A América está a mudar? Vai mudar? Já mudou? Ou nunca mudou? Em véspera de eleições americanas, numa altura em que se ouvem cidadãos de outros países, que não têm direito a voto na América e que, se calhar, nem votam nos seus próprios países, proclamarem a sua preferência por este ou por aquele candidato, ou zurzirem no candidato que, no seu entender, não corresponde às suas simpatias ideológicas, surgem sinais de que as coisas na América já não são o que foram. Talvez nunca mais voltem a ser o que foram. Talvez mesmo nunca tenham sido aquilo que a gente pensa que foram....!
Entre as notícias sobre vices com mais ou menos viço, surgiram recentemente outras dando conta da preocupação de diversos analistas sobre o declínio da capacidade de inovação da sociedade americana. Embora alguns sectores ponham em causa a legimtimidade destas preocupações, o certo é que há diversos factos objectivos que demonstram que os E.U. estão hoje longe de ser o país onde reside a força que faz mover as rodas do progresso. As vozes que proclamam a sua preocupação sobre o que chamam de "défice de inovação" na América multiplicam-se.
Interessante nesta matéria um recente artigo do NYT sobre um livro há pouco publicado de autoria de Judy Estrin, uma dessas vozes críticas, chamado "Closing the Innovation Gap". É desse artigo que retirei a maior parte dos dados que cito aqui. Os cépticos dizem que não, que os E.U. mantêm uma liderança inquestionável em matéria de ciência e inovação. 40% do total dispendido no mundo na área da ciência provém da América. 70% dos prémios Nobel são americanos. A América tem 75% das 40 melhores universidades do mundo. Mas, a história pode não ser bem assim. A liderança dos E.U. em matéria de ciência e inovação é conseguida à custa de conhecimentos e tecnologias desenvolvidos há décadas. O que acontecerá quando o efeito se esgotar? A verdade é que, como diz um relatório encomendado pelo Congresso norte-americano, o financiamento em áreas como a física, por exemplo, era 40% inferior em 2004 ao que se verificava em 1976 e que 93% dos alunos entre o 5º e o 8º ano aprendiam ciência de professores sem as necessárias qualificações.
A actual liderança parece, pois, estar baseada numa estrutura montada há décadas, cujos efeitos se fazem agora sentir. Essa estrutura afigura-se não estar a ser sustentada e assim os americanos parecem começar a sentir uma mudança nos eixos do progresso científico, que agora parecem inclinar-se mais para os lados da China e da Índia. 30 a 40% dos graduados das universidades chinesas e indianas têm títulos na área das engenharias, contra os 5% dos graduados americanos. Mais: 60% dos títulos das universidades americanas são atribuídos a estudantes de outros países que não ficam na América a trabalhar, uma vez que a dinâmica económica americana não se compara com a desses países.
"Neste momento o país parece estar num lento declínio -nas suas infraestructuras, na investigação básica, na educação- lento suficientemente para nos levar a pensar que temos todo o tempo do mundo para andar a brincar em Tbilisi, Georgia, mais do que em Atlanta, Georgia," escreve Thomas L. Friedman, também nas páginas do NYT, a propósito do investimento americano de mil milhões de dólares para reconstruir a Georgia depois do conflito com a Rússia.
A internet é um exemplo interessante e talvez paradigmático. Trata-se de uma criação americana dos anos 70. O tráfego de dados na internet passou durante estas três primeiras décadas de existência pelos E.U.. Até o tráfego nacional de dados, num qualquer país com a sua própria rede, passava pelos servidores americanos. A falta de investimento em infraestruturas modernas e problemas de segurança têm levado grandes regiões económicas como o Canadá, a Europa e o Japão a criar as suas próprias redes e a curto-circuitarem as redes americanas. Os E.U. assistem hoje a uma mudança nos fluxos do tráfego de dados, com claros efeitos na sua economia e até na sua segurança. Cito de um outro artigo do NYT de que me socorro para alinhavar estas notas, Yochai Benkler, director adjunto do Berkman Center for Internet and Society at Harvard, que diz, relativamente ao esforço que neste domínio tem sido feito por países como a China e a Índia, o seguinte: “nós, por comparação, estamos militarmente mais fracos, economicamente mais pobres e tecnologicamente menos inovadores do que éramos. Ainda somos um parceiro maior, mas já não somos nós a controlar."
Mas, será que alguma vez os E.U. estiveram, verdadeiramente, a controlar? Será que se pode falar, verdadeiramente, de inovação no caso dos Estados Unidos? Ou será que outros factores entraram em jogo para conferir a este país a sua hegemonia tecnológica? Não serão antes o bloqueio mental e o preconceito europeus os factores decisivos que contribuíram para dar aos E.U. essa sua vantagem? A inovação americana começou por assentar basicamente em conhecimentos desenvolvidos e em massa crítica existente noutras paragens. Onde estaria ela, a inovação americana, sem os Von Braun e os Von Neumman made in Europe? E teria, por seu turno, Turing tido o fim que acabou por ter se não fosse o preconceito e a estreiteza de horizontes dos ingleses?
Esgotado que está o efeito desse período inovador, não podendo continuar a atrair e a manter os actuais e futuros Von Braun e os Von Neumman, se calhar não é só o domínio do tráfego da internet que os E. U. vão perder. O que constitui uma boa nova para o mundo.
Já agora, uma pergunta: enquanto os E.U. andam entretidos a resolver o problema das hipotecas nacionalizando o Fannie Mae e o Freddie Mac, alguém quer aproveitar esta "nova oportunidade", ou vamos já começar a prestar vassalagem ao novo líder antes de o ser?
1 comentário:
A América está, de facto, a mudar e a melhor prova é a campanha eleitoral actual. Mesmo que Obama não ganhe, a dinâmica imprimida pela sua candidatura veio mostrar que grande parte da população americana quer alterar a ordem estabelecida. A fase de crescimento económico que caracterizou a sociedade americana do pós-guerra e que alguns ideólogos, após a queda do muro, pensaram ser o "fim da história", está em crise. E está em crise porque, entre outros factores, a existência de uma única superpotência não veio resolver os problemas, mas antes agravá-los. A denomidada globalização, com todos os seus defeitos, veio contribuir para uma maior diversificação e competição no Mundo. O que em meados dos anos noventa parecia ser um Mundo dominado pelo potencial bélico e económico dos EUA, está paulatinamente a transformar-se em diversos blocos de domínio regional (Russia, Japão, China, Índia, Brasil, África do Sul...) que disputam as matérias-primas e fazem valer os seus recursos humanos no mercado internacional.
As recentes guerras pelo controlo regional - Médio-Oriente, Afeganistão, Iraque - vieram demonstrar os limites da actuação dos EUA no Mundo. Dificilmente a América poderá abrir mais frentes de combate: tanto em termos bélicos como económicos. Por alguma razão a América deixou de hostilizar os países do "Eixo do Mal" (Irão, Iraque e Coreia do Norte) e reabriu a via de negociação e compromisso com as potências emergentes. A nível económico os chineses já detêm mais de 45% da dívida externa americana e produzem hoje mais académicos num ano do que os americanos em dez...
Isso mesmo percebeu Obama e por isso quer sair do Iraque e dedicar-se aos problemas internos que preocupam os americanos.
Uma América governada pelos democratas será - em princípio - um país menos expansionista e mais isolacionista. Em princípio...
Tudo indica que estamos, de facto, a chegar ao fim de um paradigma que se caracterizou pelo domínio do "império" americano. Outras potências se perfilam no horizonte. Resta saber se o Mundo ficará melhor...
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