2025/02/15

O "Chega" é um partido fascista (qual a dúvida?)

Agora que "caiu o Carmo e a Trindade" no parlamento (e fora dele), devido às ofensas dos deputados do "Chega" a uma deputada invisual (algo inédito na sua virulência verbal e discriminatória, contra um deputado no exercício das suas funções) ouvem-se as vozes da indignação. Ainda bem que é assim.

Nada que nos deva surpreender, já que a estratégia de Ventura e seus pares foi, desde o início, mimetizar as práticas de partidos homólogos por esse Mundo fora: de Trump a Bolsonaro, de Milei a Meloni, de Le Pen a Abascal, todos eles se regem pelo mesmo comportamento-padrão: idolatram um líder, atacam o "sistema", discriminam minorias (ciganos, imigrantes, refugiados, negros, mulheres, LGTB, invisuais...) e instigam ao ódio e à violência, sempre contra os mais fracos da sociedade, a quem culpam pelos males de que eles (fascistas) dizem padecer...Não se lhes conhece um programa de governação (para além de um nacionalismo bacoco e da prisão ou expulsão de imigrantes) e, muito menos, uma crítica aos interesses instalados que governam os respectivos países. No fundo, "são fortes com os fracos e fracos com os fortes". Uns tristes.

Ao partido e ao seu líder, muitos já chamaram "populistas", "infantis" e mesmo "arruaceiros" ou "criminosos". Poucos os apelidam de fascistas, ainda que haja excepções (Raquel Varela, Fernando Rosa, Rui Bebiano...). Por alguma razão, são os historiadores a detectarem o óbvio. 

Independentemente das "infantilidades" de Ventura e seus sequazes, há uma estratégia por detrás deste comportamento de "bullying" permanente, dentro e fora do Parlamento. Começou na periferia (quem não se lembra da discriminação contra os ciganos em Loures?), passou para os imigrantes de origem asiática e já vai nos imigrantes ilegais, que o "Chega" associa à criminalidade (!?). 

Acontece que (o partido) foi tolerado quando não devia (depois da primeira tentativa de legalização do "Basta!", que se transformaria em "Chega!" após os primeiros estatutos terem sido chumbados pelo Tribunal Constitucional) ainda que continuem as mesmas práticas depois da reformulação estatutária. O que na gíria se apelida de "um lobo com pele de cordeiro". 

Se (o partido) já era criticável com 1 deputado "infantil", com 50 "arruaceiros" ganhou maior peso e visibilidade, tornando-se incontornável e insuportável. Mas, piorou, a menos que os democratas na AR, que formam a maioria, obriguem o (frouxo) presidente da Assembleia a tomar uma posição inequívoca, uma vez que é ele quem dirige os trabalhos e, portanto, é o responsável último pela ordem e disciplina no hemiciclo.  

Já toda a gente percebeu que este comportamento nada tem a ver com o debate político, mas com ataques soezes e "ad hominem", que mais não pretendem de que instigar o ódio e a divisão entre os pares. Estas práticas são conhecidas do passado (Mussolini, Hitler, etc) e voltaram a estar activas no presente (Trump, Bolsonaro, Milei, Wilders...). Chama-se Fascismo ou (novo)fascismo. Um fascismo de tipo novo. Não perceber estas coisas simples, pode ser fatal.

Umberto Eco, num ensaio clássico ("Como reconhecer o fascismo", Ed. Relógio de Água, 2017), referindo-se ao "Ur Fascismo" (o "fascismo eterno"), definia 14 características existentes na ideologia e prática fascistas. Escreveu Eco: "Não é necessário possuí-las todas, mas basta que esteja presente uma delas para fazer coagular uma "nebulosa fascista" (ibidem). Na prática do "Chega", são manifestas algumas dessas características: idolatração do líder, a procura de "um "bode expiatório" (judeus no passado, imigrantes no presente), discriminação de minorias, racismo, xenofobia, instigação ao ódio, violência verbal e física, etc...

No fundo, é como o "teste do pato": se parece um pato, nada como um pato e grasna como um pato, então, provavelmente, é um pato. 

2025/02/12

Índice de Transparência: a pior classificação de sempre



Foi ontem divulgado o ranking da "Transparência Internacional" (TI), sobre corrupção a nível mundial.  Um índice, criado em 1995 pela TI, que classifica anualmente 180 países membros daquela ONG, de acordo com a (percepção de) corrupção existente em cada um dos países analisados. Trata-se de uma percepção da corrupção e não da corrupção em si.

Sem surpresa, a classificação de Portugal no ranking 2024, quedou-se pela 43a posição, uma queda de nove lugares relativamente a 2023. Esta é a pior classificação de sempre, desde que uma nova metodologia foi introduzida em 2012. Portugal somou 57 pontos (numa escala de 0 a 100) em que países onde existe mais transparência somam mais pontos e países com menos transparência, somam menos pontos. 

De acordo com este critério, os dez países considerados "mais transparentes" (menos corruptos), são: 

Dinamarca (90 pontos), Finlândia (88), Singapura (84), Nova-Zelândia (83), Luxemburgo (81), Noruega (81), Suíça (81),  Suécia (80), Países-Baixos (78), Austrália (77). No fim da lista, estão os três piores países: Venezuela (10 pontos), Somália (9) e Sudão do Sul (8). 

Ainda que Portugal esteja à frente de países como a Espanha e a França, a reputação do nosso país está ao nível do Ruanda e do Botswana e abaixo da média da Europa Ocidental e da União Europeia (64 pontos). Não se pode dizer que seja um bom indicador e muito menos um bom "cartão de visita"...

Há várias explicações para a queda de Portugal no ranking. Duas das justificações, avançadas pela TI, são a "percepção de abuso de cargos públicos para benefícios privados" e "as fragilidades nos mecanismos de integridade pública para evitar abusos". Lendo as conclusões da relatório, não custa pensar em casos mediáticos como a "Operação influencer" (que levaria à demissão de António Costa e posterior queda do governo), o caso "Tutti Frutti" (com 60 implicados, dos dois maiores partidos, a nível nacional), para além da crise na Madeira (onde o presidente da região autónoma está acusado de crimes de corrupção e peculato), entre outros casos menos mediáticos. 

Posto isto, fácil é concluir que é nos países mais desenvolvidos da Europa do Norte - onde os regimes democráticos têm maior tradição e as sociedades são mais inclusivas ("open societies") - que os índices de corrupção são menores; ou seja, onde o "estado social" está mais desenvolvido, há menos desigualdade, maior distribuição da riqueza e, por conseguinte, menos corrupção. Contrariamente, é nos países onde o estado é mais fraco e onde existe mais pobreza e desigualdade, que os índices de corrupção são maiores. Já as ditaduras, por não fornecerem dados fiáveis, estão por definição excluídas deste ranking, o que explica a sua não-classificação. 

Perante estas conclusões, logo se apressaram alguns notáveis (Presidente da República, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas, Partidos da Governação...) a desvalorizar os dados apresentados: que Portugal, apesar de ter descido no ranking, não era um país de corruptos (!?), ainda que a classificação não fosse boa para a nossa "imagem", nomeadamente entre potenciais investidores estrangeiros, que pensariam duas vezes antes de pôr cá o seu capital. Trata-se, portanto (e mais uma vez) da "imagem". Ou seja, não interessa se há corrupção ou não, mas da "percepção" da coisa. O que pensam os "outros" de nós, é a filosofia subjacente.       

Para quem não sabe, uma última nota relacionada com a corrupção e possíveis interpretações do acto em si. Fala-se de corrupção, "quando uma pessoa que ocupa uma posição dominante, aceite receber uma vantagem indevida em troca de prestações ou serviços". Ou seja, qualquer acto de corrupção, exige sempre dois actores, o corruptor e o corrompido, tanto no sector público, como no privado. Da mesma forma que, para além das compensações meramente pecuniárias, podemos distinguir diversos níveis de corrupção. Basta lembrar os "favores" de reciprocidade, como sejam as famosas "portas giratórias", prática em que Portugal se tornou exímio nas últimas décadas, ou não fossemos um país onde o "compadrio" e o "patrocinato", são inerentes à cultura mediterrânica. No fundo, tudo se resume à frase que celebrizou Don Corleone na famosa saga: "I'll make you an offer that you can't refuse" (faço-te uma oferta que não podes recusar). É assim tão difícil de perceber? 

 

2025/02/09

Taxi Driver (37)



Boa tarde, para onde vamos?

- Para perto, hoje é para Benfica. 

Já estou aqui na praça, há mais de uma hora. Estava a ver que não aparecia ninguém... 

- Esta praça não é muito frequentada. À noite, então, é impossível apanhar táxis.

Pois não, os meus colegas têm medo de estacionar aqui. Mas eu vivo no bairro e conheço bem a zona. Já ando nisto há 54 anos...

- 54 anos? Isso é muito tempo. Já podia reformar-se, ou não?

Poder, podia, mas vivia de quê? Tenho 80 anos e uma reforma pequena. Há dias, que nem 10 euros faço. E a família, comia o quê? A minha reforma é miserável e tenho de trabalhar para levar algum para casa. Na noite passada, deitei-me às 6h da manhã e já estou aqui outra vez...

- Porque é que trabalha de noite? De dia, não é melhor?

Sim, mas o táxi não é meu e de noite ganha-se mais. As tarifas são mais altas. Como eu ganho à percentagem, quanto mais serviços fizer, mais ganho. Olhe, o mês passado até tive de empenhar a alianças (mostra-me a mão, sem anéis...). 

- E não tem outro ordenado?

A reforma de taxista, que são à volta de 500 euros, mais uma reforma de combatente. São 120 euros por ano. 

 - Por ano? Mas isso não dá para nada. Onde é combateu? Nas colónias em África?

Sim, era comando. Fui comando durante 4 anos. Estive em Angola e em Moçambique.

- Imagino. Quatro anos de guerra é muito tempo. Um horror.

A quem o diz. Um dos meus melhores amigos, aqui da Amadora, foi meu camarada nos comandos e morreu-me nas mãos. Estava a carregar um lançador de granadas, deitou a granada sem cavilha para dentro do tubo e aquilo rebentou-lhe na cara! Uma desgraça. Ficou todo queimado. Limpei-lhe as feridas como pude, mas não consegui salva-lo. Quando morreu, era deste tamanho (faz um gesto curto com as mãos). Embrulhei o cadáver numa manta, meti-o numa caixa de madeira e despachei-o para a metrópole. 

- As guerras são sempre uma desgraça. Para além dos traumas que deixam...

O meu amigo, já estava meio "apanhado". Saía de noite do acampamento e ia para o meio do mato apregoar jornais: "Olha o Diário Popular! Olha o Notícias!", aos gritos... Tínhamos de ir buscá-lo, pois ainda apanhava um tiro. Conheço mais como ele...

- Sim, há muitas histórias dessas. Eu tive três primos que passaram por África e nenhum deles falava sobre a guerra onde estiveram. Nunca me contaram nada. 

Pois, não. Nunca falam. Isso, não me espanta. A guerra atinge a todos.  

- Bom, parece que estamos a chegar. Pode ficar por aqui. Quanto é que lhe devo?

São €7,80. Se tiver trocado, melhor. Hoje, ainda não fiz nenhum serviço. O senhor é o primeiro cliente...