2024/06/08

Eleições à porta, trancas nas janelas...

Em dia de reflexão, mais do que apostar nos partidos concorrentes, importa saber para onde vai a Europa em tempos de turbulência. 

Depois de uma campanha morna, onde os maiores partidos apostaram em equipas renovadas e os pequenos partidos procuraram manter os deputados que restam, não será difícil fazer prognósticos.

Assim, na noite eleitoral, teremos dois "vencedores" absolutos (Chega e IL) que, pela primeira vez, terão representantes no parlamento de Estraburgo; dois partidos que podem vencer estas eleições (AD e PS) e os restantes partidos, que podem (ou não) conseguir um deputado (BE, CDU e Livre). Aparentemente, o PAN será o único partido que não deverá eleger qualquer representante. 

A acreditar nas sondagens, os 21 lugares de Portugal no Parlamento Europeu, poderão ficar distribuídos da seguinte maneira: 7 deputados para o PS, 6 deputados para a AD, 3 deputados para o Chega, 2 deputados para a IL, 1 deputado para o BE, 1 deputado para a CDU e 1 deputado para o Livre. Caso os pequenos partidos não consigam eleger deputados, os votos remanescentes reverterão para os maiores partidos e, nesse caso, o PS poderá ter 8 deputados, a AD 7 e o Chega 4, restando 2 lugares por distribuir, provavelmente para a IL.

A confirmar-se esta distribuição de lugares, poderemos concluir que houve uma deslocação de votos para o centro do espectro político ("voto útil" nos partidos europeístas), em detrimento de votos nos partidos nacionalistas e eurocépticos. Não há grandes novidades aqui, já que a taxa de aceitação da União Europeia em Portugal é das maiores da UE (fundos generosos e oportunidades de emprego no espaço europeu), ao contrário do que acontece em muitos países do centro e norte da Europa, onde o sentimento anti-federalista é maior. 

Foi entre estes "dois mundos" que a campanha eleitoral, se desenrolou: uma primeira semana, onde a política nacional e os ataques pessoais dominaram os comícios; e uma segunda semana, onde os problemas europeus ganharam relevo, devido às guerras em curso (Ucrânia e Gaza) e à Lei Europeia das Migrações, recentemente aprovada e subscrita por Portugal.

Se os problemas nacionais (saúde, educação, habitação, justiça...) são temas centrais em todas as eleições, a "Europa", parece não interessar muito ao português médio, já de si pouco informado e nada internacionalista. 

Sim, as guerras são um "horror", mas são lá longe e quem morre são os estrangeiros ou os "árabes" (uma categoria à parte), pelos quais não podemos fazer muito. Organizamos umas colectas à porta da igreja e no Banco Alimentar, enviamos uns camiões com medicamentos e fornecemos material militar caduco para combater os "russos". Sobre a posição de Portugal em conflitos armados no continente (do qual fazemos parte) seguimos a "cartilha" de Washington e Bruxelas ou, na melhor das hipóteses, escutamos os generais na reserva, que pululam diariamente nos estúdios de televisão e analisam o "avanço das tropas". Compreende-se: depois da última campanha a sério (guerra colonial em África) nunca mais tiveram oportunidade de mostrar os seus "dotes". A maior parte morreu ou reformou-se e, os que ainda restam, limitam-se a traduzir em linguagem popular os "briefings" dos quartéis-gerais da NATO. Porque a guerra não acaba nunca (o que seria da industria do armamento sem guerras?) os mais belicosos lembraram-se de sugerir o regresso do SMO (serviço militar obrigatório, para quem não sabe). Ora, aí está, a solução para todos os problemas! Ninguém fala em paz, mas todos acreditam na guerra, Vão mesmo mais longe, pois dizem que para conquistar a paz, temos de fazer a guerra ("pax romana", para quem não sabe). Uns cómicos, estes generais e políticos tristes.

Para além da guerra, questão central nestas eleições, o problema das migrações foi outro tema discutido na campanha. Portugal não é excepção, uma vez que se tornou um país de imigrantes nas últimas décadas, sem que a situação legal de grande parte destes trabalhadores tenha sido resolvida. De acordo com os números, fornecidos pelos serviços respectivos, existirão cerca de 400.000 processos pendentes na AIMA (ex-SEF), alguns dos quais aguardam anos (!?) para serem processados. Ou seja, estes imigrantes esperam por uma autorização oficial, que garanta a sua permanência, mas entretanto trabalham, descontam para a segurança social, têm os seus filhos na escola, mas estão ilegais!

Por que é que isto acontece? A explicação mais óbvia é a burocracia existente, um mal que não conseguimos erradicar e da qual os nacionais também padecem. Depois, a falta de organização congénita, num país "habituado" a emigrar, mas que só há poucos anos se viu confrontado com o fenómeno da imigração. Faltam estruturas de apoio especializadas, nomeadamente nos grandes centros urbanos, que são aqueles onde há mais imigrantes. Acresce que estes "novos" imigrantes são oriundos de países que não pertencem ao espaço "Schengen": entram por via terrestre, não falam a língua, desconhecem as leis laborais e são aliciados por intermediários (redes mafiosas) para trabalhar em serviços não qualificados, a maioria na agricultura, na hotelaria e na restauração, onde são sujeitos a regimes de exploração terceiro-mundistas. Muitos vivem em condições de habitação deploráveis e já fazem parte da população dos sem-abrigo, uma situação diariamente denunciada pelos órgãos de comunicação social, que nenhum governo pode ignorar.

É neste "caldo cultural", que crescem os partidos racistas e xenófobos, como o Chega e o ADN (de inspiração evangélica), que passaram a campanha eleitoral a falar da situação dos imigrantes, eles que nunca se preocuparam com a sua exploração! A demagogia dos populistas parece ter dado frutos, dado que o actual governo, certamente assustado com as sondagens, resolveu decretar uma lei proibindo a imigração temporária, para quem não tenha um contrato de trabalho adquirido no país de origem. Solícito, o presidente da república aprovou-a em 24h! Extraordinário. Desta forma, o governo, que já tinha um problema, criou outro: continua sem resolver a legalização de 400.000 imigrantes residentes e não poderá impedir a entrada da imigração ilegal, que continuará a chegar através dos "passadores" habituais. Ou seja, os ilegais deixam de entrar pela porta e passam a entrar pela janela...  

Restam as eleições, propriamente ditas. Amanhã, saberemos os resultados. Porque estas coisas estão todas ligadas, não haverá surpresas. Surpresa, seria, se as políticas europeias mudassem...