Agora que Portugal passou a ser um país de imigrantes, não faltam estudos e sondagens sobre a matéria.
Esta semana, a Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou os resultados de um inquérito sobre imigração. Há quem lhe chame "percepção". Uma percepção da realidade.
Dados significativos da amostragem feita pela Fundação:
67% dos entrevistados pensam que há mais criminalidade devido aos imigrantes. Não é verdade. É precisamente o contrário: os imigrantes são vítimas da criminalidade.
52% dos entrevistados pensam que os imigrantes recebem mais benefícios do que a riqueza gerada. Não é verdade. Os imigrantes contribuem com 2.200 milhões de euros/ano para o equilíbrio da Segurança Social. Num país envelhecido, como Portugal, os imigrantes são importantes para o equilíbrio demográfico.
43% dos entrevistados pensam que há muitos imigrantes em Portugal e que a sua percentagem é 20%. Não é verdade. A percentagem de imigrantes em Portugal é 10% (a média europeia é 15%).
68% dos entrevistados pensam que os imigrantes podem ajudar a economia, em sectores como o turismo, a agricultura, a construção civil e serviços (hospitais, lares, limpezas, transportes, etc.). Sem imigrantes, a economia colapsava.
77% dos entrevistados pensam que os imigrantes têm direito à reunificação familiar.
De acordo com Bruno Pereira, presidente do sindicato nacional da polícia (portanto, insuspeito na matéria) os resultados da amostragem, são contraditórios e mostram uma falsa percepção da realidade. De facto, não houve um aumento significativo da criminalidade em Portugal, considerado o 7° país mais seguro do Mundo. A percentagem de reclusos, de origem estrangeira, também é inferior à dos nacionais presos. Um dos mais famosos presos, é português e trabalhava para o PCC (Primeiro Comando da Capital), um cartel de droga brasileiro.
Mais dados: com uma baixa taxa de desemprego (6%), o país vê-se obrigado a contratar mão-de-obra estrangeira. De acordo com o Turismo de Portugal, o sector precisa de 100.000 imigrantes/ano para responder à procura actual. O próprio governo reconhece o problema e já anunciou a abertura de cursos para imigrantes, nas áreas da restauração e do alojamento, que incluem ordenado fixo e um mês de estágio após o curso. Se dúvidas houvesse...
Outra "percepção" muito popular, é haver estrangeiros (ilegais) que se aproveitam das facilidades do SNS para serem tratados em Portugal. Qualquer cidadão em Portugal pode ser tratado no SNS, desde que legal, utilize um cartão europeu de saúde ou esteja abrangido por protocolos especiais (ex: cidadãos dos PALOP, Brasil, etc...). A percentagem de imigrantes ilegais, tratados em estabelecimentos de saúde portugueses, é inferior a 2%. Outra inverdade, portanto.
Apesar destes factos indesmentíveis, o governo - para agradar à extrema-direita - desencadeou uma série de operações policiais, com o argumento de criar um "clima de segurança" entre as populações. Depois dos atribulados incidentes em Outubro, que resultaram na morte de um cabo-verdiano, na Cova da Moura, as forças da ordem não têm tido mãos a medir. Todos os meses, os portugueses podem assistir em directo a operações (vulgo "razias") em zonas consideradas problemáticas. Uma das preferidas é a zona do Martim Moniz, centro multicultural por excelência onde, há décadas, coexistem diversas nacionalidades e estabelecimentos africanos, asiáticos e europeus. Não sabemos se aquela zona é mais violenta do que outras, mas segundo a "percepção" dos residentes, a criminalidade está a aumentar. Por isso, "a percepção de insegurança é maior" (Moedas dixit). Mas, então, não havia criminalidade em Lisboa, antes da chegada de imigrantes? E entre os portugueses, nascidos e criados no país, não existem criminosos? As prisões estão cheias.
Ontem, a cena repetiu-se. Um cordão policial, armado até aos dentes, isolou a Rua do Benformoso, artéria central da Mouraria, onde existe uma grande concentração de estabelecimentos estrangeiros. Durante mais de duas horas, a polícia deteve e revistou os transeuntes, obrigando-os a permanecer de mãos levantadas e com a cara virada para a parede. Pequeno detalhe: só foram detidos estrangeiros, a maior parte deles asiáticos. Uma cena digna do ghetto de Varsóvia! Não é a primeira vez e, de acordo com o primeiro-ministro, outras "razias" se seguirão. Segundo ele, estas operações são importantes para devolver o sentimento de segurança aos residentes da zona. Balanço desta "espectacular" operação policial: duas pessoas detidas, uma arma branca e artigos de contrafação no valor de quatro mil euros (!?).
Lembramos que, há um mês, na mesma zona, foram detidas mais de cem pessoas, numa operação destinada a detectar imigrantes ilegais. Resultado: foi encontrado um ilegal! Perante resultados tão pífios, resta saber se a "percepção", sobre a criminalidade em Portugal, é real ou fabricada. Para a extrema-direita, racista e xenófoba, para quem os imigrantes são o principal "bode expiatório" de todos os males da sociedade, nada como uma boa "razia" para assustar e habituar a população a um estado policial. Que o Chega apoie um estado autoritário, não nos deve surpreender. Que o governo faça suas as bandeiras da extrema-direita, é mais preocupante. Desta forma, o partido de Ventura, não necessita de governar para que os seus métodos vinguem. O PSD toma conta da "ordem".
Estamos avisados. Resta-nos a esperança que os portugueses, vacinados por 48 anos de ditadura, não se deixem intimidar. A minha "percepção" é que estamos a caminho de um (novo) fascismo.