2024/09/20

Notícias da "Silly Season"(4): incendiários não faltam!

Eucaliptal.

O Verão está a terminar, mas os fogos estão para durar.

Que o digam os residentes na região centro e norte do país, pela enésima vez atingidos por mais uma tragédia que, entretanto, consumiu mais de 120.000hectares de floresta (o equivalente a 120 mil campos de futebol). A quarta maior área ardida neste século, só suplantada pelas tragédias de 2003, 2005 e 2017, que consumiram mais de 400mil, 300mil e 500mil hectares, respectivamente. 

Um cenário dantesco, que as televisões (contrariamente às recomendações governamentais após os incêndios de 2017) teimam em mostrar nos seus aspectos mais sórdidos e caricatos, como as dos repórteres, de plantão no terreno, a perguntar às pessoas que tudo perderam, "o que pensam fazer" (!?). O que pensam fazer?  

Pela enésima vez, lá vieram os comentadores e "experts" do costume às pantalhas, confirmar os dados e os diagnósticos feitos em anos anteriores. Todos os orgãos de comunicação reproduzem as suas informações e os diagnósticos são de todos conhecidos. Só não sabe quem não quer. 

Por exemplo: ao contrário do que o primeiro-ministro fez crer, ao lançar uma atordoada para o ar, numa conferência de imprensa sem direito a perguntas (!?), a culpa dos fogos não é apenas dos incendiários. 

O jornal "Público", publicou esta semana um gráfico elucidativo a esse respeito (dados de 2023), onde se pode ler: 50% das ignições são provocadas pelo uso de fogo (queimadas, churrascos, cinzas ou beatas mal apagadas, etc...); 31% das ignições são provocadas por incendiários (individuais ou a soldo de alguém); 15% das ignições, são devidas a causas acidentais (faíscas, curto-circuitos, moto-serras, etc...). Ou seja, menos de 1/3 dos fogos, serão causados por incendiários (in "Público" d.d. 18/09/24).

Como bem explicou esta semana, a ex-ministra de Coesão Territorial do governo anterior, o país há décadas que se debate com um problema estrutural, que é o do progressivo abandono dos campos pelas populações, que entretanto deixaram a agricultura e emigraram para o litoral ou para estrangeiro. Neste momento, 80% da população portuguesa vive numa faixa costeira entre Viana do Castelo a Setúbal, enquanto os restantes 20% vivem em 3/4 do território. Ou seja, 3/4 do território - "grosso modo" as regiões de Trás-os-Montes, Beiras, Alentejo e Algarve - estão "desertas". Sem população, não há agricultura e pastoreio, nem ninguém cuida da floresta. Os fogos, acontecem maioritariamente em regiões despovoadas, onde o mato cresce desordenadamente e ninguém consegue chegar. Elementar, diria o Watson. 

Acresce, informou a ex-ministra, que o estado só detém 2% da floresta. Os restantes 98% pertencem a particulares. Ou seja, é da responsabilidade desses particulares protegerem as suas terras, seja cultivando algo, seja limpando o mato, para evitar a propagação dos fogos. Mais, a ex-ministra também informou, que 60% da propriedade rural, não está cadastrada ou pertence a proprietários que já morreram. Os herdeiros, muitas das vezes desconhecem as terras que possuem ou, pura e simplesmente, não querem saber destas. As partilhas são difíceis de fazer e podem levar anos, o que desencoraja os processos de heranças. Porque o processo de desertificação, dificilmente será parado, a única solução é a expropriação (em caso de interesse nacional) ou a associação de pequenos agricultores em cooperativas, que permitam a exploração conjunta dos terrenos individuais, de forma a garantir alguma rentabilidade aos proprietários. 

"Last but not the least": as alterações climáticas são uma evidência, pelo que podemos esperar verões cada vez mais prolongados, temperaturas médias acima de 30 graus, humidade abaixo dos 30% e ventos Leste, característicos da zona mediterrânica. A chamada "tempestade perfeita". Exige-se, pois, maior e melhor prevenção.

Toda a gente sabe isto e, depois das tragédias de 2017, foram criados sistemas de protecção mais sofisticados para evitar a repetição do flagelo. A coisa melhorou, mas, a avaliar pelos títulos desta semana, nem tudo resultou: "Reforma florestal derrapou e falha no cuidado dos espaços rurais (a este ritmo, Portugal não alcançará as metas definidas para 2030)", noticiava em manchete o "Público" de 18 de Setembro último. Como assim? Não aprendemos nada? 

É difícil assistir a esta hecatombe com que, anualmente, somos confrontados. Mais difícil ainda, é ter de assistir à total incapacidade do país para resolver problemas centrais do seu ordenamento territorial e a defesa de uma das suas maiores riquezas (a floresta). Que fazer? Responda quem souber. 

Portugal 2.0

Tirando alguns poucos contributos que têm, de facto, interesse para a humanidade, sobretudo no domínio da ciência e das artes, o legado dos EUA no mundo é, sobretudo, de destruição. Entre as bolhinhas de gás e as toneladas de aspartame das coca colas e quejandos e os cogumelos nucleares, fica um rasto de destruição soft e hard, que nos envergonha como espécie. Gradualmente, o “American way of life” estendeu-se aos quatro cantos do império. De alguns dos piores aspectos deste “way of life,” não muitos, mas alguns significativos, Portugal esteve preservado até há pouco tempo.

Depois do S. Valentim, do Halloween, dos doughnuts, dos jeans, dos sneakers, t-shirts e skates, do Portugal got talent e do bracinho pousado em cima do peito durante a execução do hino nacional, finalmente, os atentados nas escolas entraram-nos também pela porta adentro. Já ascendemos a este novo patamar civilizacional. Estamos na crista da onda.


Não é de admirar. A violência a que as crianças têm sido expostas desde tenra idade, desde os aparentemente anódinos desenhos animados made in USA, até às brutalidades inacreditáveis exibidas em milhares de filmes, séries e no infotainement, teriam de, mais cedo ou mais tarde de produzir efeitos. Esta nefanda americanização tem décadas. Intensificou-se, e de que maneira, infelizmente, nestes últimos anos. 


A violência banalizou-se e a resolução de problemas a tiro, à facada ou à pedrada, tornou-se um meio de actuação, quase que se diria, legítimo. Os maus exemplos vêm, não de um povo "primitivo," mas de um povo que se pretende sofisticado, pretenso farol da democracia. Séculos de civilização vão, assim, pelo cano abaixo, sem que a maioria das pessoas se pareça importar demasiado.


Tenho sugerido, frequentemente, a amigos e conhecidos de circunstância que façam este simples exercício: peguem no controlo remoto da televisão e façam uma passagem aleatória, rápida, pelos canais de filmes e séries, em momentos diferentes do dia. Repitam o exercício e tomem nota da quantidade de cenas desses breves flashs que contêm cenas com com armas, sangue ou pancadaria. Vão ficar surpreendidos. É inevitável que este massacre audiovisual deixe marcas. Juntem-lhe o massacre informativo, as condições de vida miseráveis, morais e materiais, em que a maior parte das pessoas vive hoje, as desigualdades, a mentira, a hipocrisia, o patético vazio da vidas da esmagadora maioria das pessoas, a desavergonhada barrage informativa (veja este exemplo, de hoje) e está criado o caldo de cultura para que surjam cenas como esta que se passou na escola da Azambuja. Não vai certamente ficar por aqui, agora que foi vencida a última barreira que “legitimou” esta acção infeliz.


Portugal 2.0! Os upgrades vão-se seguir, certamente, a um ritmo mais intenso do que o da saída de novos modelos do iPhone…