2024/11/27

Taxi Driver (35)

Boa noite. Para o Rossio, sff.

- Que caminho prefere? 

É-me indiferente. A esta hora, talvez já não haja muito trânsito... 

- Isso é o que o senhor diz. Vim de lá agora e não se pode andar na "baixa". São milhares de pessoas para verem ver as iluminações do Natal. Eu até saí de lá para não ter de me meter no trânsito...

Bom, se tiver muito mau, posso ficar nos Restauradores e vou a pé...

- Passei esta tarde pela Almirante Reis e lá ainda é pior. Quase não se pode andar, são as iluminações, o lixo nas ruas e os imigrantes a dormirem em tendas. Não é de admirar que a criminalidade esteja a aumentar...

Ah, sim? Não me diga...como é que sabe essas coisas?

- Então, não sabe? Todos os dias há assaltos e não é só em Lisboa...

Deve estar mal informada. Não é isso que eu leio. Ainda esta semana foi publicado uma lista dos países mais seguros do Mundo e Portugal é o 7º país mais seguro, atrás da Islândia, Irlanda, Dinamarca, Áustria...tudo países civilizados. Essa é uma das razões pelas quais os turistas preferem Portugal...

- Talvez, mas estava a referir-me aos bairros antigos, como a Mouraria e o Martim Moniz, onde as pessoas vivem em casas sem condições e dormem dez em cada andar. Principalmente, asiáticos. Até fogos lá há. Não se lembra daquelas pessoas que morreram carbonizadas, numa casa habitada por mais de 20 pessoas?

Lembro-me muito bem. Foi o ano passado. Resta saber porquê. A questão de fundo é que Portugal necessita de imigrantes, convida-os a vir, mas não proporciona as condições mínimas para a sua integração. Estou a falar de emprego, habitação e documentos para se legalizarem. Isto é o mínimo. No entanto, a maioria deles está a trabalhar (ilegalmente), mas desconta para a segurança social! Só processos de legalização pendentes, que a polícia de estrangeiros não consegue processar, são 400.000! Que culpa têm os estrangeiros por esta desorganização? Nenhuma, como é óbvio. Se não conseguem aceitar todos estes imigrantes, estabeleçam quotas por profissões, como fazem muitos países que contratam imigrantes. É fácil de organizar. Desta forma, podem controlar os fluxos migratórios. Eu também estive emigrado na Holanda e sei como se faz.

- Ah, sim? O meu marido também está emigrado na Holanda. Vive em Amsterdão. Para o mês que vem, vou lá passar o Natal. Ele gosta muito de lá estar.

Ainda bem, apesar da Holanda já não ser o mesmo país de há 20 ou trinta anos atrás, quando eu lá vivia...

- Bom, nem todos os imigrantes que cá estão, vivem mal. Tenho amigos na comunidade hindu e eles são muito organizados. Têm escolas, associações, templos, tudo...

Sim, é verdade. Também têm uma educação média superior e recebem muito dinheiro de organismos como a Fundação Aga Khan, entre outras. Tudo isso ajuda à integração.

- O pior são os trabalhadores na agricultura. Conheço bem a situação. O meu cunhado é supervisor numa exploração do Ribatejo e conta-me histórias horríveis. A última foi de uma família venezuelana, um casal com uma filha de 5 anos, que fugiu para cá há uns anos. Só o marido trabalha. A mulher está em casa a tomar conta da filha, que é muito nova para ir à escola. O pai ganha o ordenado mínimo, mas eles têm de pagar 5000euros a uma organização que os trouxe para cá. Com este ordenado e as despesas para alimentar 3 pessoas, como é possível? Eu até já fiz um peditório na família, para me darem roupa e brinquedos para a menina, pois tenho muita pena deles. A criança está sempre assustada e não fala com ninguém. Coitadinha. Deve estar muito traumatizada.

Sim, há muitas histórias dessas. Se for para o Sudoeste alentejano, ainda é pior. Ali a maior parte dos imigrantes são asiáticos, que trabalham em estufas, na apanha de frutos vermelhos, onde ganham 2,5 euros por hora e vivem em contendores sem condições habitacionais. Basta ir a Beja, Odemira ou Vila Nova de Mil Fontes, para se cruzar com centenas de homens, que todos os dias vão a pé ou de bicicleta para as quintas onde trabalham de sol a sol. Não falam a língua, são pagos miseravelmente e têm de pagar aos passadores que ficam com os passaportes como garantia, para não poderem fugir. Uma máfia internacional, entre os quais alguns portugueses, que transportam os trabalhadores sazonais partir da Turquia e outros países da região. Isto para não falar dos empregadores portugueses que se aproveitam da situação. 

- Lá nisso, o meu cunhado é diferente. Claro que ele ganha mais (3000euros ou assim), mas também tem mais responsabilidades. Dirige uma quinta de criação de porcos e aquilo é uma trabalheira dos diabos.  Paga a todos os trabalhadores e dá-lhes uma habitação na quinta, ou perto dali.

Se é assim, já não é mau. Mas, o seu cunhado deve ser dos poucos, a avaliar pelas histórias que vamos lendo e ouvindo. Um país sem rei nem roque, onde os imigrantes (de que necessitamos) são tratados abaixo de cão. Uma vergonha, tudo isto. 

- Estamos a chegar. Afinal, posso descer até ao Rossio. Quer ficar aqui? 

Sim, posso ficar por aqui. Quanto é?

- São 9,20euros. Boa noite e obrigado.