2022/01/25

Córdoba ou o apogeu do Al Andalus


A viagem estava prometida há anos. Aproveitando o interregno natalício, a escolha recaiu em Córdoba, uma das cidades míticas de Andaluzia. Três curtos dias não seriam suficientes para ver tudo, mas deu para aguçar o apetite e voltar na semana seguinte, tal o impacto da primeira visita.

Antes, porém, um pouco de História:

Córdoba (ou a "cidade do rio") foi fundada em 169 a.C. pelo general romano Claudio Marcelo que, numa colina do Guadalquivir, criou o primeiro assentamento militar da zona. Este pequeno núcleo populacional, daria origem à fundação da cidade romana de Corduba. Pouco a pouco, Corduba extendeu os seus limites e prosperou como cidade. Até que, em 45 a.C., a guerra civil entre César e os filhos de Pompeu, obrigou a cidade a escolher um dos lados. O apoio de Corduba aos pompeianos (e posterior derrota destes) provocou uma terrível represália que acabaria com a vida de 22.000 habitantes. 

Em pouco mais de vinte anos, Corduba recuperou o seu papel relevante. No ano 27 a.C. o imperador Augusto nomeou Corduba, a capital da Bética, importante província romana em Hispânia. Nos anos seguintes a cidade viveu uma época de esplendor a tornou-se uma das cidades mais importantes do império romano e da Europa. Nessa época, Corduba protagonizou um autêntico renascer urbanístico. Foram construídos grandes monumentos, o forum, o circo, o teatro, o templo romano, uma grande muralha que cercava toda a cidade e a ponte romana que conduzia a Roma, através da via Augusta. Alguns destes monumentos subsistem e podem ser visitados. Paralelamente, a cidade viveu um renascimento cultural, graças a filósofos como Sèneca e a poetas como Lucano, ambos oriundos de Corduba. 

Em meados do século XV, Corduba perde o estatuto de capital e sofre diversas revoltas que marcam o seu imparável declínio. No ano 572, os Visigodos conquistaram Corduba, dando início a quase dois séculos de domínio da cidade. Durante esse período, os judeus, que haviam gozado de liberdade de culto com os romanos, foram perseguidos e obrigados a abandonar a religião. Este facto, provocou o futuro apoio do povo hebreu às tropas muçulmanas, que invadiram a cidade em princípios do século VIII.

No ano 711, as tropas berberes do Norte de África, cruzam o estreito de Gibraltar e iniciam a invasão da Península Ibérica. Sete anos mais tarde, todo esse novo território (denominado Al Andalus) tornou-se uma província dependente do Califado de Omíada. Durante 20 anos, o exército berbere avançou até ao Norte, até ser derrotado em Tours (França). Esta batalha marcou o início do retrocesso muçulmano, o que viria a provocar conflitos internos entre berberes e árabes. 

No meio do caos, Abderramão l, o único sobrevivente do massacre da dinastia Omíada na Síria, fugiu de Damasco e fundou o primeiro emirado de Córdoba em 756. Desta forma, Córdoba tornou-se a capital do Al Andalus a ser independente do Califado, embora mantendo os laços religiosos. Nos 170 anos que se seguiram, sete emirados sucederam a Abderramão I. Durante esse período, a cidade viveu importantes transformações, urbanas e culturais: o bairro judeu, conhecido como Judiaria, ampliou-se e as suas ruas seguiram o traçado típico da arquitectura muçulmana, dando lugar a um labirinto de ruas e becos estreitos. Prosseguindo a ideia do "jardim do paraíso", os pátios das casas encheram-se de fontes e flores aromáticas. Esse novo modelo de residência foi mantido até aos dias de hoje, dando lugar aos famosos "pátios" de Córdoba. Também foram construídas mesquitas e banhos árabes (hammans) na capital assim como o templo mais importante do Al Andalus, a Mesquita de Córdoba. 

O oitavo emir de Córdoba, Abderramão III, rompeu definitivamente os vínculos religiosos com Bagdad no ano 929 e auto-proclamou-se Califa de Córdoba. Sob o seu mandato a cidade viveu uma época de esplendor sem procedentes e chegou a ser o principal centro cultural do Ocidente. Com quase 1 milhão de habitantes, Córdoba simbolizou a convivência de judeus, cristãos e muçulmanos. Em todo esse tempo, a cidade califal tornou-se um ponto de encontro de célebres cientistas, filósofos, astrónomos e matemáticos. Além disso, foram feitas importantes obras públicas, como o pavimento de ruas, esgotos e iluminação nocturna. Mas, sem dúvida, a obra mais importante da Córdoba califal, foi a construção, em 936, da Medina Azahara, uma cidadela vizinha a Córdoba. Abderramão III transladou o governo e a corte da cidade palatina e passou a gerir do seu palácio o funcionamento do califado, onde recebia os líderes internacionais e a conciliar as relações entre berberes, cristãos e judeus.

O seu sucessor no trono, foi Ad-Hakam II, que por sua vez deixou o trono ao filho Hisham II de apenas 11 anos. A sua inexperiência possibilitou a ascensão do fidalgo Almançor que ganhou cada vez mais protagonismo e poderio militar. Os constantes ataques de Almançor aos reis cristãos, fizeram com que se estes se unissem e desencadeassem um levantamento, que colocou fim ao Califado de Córdoba em 1031. Os berberes saquearam e incendiaram Medina Zahara e a comunidade muçulmana de Córdoba dividiu-se em pequenos reinos de Taifas. Depois da dissolução do Califado de Córdoba, a capital ficou dividida em 39 reinos de Taifas, o que fez com que o poder ficasse descentralizado. No século XII, o Império Almoada chegou à Península Ibérica e unificou todos esses reinos. Estes seriam, finalmente, dissolvidos pelos cristãos, dando lugar ao terceiro reino de Taifas. Finalmente, as tropas cristãs de Fernando III entraram em Córdoba e conquistaram este território em 1236. Embora a cidade tenha mantido a sua essência árabe, os muçulmanos foram expulsos, a Medina passou a ser uma vila medieval e foram construídas diversas igrejas cristãs. Córdoba iniciava, assim, a sua época cristã.

No século XV, os reis católicos instalaram-se em Córdoba, para dirigir da cidade a reconquista de Granada e, nessa altura, a cidade recuperou parte do seu esplendor. Em 1486, Isabel e Fernando receberam o marinheiro genovês Cristovão Colombo, no Alcácer dos reis cristãos, para escutar a sua inovadora rota rumo à Índia. A cristianização de Córdoba chegou em 1482, quando os reis católicos expulsaram os judeus e muçulmanos da Península Ibérica. Como consequência, em 1523, Carlos I autorizou a construção de uma catedral no interior da Mesquita. Nos anos seguintes foram também construídas as Cavalariças Reais, a Porta del Potro e a Plaza de La Corredera, lugares incontornáveis em qualquer visita. Córdoba teria, ainda, um papel de protagonista em 1808, quando as tropas do general Castaños venceram o exército francês na batalha de Bailén, naquela que foi a primeira derrota de Napoleão.

Desde meados do século XX que a cidade vive um renascimento económico e cultural que originou um crescimento considerável da sua população. Córdoba conta hoje com mais de 325.000 habitantes (a terceira maior cidade da Andaluzia). A UNESCO, declarou Córdoba Património da Humanidade em 1984. Recentemente, em 2008, o conjunto arqueológico da Medina Azahara foi declarado Património Mundial. 

(continua)

2 comentários:

Amílcar Vasques-Dias disse...

BELA LIÇÃO DE HISTÓRIA, RUI! Obrigado! Um abraço do Amílcar,

Rui Mota disse...

Obrigado, Amilcar!