Para onde vamos?
- Para a Buraca, sff.
Buraca? A Buraca é muito grande...
- Nem por isso. Em rigor, já nem devia chamar-se Buraca. Há anos que faz parte da freguesia das Águas Livres, que inclui também Alfragide. As duas localidades formam a freguesia de Águas Livres.
Não sabia...
- Pois, mas já é assim há uns bons anos. Eu estou recenseado na freguesia de Águas Livres e é lá que voto.
Olhe, quem não vota sou eu. Nunca mais voto!
- Faz muito bem. Ou melhor, penso que faz mal, mas as pessoas são livres de votar (ou não).
Eu não voto. São todos uns aldrabões, os políticos...
- É uma opinião. Também penso que há muitos aldrabões na política, mas nem todos são maus...
Eu não conheço nenhum bom. Há 50 anos que ando a votar e nada muda...
- Podia estar melhor, é verdade. Mas, nós somos uma democracia jovem e só há 48 anos é que podemos votar...
Só 48 anos? Não são cinquenta?
- Temos democracia há cinquenta, mas só começámos a votar em 1975 para a Constituição e só votamos em partidos desde 1976...
Pode ser, mas já ninguém acredita nisto. A abstenção é cada vez maior...
- Infelizmente, é verdade. As últimas sondagens dizem-nos que a abstenção pode chegar aos 40%. Quase metade dos eleitores não votam ou não sabem em quem vão votar. Depois, não se queixem...
Fartei-me de votar e não mudou nada.
- Eu também votei sempre, mas os partidos em que votei nunca chegaram ao poder e, por isso, nunca governaram. Não me posso queixar. São sempre os mesmos partidos que ganham: o PS e o PSD. Portugal é governado por dois partidos há 48 anos...assim, é difícil haver grandes mudanças...
Olhe, o meu pai, que já cá não anda, quando via um político, dizia-me sempre: vai ali um político. Se fosse bom, caía-lhe um braço...
- Essa, não conhecia. Mas, sim, a maioria dos políticos actuais não se recomendam...
Não têm palavra, senhor...isto é tudo uma cambada de vigaristas. Nunca cumprem o que prometem. Até o primeiro-ministro mente...
- Pois, a palavra de honra (como se dizia antigamente) não existe. A verdade é que hoje podemos saber mais coisas e mais depressa do que na ditadura. Eu vivi em ditadura 20 anos e não tenho saudades. Prefiro a democracia, com todos os seus defeitos.
Sim, eu também vivi em ditadura. Tenho 75 anos. Lá em casa ninguém falava de política. Lembro-me que uma vez ouvi falar de comunismo na escola e perguntei ao meu pai, o que era isso de comunismo? Ele respondeu: cá em casa ninguém fala disso. A palavra comunismo era proibida. O meu pai não era político e não percebia nada de política.
- Está a ver? Está a dar-me razão, sempre é preferível vivermos em democracia. Podemos escolher. O senhor pode votar (ou não). Uma grande diferença. Para a próxima, vote noutro partido. Pode ser que mude...
Não, a mim não me apanham mais. Já chega.
- Pronto, parece que chegámos. Quanto lhe devo?
São seis euros certos. Nem de propósito.
- Boa tarde e saúde, já agora.