2025/12/02

Uma Safra Vergonhosa

Repentinamente, o país real "descobriu" uma rede de tráfico humano, existente na região de Beja, dirigida por elementos da GNR e da PSP, que controlavam e exploravam uma comunidade imigrante calculada em cerca de 500 pessoas! 

Grande escândalo, como é natural, com direito às parangonas habituais dos jornalistas de serviço, que só descobrem coisas visíveis a "olho nu", quando a polícia decide intervir e, mesmo esta, só após denúncia de um dos familiares das próprias forças de ordem (!?).

Tudo isto era previsível, mas como os portugueses são lentos a reagir e a prevenção não faz parte da cultura nacional, sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, íamos ser confrontados com um aumento da imigração ilegal, agora que a Lei de Imigração foi alterada e proibida a entrada a imigrantes que procuram trabalho.      

Ou seja, a partir do momento em que o actual governo, para agradar à extrema-direita, decidiu revogar a Lei do governo anterior, sabíamos que o fluxo imigratório não iria abrandar, mas tornar-se ilegal, já que os patrões continuam a necessitar de mão-de-obra nos sectores onde os portugueses não querem trabalhar. Um maná para as máfias, portuguesas e estrangeiras, que operam entre as comunidades imigrantes e para os patrões que, deste modo, mais facilmente podem explorar os estrangeiros sem papéis e sem direitos. 

A situação denunciada (centenas de trabalhadores rurais, a viver em condições sub-humanas, controlados e chantageados por elementos policiais) é por demais vergonhosa para passar em claro. Tudo isto existe há anos e não faltaram avisos de organismos diversos, que denunciam as práticas mafiosas na região. Trata-se de extorsão e exploração de uma população, calculada em dezenas de milhares de imigrantes, a maioria de origem asiática, que sazonalmente trabalha na agricultura e nas estufas do Baixo-Alentejo. De resto, basta ir a Beja ou a qualquer localidade limítrofe (Odemira, São Teotónio, Aljezur, Vila Nova de Mil Fontes...), para confirmar o óbvio: extensões de estufas, a perder de vista, donde saem e entram imigrantes que trabalham de sol a sol, na apanha de frutos vermelhos. Um trabalho sujo e mal pago, para a qual não há trabalhadores, o que obriga os empresários locais a contratar imigrantes, dispostos a aceitar as condições oferecidas (salários miseráveis, alojamentos colectivos em condições deploráveis e desprovidos de qualquer apoio ou segurança social, etc.). A escravatura moderna, num país da União Europeia. 

Acontece, que não há inocentes nesta história. Desde logo, os donos das herdades, que beneficiam deste regime de sub-contratação ilegal, o que lhes permite pagar salários abaixo da lei; depois, os "intermediários" (neste caso, os próprios policiais) que, a coberto da cumplicidade gerada, fornecem os empresários de mão-de-obra dócil e desconhecedora dos seus direitos; os proprietários de imóveis devolutos, que ganham fortunas com o aluguer de colchões amontoados em habitações sem condições da salubridade; os comerciantes da zona, que nunca fizeram tanto negócio e, por último, as próprias forças de segurança, que conhecem e "fecham os olhos" à ilegalidade, dado que muitos deles beneficiam da situação. Resta acrescentar, que os autarcas da região não são menos inocentes e que organismos como a AIMA ou a ASAE, não estão isentos de responsabilidade. Uma verdadeira "conspiração de silêncio", que parece não incomodar toda esta gente, beneficiária de um "negócio" escabroso, que nos devia envergonhar a todos. Mas, não. O governo assobia para o lado, o MP iniciou um inquérito com vista a apurar responsabilidades e, entretanto, a GNR já libertou a maior parte dos suspeitos que aguardam julgamento em liberdade provisória. O costume, num país de "brandos costumes", que se indigna com "burkas" (inexistentes na sociedade portuguesa), mas prefere fechar os olhos à exploração a que são sujeitos aqueles que fazem os trabalhos que recusamos fazer. No fundo, um país de ignorantes cobardes, que saíram do fascismo, a ideologia da qual nunca se libertaram.