2022/07/14

Clima, Fogos e Prevenção

Ligo a televisão e vejo o primeiro-ministro no centro operacional da ANPC (Autoridade Nacional de Protecção Civil) a falar sobre a maior calamidade natural que, anualmente, atinge o país: os fogos. 

António Costa repete, pela enésima vez, o óbvio: as condições climatéricas são excepcionalmente adversas nesta época do ano: as altas temperaturas, aliadas à baixa humidade e vento forte, são um "cocktail" explosivo, que podem provocar uma faísca, o suficiente para alimentar um incêndio de grandes proporções, durante dias. Por isso, apela à consciência dos portugueses. 

Apesar do reforço de medidas, tomadas após os grandes incêndios de 2017 (Pedrogão, etc...) que causaram 112 vítimas mortais, a situação está, hoje, mais controlada, existem mais meios humanos e materiais e, praticamente, não tem havido vítimas mortais.  Tudo isto é verdade e deve ser assinalado, pois - há que reconhecer - alguma coisa foi feita nestes últimos anos. 

Costa, também não se esqueceu de enumerar o aquecimento global e as causas exógenas, que não podemos controlar. No caso particular do Mediterrâneo, as altas temperaturas, aliadas à baixa humidade e os ventos fortes, são uma constante no Verão, como noutras latitudes com clima semelhante, como é o caso da Califórnia ou da Austrália, para citar dois exemplos que sempre vêm à baila. 

Hoje é o dia mais quente do século (46,2 graus) e mais de metade do país está sob alerta vermelho. Não chove há meses e as barragens a Sul do Tejo estão praticamente secas. Não estão previstas grandes alterações a curto prazo e os meteorologistas alertam-nos para a repetição de ciclos de calor cada vez mais frequentes nos próximos anos.

Portanto, temos aqui um problema (estrutural) que, nas palavras do primeiro-ministro, nunca poderá ser evitado. Haverá sempre fogos, mas há que prevenir, para não ter de remediar. Para remediar (combater os fogos) estão cá os bombeiros e os sapadores de serviço. Também há mais meios materiais (aviões, helicópteros e o sistema de alarme Siresp), nos quais foram investidos milhões de euros, ainda que pareçam nunca ser suficientes. Portanto, é difícil fazer mais com os meios disponíveis (Costa dixit).  

Claro que há outras questões a montante. Por exemplo, no campo da prevenção, a limpeza da floresta privada é da responsabilidade dos proprietários. Mas, como saber a quem pertencem as propriedades?  Costa faz a pergunta retórica, enquanto aponta para o écran do computador de uma funcionária:

"Então, diga-me lá, se eu quiser saber quem são os donos das terras nesta região, o que devo fazer"? Resposta da funcionária: "Terá de perguntar no Cadastro Predial do distrito, onde estão os registos de Propriedade. Mas, neste caso, será difícil de saber. Estamos no Alto-Minho, uma região de minifúndio e os  cadastros a Norte do Tejo, estão todos desactualizados" (!?). 

Ouve-se e não se acredita.  

Não resisto a contar uma história pessoal: em 1979, no âmbito do Curso de Antropologia Cultural, fiz o meu trabalho de campo (fieldwork) em Trás-os-Montes. O objecto de estudo, estava relacionado com práticas comunitárias (utilização de baldios, e.o.) no distrito de Montalegre, região do Barroso. Durante três meses, vivi numa aldeia próxima (Cambezes do Rio) onde observava e recolhia os dados que necessitava e, uma vez por semana, deslocava-me a Montalegre para consultar os cadastros de propriedade rústica, ali registados. Ao fim do estágio e perante a disparidade entre a informação prestada e os registos existentes, perguntei ao engenheiro agrónomo, que supervisionava o meu trabalho, onde é que podia obter informação mais fidedigna. Estávamos em Setembro e o homem, solicito, perguntou-me se eu podia voltar a Portugal em Janeiro de 1981. Nessa altura, já deviam ser conhecidos os dados do Censo Nacional (recolhidos no início de cada década) e podia confrontar os dados pessoais com os dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE). Assim fiz e, alguns meses mais tarde, em conversa com um funcionário do INE, em Lisboa, este confirmou os meus receios: os dados existentes, não eram completamente fiáveis, dado que a maioria dos cadastros datava do século XIX, quando muitas das propriedades foram registadas e, desde então, as escrituras não eram actualizadas. Os descendentes herdavam os terrenos e, muitas vezes, trocavam-nos por outros, sem fazer qualquer registo oficial. Também eram frequentes as desavenças entre familiares por causa das heranças e os processos levavam anos a serem resolvidos em tribunal. Muita gente, desistia.

Quarenta e três anos depois, os cadastros de propriedade a Norte do Tejo, continuam desactualizados. Como é possível responsabilizar o proprietário de um terreno, por limpar, se continuamos sem saber quem é o seu dono?... 

(Nota - A imagem é de O Cadastro e a Propriedade Rústica em Portugal de Paula C S Ribeiro)

2 comentários:

Carlos Alberto Augusto disse...

E a coisa ainda se torna mais complicada quando surgem problemas resultantes do usocapião. Uma lástima, tudo isto.

rui mota disse...

Ninguém quer resolver nada.