2022/01/26

Córdoba ou o apogeu do Al Andalus (2)

 

Dizem os guias turísticos, que a melhor forma de entrar na cidade de Córdoba é pela margem esquerda do Guadalquivir, atravessando a Puente de San Rafael. Para quem vem de Sul, pela auto-estrada A4, essa foi uma escolha natural. De facto, a perspectiva da cidade, antes de atravessar a ponte, é determinante para ter uma ideia global do perímetro urbano, do casario que envolve o centro histórico e, no meio de tudo, os telhados da mesquita, encimados pela torre da catedral no centro. Um "bilhete postal" que dispensa apresentações. 

O mais difícil nestas coisas é sempre arranjar lugar para o carro, num centro histórico pejado de turistas, limitado na sua circulação e onde os "parkings", para além de caros, estão normalmente cheios. Depois de muito circular sem sucesso (a circulação faz-se num só sentido) foi necessário atravessar a Puente de Miraflores, em sentido contrário, para encontrar um lugar junto ao projectado Centro de Congressos. Até ao primeiro monumento da cidade, a Torre de La Calahorra, são cinco minutos. A Torre, um antigo forte construído pelos árabes, é hoje um dos "ex-libris" da cidade e alberga, para além da Fundação Roger Garaudy, o "Museu das Três Culturas" (Islâmica, Judaica e Cristã). A partir daí, a melhor forma de voltar ao casco histórico da cidade, é atravessar a Puente Romano, cujo tabuleiro e (parte dos) arcos que a suportam, datam da época romana. Depois, é sempre a subir, até à Mesquita-Catedral, o mais emblemático monumento da cidade.   

Visitar a Mesquita de Córdoba constitui, por si só, uma experiência inolvidável. Nas palavras de um guia local: "poderia descrever-se como o encontro com um Mundo já perdido, onde a sensualidade e a geometria constituía a porta preferencial de acesso ao sobrenatural". Consta que o rei Fernando III de Espanha, quando conquistou a cidade em 1236, não escondeu o seu assombro pelas dimensões do edifício. De tal modo, que deu ordem para preservar a mesquita e para construir um templo cristão embutido, no seu interior, de modo a sublinhar a convivência que durante séculos existiu entre as duas religiões da cidade. A primeira coisa que espanta, é a extraordinária dimensão da sua planta. Vista do lado oposto (Torre de Calahorra) a Mesquita parece um gigantesco mausoléu, dentro do qual estão escondidos séculos de História. Se pensarmos que à época do califado, Córdoba era a maior cidade europeia com cerca de 1 milhão de habitantes, podemos imaginar as multidões que acudiam à chamada do "muezzin".

No interior do edifício, encontramos um imenso mar de centenas e centenas de colunas, todas diferentes, que saem do solo, sem base a sustentá-las, para formarem onze naves paralelas com mais de 100 metros de comprimento. Dos seus capitéis, surge uma sucessão interminável de arcos em forma de  ferradura, sobrepostos até três níveis, que ascendem aos tectos (embutidos a madeira), como uma metafísica palmeira. No centro do edifício, surge a zona da Catedral, que os cristãos levantaram no século XV. Curiosamente, não existe qualquer barreira a separar os dois templos (incrustados um no outro) pelo que os visitantes, podem atravessar todo o edifício e escolherem o lugar preferido. À saída, tempo ainda para percorrer e admirar o famoso Pátio das Laranjas, outro lugar mágico, onde o cheiro das laranjeiras carregadas, cercadas pelo murmúrio da água corrente das fontes, completaram um dia perfeito.

Ainda que o centro histórico de Córdoba, seja relativamente pequeno, a quantidade de locais interessantes é assinalável. Destacamos os que pudemos visitar, já que o tempo era escasso. Desde logo, a Judiaria, a norte do perímetro histórico. Um intrincado labirinto de ruas e ruelas, extremamente bem conservadas, no centro da qual existe a única Sinagoga de Andaluzia. O antigo bairro judeu é hoje um dos pontos mais fervilhantes da cidade, com centenas de pequenos comércios e aprazíveis pátios exteriores, onde ao fim da tarde se juntam os locais e os turistas, em permanentes deambulações. Outro dos percursos obrigatórios, são os famosos "pátios", que podem ser visitados em Maio, durante o festival que atrai à cidade milhares de forasteiros. O evento, já foi reconhecido pela UNESCO, como Património Imaterial. Também o "souk" (bazar árabe) pode ser visitado, apesar de dimensões reduzidas, quando comparado com o de Granada, bastante maior. A não perder mesmo, são os "salmorejos" locais (um creme frio, da família do gaspacho, confeccionado com pão, azeite, tomate, alho, ovo cozido e presunto) considerados os melhores de Andaluzia. Depois de repetidas provas, só posso estar de acordo com a sua reputação. 

A percorrer também, é a Calle Cardenal González, uma animada rua onde estão situados os banhos árabes (hammans) diariamente frequentados por jovens locais e turistas, embrulhados nas suas toalhas turcas. Seguindo a rua, desembocamos na Plaza del Potro, lugar mítico da cidade, referido por Cervantes no romance "D. Quixote de La Mancha". Nesta praça, estão situados o Museu de Belas Artes e o Casa-Museu Julio Romero de Torres (1874-1930), notável pintor de Córdoba, famoso pelos retratos a óleo de mulheres andaluzas. Ainda na mesma praça, existe um dos poucos currais medievais existentes, este recuperado e restaurado. Numa das dependências do curral, funciona o Centro de Flamenco El Fosforito, famoso cantor flamenco do século passado (originário da cidade e vencedor e.o. da Chave de Ouro, um dos mais altos galardões da Arte Flamenca). Córdoba é, de resto, uma das cidades de grande tradição flamenca. Ali, existiram alguns dos mais famosos "Cafes Cantantes" da Andaluzia onde, em 1871, actuou o lendário Silverio Franconetti, um ícone da arte. Outros nomes famosos da actualidade, são os cantores El Pele e Juan Serrano, para além dos guitarristas Vicente Amigo e Paco Peña, todos oriundos da cidade. 

Por fim, a jóia da coroa do Al Andalus: a Medina Azahara (Madinat Al-Zahra). À semelhança dos califas orientais, Abderramão III fundou em finais do século IX, a 8km de Córdoba, uma cidade de excelência, como prova do poder político e económico do Califado Cordobés. Considerada a Versailles da Idade Média, chamaram-lhe a "Cidade Resplandecente" e ainda hoje deslumbra. A sua construção durou 25 anos e seria finalizada pelo filho do Califa. Foi fundada em 941, mas teve uma existência curta, já que em 1010 foi completamente arrasada pelas tropas berberes, que desafiaram o Califado, após o que a cidade seria parcialmente destruída e abandonada durante mil anos. No seu apogeu, chegou a ter 25.000 habitantes. São cerca de 1500m de comprimento por 750 metros de largo. Quase 112 hectares de superfície, dos quais somente 10% foram, até à data, postos a descoberto e recuperados, num dos mais belos museus ao ar livre da península. Desta vasta superfície, só é autorizado visitar a zona Norte da Medina, onde estava situado o palácio de Abderramão III e as moradias nobres da cidade. Os jardins, considerados os maiores e os mais belos de todo Al Andalus, podem ser vistos dos diversos miradouros, instalados na parte alta, mas devido aos trabalhos de arqueologia (que se iniciaram em 1911) e à pandemia vigente, estavam encerrados. 

Tudo isto e muito mais, a ver e repetir, pois a beleza não tem preço, nem limites. 

1 comentário:

Emma disse...

Bello relato de un precioso viaje, del que aún resuenan los pájaros nocturnos junto al poema de Ibn Zaydum y Walada. Shukram.