2024/09/30

Dr. Strangelove nas Nações Unidas

De acordo com o "Washington Post", citado pelo "Expresso" online de hoje (30/9), o governo israelita terá informado o governo dos Estados Unidos que se prepara para invadir o Líbano nas próximas horas. Ainda de acordo com o diário americano, a operação será "limitada" ao território fronteiriço entre o Líbano e Israel e tem como objectivo criar uma "zona tampão" entre os dois países, para evitar os ataques do Hezbollah naquela região...

Nada que nos deva surpreender, depois do discurso de Netanyahu nas Nações Unidas da passada semana, onde ameaçou tudo e todos, inclusive os poucos presentes na sala, depois da debandada geral dos representantes internacionais durante o seu discurso. 

A "novidade" aqui, reside na informação "à priori" que o governo israelita terá fornecido a Biden, depois deste ter afirmado na passada semana, que desconhecia os planos de Bibi para eliminar fisicamente os dirigentes do Hamas em Teerão e do Hezbollah em Beirute. Não se faz, ocultar informações ao "chefe" e principal doador de fundos para manter a máquina de genocídio, em que se transformou Israel, logo agora que os Estados Unidos tinham aprovado mais uma "tranche" de 30 000 milhões em armamento para o estado sionista. Interrogado, nos dias que se seguiram ao atentado em Beirute, o patético Blinken veio com ar compungido, confirmar as declarações do presidente americano e "jurou" que os EUA tudo estão a fazer para chegar a um acordo diplomático entre as partes, já que o objectivo último continua a ser a criação de dois estados na região...

De acordo com a jornalista Alexandra Lucas Coelho, que segue há anos a questão palestiniana e escreve regularmente no "Publico", o "pobre" Blinken terá ido 11 vezes a Telavive no último ano, para tentar convencer Bibi a terminar com o genocídio em curso, levado a cabo pelas tropas israelitas em Gaza e no Líbano, onde morrem diariamente centenas de civis de todas as nacionalidades: mais de 42.000 em Gaza, mais de 1500 em Beirute numa só semana, para além dos feridos e desaparecidos nos escombros em que se transformaram os territórios bombardeados por Israel. Para os sionistas, ninguém está a salvo na região, pois a protecção do "povo eleito" e a "ira de Deus", tudo justifica! 

Esta foi, de resto, a tónica do discurso de Netanyahu na ONU, ilustrado com dois quadros do Médio-Oriente, um intitulado "The Blessing" (Os Abençoados), pintado a verde (Israel, Egipto, Jordânia, sunitas); e outro, "The Curse" (A Maldição) pintado a negro (Irão, Iraque, Síria e Líbano, shiitas). A simbologia bíblica, fala por si: o "Bem" contra o "Mal", ainda que ambos os lados sejam maus...

Enquanto toda esta encenação decorre, Guterres desfaz-se em apelos à paz e à comiseração, já que os palestinos continuem a morrer, pois não podem sair do seu território. Enredado em contradições e períodos de intermitente lucidez, Biden continua a acenar para os jornalistas e a dizer que um acordo está próximo, enquanto Bliken tenta pela enésima vez a "espargata" do compromisso histórico que (quem sabe?) pode valer-lhe o prémio Nobel da Paz. Também Kissinger tinha as mãos manchadas de sangue (Indonésia, Vietnam, Chile, Argentina...) e não foi por isso que deixou de ganhar o Nobel...

A situação, ainda que dramática, lembra o filme de culto "Dr. Strangelove" (how I learned to stop worring and love the bomb), de Stanley Kubrick (1964), uma comédia-negra sobre a paranóia securitária no tempo da "guerra fria". No filme, Peter Sellers, que interpreta 3 personagens, veste a pele de Dr. Strangelove, um paraplégico, com um braço articulado, que faz a saudação nazi, de cada vez que discursa. Outro dos personagens, interpretado por Sterling Hayden, tem problemas de demência e impotência sexual, que procura subliminar através da guerra. O filme termina com o major King-Kong (Slim Pickens) piloto do bombardeiro B52, a cavalgar a própria bomba que acabou de lançar. Pior, era impossível.

Um clássico, premonitório do que está em curso. Ao ouvir Bibi na ONU, imaginei-o em cima da bomba que cavará a sua própria sepultura. Só não saberemos se terá a ver com um desígnio de Deus ou com a impotência sexual.