
Dinamizadora desse grupo (segundo outros intervenientes na sessão de lançamento, nunca a ART teve tanto dinamismo como quando ela foi sua presidente), a autora, sendo socióloga, foi levada a interessar-se também pelo «significado sociológico do caso e a agir como investigadora».
O «objectivo de estudo que deu origem a este livro» foi «perceber de que forma uma acção colectiva, baseada num entendimento partilhado sobre o uso de uma parcela de território de um bairro -- no caso concreto, o bairro de Telheiras, em Lisboa -- pode ser entendida como uma aprendizagem ambiental».
Este livro situa-se definitivamente de fora da mainstream das cabeças pensantes e dos opinion makers, a qual se pauta pela realpolitik: «É no quadro de uma teoria da acção e do sujeito permitindo a utopia pragmática, o realismo utópico, que este trabalho académico se filia». "Fora de moda", como se vê, o que interessa a Ana Contumélias é saber «em que medida vivências ligadas ao território geram e activam identidades colectivas locais (...) resultantes do sentido de pertença, construídas através da apropriação quotidiana da cidade, do bairro, da praça ou do jardim». Há a consciência de que estamos «num tempo em que aprendemos a desconfiar das Grandes Utopias (...) mas se pressente que os espaços locais podem ser o lugar certo para o germinar das pequenas, mas mobilizadoras utopias».
A utopia confrontou-se com a realidade dos poderes e da burocracia. Tenho a convicção de que um dia «a noção de humanidade como um todo ganhará nova acuidade e sentido» e «o civismo tornar-se-á fundamentalmente um civismo ecológico»; mas eu vou esperar sentado, para não me cansar muito. É que estou convencido de que gestos como estes estão bem à frente do seu tempo.
Os habitantes mais antigos de Telheiras ainda dizem "vou a Lisboa", quando se deslocam ao centro da cidade e as dezenas de pessoas que se inscreveram como desejando ser jardineiros/horticultores ainda lá moram, em Telheiras.
Também ainda lá está, sem que a comunidade o utilize, o quadradinho verde, terreno passível de ser utilizado pelos "jardineiros/moradores de Telheiras". Surpresa seria se um dia eles ganhassem o direito de ali fazer hortas. A lógica de desenvolvimento da cidade é a do negócio imobiliário que não se compadece com utopias.
No entanto, como dizia Sartre em Maio de 1968 e Ana cita, é preciso "alargar o campo do possível"; estas acções, se outro efeito não tiverem, terão certamente o da experiência de intervenção cívica que conferem aos intervenientes.
Um dia iremos acordar ajoujados ao peso de uma cidade inumana em que nos habituámos a viver, e vamos querer vizinhos, e amigos, e fruição, e convívio; e exigiremos intervalos na sucessão de prédios para podermos cultivar as nossas hortas. Só nessa altura estaremos à altura de ser verdadeiros jardineiros ou horticultores.
A parte mesmo boa deste caso é o conforto que podemos retirar de saber que ainda existem pessoas como Ana Contumélias; pessoas com quem o futuro é possível.
Um quadradinho de verde na aldeia de Telheiras, de Ana Contumélias, Plátano Editora
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