2025/07/16

Loures: o Talude da indiferença

Pensar que os despejos de Loures e da Amadora são um epifenómeno, é não querer reconhecer problemas estruturais da sociedade portuguesa que se arrastam há décadas e que o laxismo e a incompetência de sucessivos governos não conseguem resolver. 

É o caso da habitação, hoje um dos problemas que mais afligem o português comum e, por maioria de razões, as populações mais desfavorecidas, entre as quais muitos imigrantes. 

Não por acaso, as construções ilegais (vulgo "bairros de lata") subsistem nos dias de hoje, apesar de uma redução substancial nos anos noventa e décadas posteriores, muito graças ao PER (Programa Especial de Realojamento) subsidiado por fundos europeus. 

Foi graças a este programa, que algumas câmaras da Grande Lisboa (e não só), conseguiram reduzir drasticamente o flagelo das "barracas", uma das mais nefastas heranças do Salazarismo.  A coisa parecia bem encaminhada e, melhor ou pior, os realojamentos iam sendo feitos à medida dos despejos, já que os autarquias interessadas construiam, em simultâneo, habitação social para alojar as populações desalojadas. 

Trinta anos depois da criação do PER, as barracas "voltaram" e o programa de realojamento não consegue dar resposta à lista de necessitados inscritos que, só no concelho de Loures, é superior a 1000 famílias (dados fornecidos pela vereadora do pelouro de habitação). Se pensarmos que, para além de Loures, outros concelhos limítrofes como Odivelas, Sintra, Amadora, Cascais, Almada, Seixal, Barreiro, Moita ou Setúbal, se debatem com o mesmo problema (escassez de casas e aumento de construções ilegais) fácil é concluir que não há oferta suficiente para a procura existente. 

No entanto, há menos de 15 anos, a situação era bem diferente. O que se passou, entretanto?

Desde logo, a alteração da Lei de Arrendamento em 2012 que, no seguimento das privatizações sugeridas pela Troika, fomentou a liberalização do mercado, com vista a dinamizar um sector em crise, muito por causa do congelamento de rendas antigas. A chamada "Lei Cristas" (31/2012) que permitiu aos senhorios iniciar processos de despejos legais, sempre que os inquilinos não aceitavam os aumentos exigidos. Seguiu-se um verdadeiro "tsunami" logístico, que esvaziou os bairros históricos das grandes cidades, tradicionalmente habitados por residentes envelhecidos. 

O que aconteceu depois, é conhecido: assistimos à "gentrificação" habitual, com os "novos ricos" (estrangeiros) a comprarem casas no centro histórico das cidades e os turistas ocasionais a ocuparem os Alojamentos Locais, em prédios desocupados. Sem casas nos centros históricos, as populações foram obrigadas a procurar alternativas fora da cidade o que, por sua vez, contribuiu para inflacionar o preço das habitações suburbanas. Um ciclo vicioso, que atingiu, não só a classe média, mas as classes de rendimentos mais baixos, sem capacidade para pagar rendas acima dos seus salários. 

Como se tudo isto não fosse suficiente, surgiu um problema-extra: o aumento exponencial de população imigrante que, só entre 2017 e 2025, cresceu cerca de 300% (500 mil para 1,5 milhões). As causas são conhecidas, ainda que a causa principal seja a necessidade de mão-de-obra estrangeira, com vista a preencher funções, para as quais não há mão-de-obra nacional: agricultura, construção civil, restauração, hotelaria e serviços diversos. Ou seja, os imigrantes vieram porque eram necessários. O problema foi este aumento não ter sido planeado (uma pecha nacional) e, com a sua vinda, os problemas administrativos e logísticos terem aumentado. Não só sobre a população residente, mas também sobre os próprios imigrantes, remetidos para a marginalidade.

Esta é a razão principal da construção ilegal, nos arredores de Lisboa, onde continuam a trabalhar nacionais e imigrantes, para os quais não há habitações condignas, a preços acessíveis. Que culpa têm os imigrantes legais, que trabalham e pagam impostos, que o salário auferido (muitas vezes abaixo do mínimo) não chegue para pagar uma renda, que é o dobro do que ganham? Nenhuma.

Esta situação justifica a construção ilegal? Claro que não. O que tem de ser feito, é proporcionar condições mínimas de habitação (a preços acessíveis) para as pessoas (todas) que vivem e trabalham em Portugal, independentemente da sua origem, etnia ou religião. É o mínimo exigido, para mais no caso especial de Portugal ("et pour cause") um país com uma longa história de emigração.  

Que o autarca de Loures, não entenda estas coisas simples e tenha agido por mero cálculo político, é deplorável. Uma chaga social, que nos deve questionar a todos. Que moral tem este dirigente "socialista", depois do que se passou no bairro do Talude, para pedir votos nas próximas eleições autárquicas? O mínimo que deve fazer, é pôr o lugar à disposição. Que o PS é, há muito, um partido em crise, já sabíamos. Ao seguir a via populista, tornou-se um partido indigno do nome que usa, agora com um secretário-geral patético. No meio da mediocridade reinante, valha-nos Helena Roseta, uma das poucas vozes lúcidas, que ontem veio pôr os pontos nos "iis", ao lembrar o Decreto-Lei (13/2019) que protege as vítimas de despejos e obriga o estado a garantir habitação condigna para moradores em situação de fragilidade. É o caso. 

 

1 comentário:

Carlos Alberto Augusto disse...

Um tema medonho, para um belíssimo post. Uma vergonha monumental (sem rodeios, há que classificar este caso assim), agravado, como bem diz o RM, pelo facto de se tratar de um dirigente "socialista". Que se enganou, obviamente, no partido. Ou então somos todos nós que andamos enganados. Ou a ser enganados... Simplesmente, inqualificável.