Voltou a "época dos fogos" e, com esta, as imagens diárias que todos lembramos de anos passados: imagens dantescas de populações desesperadas, que tentam salvar os seus bens, enquanto centenas de bombeiros, em terra e no ar, tentam salvar as populações e limitar os estragos.
Uma guerra condenada ao fracasso, ainda que, aqui e ali, algumas batalhas possam ser ganhas.
As razões são conhecidas: a temperatura média do planeta está a aumentar e os dados conhecidos não mentem. 2024 foi o ano mais quente do século, a temperatura aumentou em média 1,3% e, de acordo com as estimativas meteorológicas, Portugal poderá ter, no futuro, mais de 50 dias anuais com temperaturas acima dos 35 graus (por muito que isto custe aos negacionistas, que acreditam que a Terra é plana e o Sol gira em volta da Terra...).
Acresce que o país está inserido numa zona (mediterrânica) propícia a vagas de calor frequentes, tempo seco, ventos fortes e humidade relativa, o que torna a situação ainda mais complicada.
Ou seja, os fogos de Verão vão continuar, provavelmente com mais frequência e maior intensidade. Só nas últimas três semanas, já teriam ardido 30.000hectares (o equivalente a 30.000 campos de futebol) e muitos mais arderão até Setembro...
Uma fatalidade? Sim e não. Fogos haverá sempre, mas podemos prevenir melhor, para termos fogos de menor intensidade e mais circunscritos em superfície. Dito de outra forma: se o combate aos fogos é necessário, a prevenção é tanta, ou mais importante, pelo que não pode haver uma solução sem a outra.
Todos os dias, os especialistas na matéria (uns mais conhecidos que outros) vêm alertar para o óbvio: é necessário mais limpeza das matas, maior controlo das zonas florestais, mais apoio às populações, compensações monetárias pela biomassa recolhida (lenhas, folhas, ervas, etc...), plantação de espécies autóctones (castanheiros, carvalhos, sobreiros...) que ardem menos e mais lentamente do que eucaliptos ou pinheiros bravos, plantação em mosaico (alternância de espécies plantadas...). Enfim, a lista é longa e conhecida de todos os interessados. Então, porque não se faz?
Porque, para fazer tudo isto, têm de resolver, primeiro, os problemas a montante.
Sabendo que 97% da floresta está em mãos de privados, como pode o estado intervir nesta matéria? Desde logo, actualizando o cadastro de terras (desactualizado a Norte do Tejo, há mais de 50 anos); depois, proceder ao reordenamento do território (uma reforma estrutural, que nenhum governo ousa fazer); obrigar os proprietários das terras a limpá-las (a lei existe, mas está longe de ser cumprida); ajudar a fixar as populações do interior (através de apoios que garantam uma contrapartida para a manutenção da floresta abandonada); criar incentivos à agro-pecuária e à manutenção de rebanhos (que ajudam a criar riqueza e a limpar a mata), etc.
Tudo isto custa tempo e dinheiro, mas sem semear não se pode colher. No fundo, é investir hoje, para colher amanhã.
Nada parece preocupar os nossos governantes, os de hoje e os do passado recente, que surgem pesarosos nas pantalhas televisivas, sempre que há tragédias, mas são incapazes de pensar o país a 15 ou 20 anos. Não há estratégia para a território, como não há para a floresta, ou para o despovoamento. Uma incapacidade total de resolver problemas estruturais da sociedade, que se arrastam há gerações, sem qualquer esperança que esta situação se altere a curto prazo.
Estamos a meio do Verão e, até finais de Setembro, haverá mais vagas de calor e mais fogos. Seguem-se os relatórios sobre a área ardida e as compensações monetárias aos lesados. É sempre assim e nada prova que este ano seja diferente. A tradição (ainda) tem muita força. Para o ano, há mais...