2022/07/16

O próximo alvo

   

A publicação electrónica AbrilAbril assinala hoje, como seu "número do dia," que "com 329 votos a favor e 101 contra, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou o projecto de lei do orçamento para a Defesa, relativo ao ano fiscal de 2023, que contempla 840 mil milhões de dólares para despesas militares!

O número até custa a imaginar. Para ter uma noção da sua grandeza, ajudará dizer que o PIB português, estimado para 2022, é de 260 mil milhões de dólares. Ou seja, o PIB português é equivalente a cerca de um terço do orçamento americano aprovado para a defesa. Recorde-se que, actualmente, o orçamento americano é de 750 mil milhões, o da China 237 mil milhões, o da Arábia Saudita 67.6 mil milhões, o da Índia 61 mil milhões, o do Reino Unido 55.1 mil milhões, o da Alemanha 50 mil milhões, o do Japão 49 mil milhões. Só depois vem a Rússia com 48 mil milhões, parte dos quais vai servir, certamente, para cumprir aquele desígnio —que muitos, certamente, inspirados pelos prodígios de Tom Cruise exibidos na série Mission Impossible, acreditam ser uma possibilidade real— de transformar a Europa num quintal russo. O orçamento para a defesa russo, 41.5 mil milhões, é, praticamente, o mesmo da França. Lá vai a França tentar anexar a Rússia...  

(O quê?! Já tentou e arrependeu-se?! A sério?! Quando?! Não dei por nada. E os franceses é que entraram por Portugal a dentro, queimaram, pilharam, violaram, roubaram?! O quê??! E ninguém chamou a atenção do ministro da defesa? Que escândalo...

Agora vem a América aumentar a parada com mais 100 mil milhões de dólares. Só este aumento é equivalente ao dobro de todo o orçamento russo para a defesa. Toma e embrulha!

O que me faz imensa confusão (digo-o com toda a sinceridade e com uma certa tristeza) é continuar a ver os americanos (incluindo muitos autoproclamados democratas), completamente alienados, a reclamar um retorno aos "valores" e a um estatuto de exemplo para o mundo, sem perceberem que são os "valores" deles que levaram o mundo, justamente, ao estado caótico em que nos encontramos hoje e à iminência de novo conflito mundial. Retorno a quê, então?! Também me faz confusão que tantos europeus não vejam isso, mas isso é outra conversa.

Um mundo de valores em manifesto estertor de morte, facto que ainda assim não chega para comover os americanos e que continua a embalar os europeus para uma viagem segura até aos Cuidados Intensivos. Há dias assisti a um programa do David Letterman a entrevistar o Obama. A certo ponto dos seus monólogos, evocavam o senador John Lewis e o triste episódio da Edmund Pettus Bridge. Os dois, massajando o ego um do outro, tu és o maior, não, tu é que és! Lá iam enchendo a boca com os valores da "democracia," da sua defesa e da necessidade de a América voltar a ser um exemplo para o "mundo," conceito dentro do qual já imaginam,  certamente, incluir a Lua, Marte e todos os exoplanetas entretanto descobertos ou a descobrir pela sonda James Webb. Há por aí muito mundo a explorar...

Nem uma única palavra de autocrítica. Esquecendo os dois —enquanto o show continuava, cinicamente, para gáudio do auditório indígena— as intervenções militares ordenadas por Obama no Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia, Iémen, Somália e Paquistão. Um Obama autcomplacente, que invoca os valores da paz, mas foi incapaz de largar a guerra quando teve o poder para isso. Um pouco como aquela situação patética da lei das armas. Morre gente, crianças e adultos são vítimas do direito ao tiro ao alvo constitucional, todos no final derramam lágrimas de crocodilo, mas ninguém muda a porca da lei. Porque a lógica é essa: a do confronto belicoso interno, permanente, sustentado mais ou menos a tiro, e a sua exportação como uma  forma de manter o seu estatuto da nação, estatuto em que, pelos vistos, todo partilham e todos nele se revêem. Já nem falo do miserável caso Julian Assange, que teve os seus piores contornos durante o mandato de Obama e levou à sua actual e desgraçada situação. Com a complacência do aliado RU, claro, esquecidos e perdoados que foram os prejuízos causados pelo embaraçoso episódio do porto de Boston... 

Faz confusão que esse senador John Lewis, que levou porrada e foi preso por simplesmente encabeçar um movimento para o direito de voto, apareça a dizer que Obama foi o melhor presidente que a América teve. Não foi. Não se entende a lógica. Não se pode criticar o défice democrático, como Obama faz nesse programa, e ficar paralisado na resolução desse problema. Na América ou em Portugal.

Toma lá agora 840 mil milhões de dólares, para manter os valores da "democracia americana." Os americanos descobriram o Viagra verde...

1 comentário:

rui mota disse...

Como dizia alguém, "a guerra é a economia por outros meios". Se não há guerras, inventam-se, seja directa, seja indirectamente. Para uma economia como a Norte-Americana, atingida pelos efeitos da pandemia, do Trumpismo e pela inflação (8%), nada melhor do que um "inimigo externo", para esquecer as contradições internas. Um clássico. A invasão russa, veio mesmo a calhar. Para mais, Zelensky assumiu o papel de mártir, defensor dos "valores ocidentais", pelo que a guerra nem tem de ser directa: enviam-se armas a pedido (a factura vem depois) e fornece-se petróleo, gás e cereais à Europa (pagos, claro). Quem combate são os ucranianos (não há "boots on the ground" da parte dos americanos) pelo que é fácil convencer o Congresso a aumentar o Orçamento militar. O plano perfeito: os ucranianos sacrificam-se, os europeus pagam a reconstrução do país e os americanos ganham na venda de armamento e de produtos essenciais. Já vimos este filme no passado. A Naomi Klein, escreveu um livro seminal, sobre isto: "A Doutrina do Choque" (primeiro destrói-se e, depois, reconstroi-se). Quem ganha é a industria militar e os construtores do costume.