticas erróneas seguidas nos últimos anos. Não foi por falta de avisos. Tantas concessões fizeram à (extrema) direita, que esta os ultrapassou. Um clássico: quando alimentas um crocodilo, arriscas-te a ser comido por ele.          

Acresce que, os anos de pandemia, a guerra da Ucrânia e a inflação (destas derivada), não vieram ajudar os tempos, já de si, difíceis. Tempos negros, que podem piorar, caso Trump seja eleito nos Estados Unidos. 

Entretanto, a esquerda (meia desfeita) tenta reerguer-se. Não será fácil, depois de anos de oposição em que não soube renovar-se e continuou a confiar nos velhos métodos. As ideologias dos anos sessenta e setenta, nas quais assentam muitos dos seus pressupostos, não disfarçam a incapacidade de lidar com os novos desafios. A utopia mantém-se, mas temos de ir sempre em frente, mesmo que o horizonte se afaste. Neste sentido, a vitória da "Nova Frente Popular" em França (quem diria?) é, para além da surpresa, um estímulo. Para já, mostrou que a unidade na acção é possível. Foi possível. Para que não se transforme numa "vitória de Pirro", há que continuar, se possível evitando os mesmos erros. 

Moral desta história: nunca devemos menosprezar os franceses. No futebol e na revolta. Por isso, lá voltamos sempre, à França da Liberdade, para podermos dizer, como Bogart: "we'll always have Paris..."